ENTREVISTA, PARTE I - Avançado encerrou a carreira aos 38 anos e abriu o coração a O JOGO, deixando mensagem aos mais jovens. Num Parma aflito, viveu uma fase terrível a nível mental, mas deu a volta; Foi sem receber parte do salário que o antigo internacional português recuperou a alegria de jogar. Acabou a época de tal maneira inspirado que o FC Porto chamou-o de volta para renovar.
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Nunca deu muitas entrevistas, era reservado, mas o sorriso sai-lhe facilmente. Silvestre Varela, 38 anos, guiou O JOGO por uma carreira de trabalho árduo, conquistas e fases complicadas. Da pior sai uma lição para os mais jovens: vão precisar de ajuda e o dinheiro não é tudo. Foi num Parma caótico que o antigo extremo passou do alívio por jogos adiados à felicidade que julgava perdida, ao ponto de conseguir algo raro, sair do FC Porto e voltar.
Em 2014/15 foi emprestado ao West Bromwich Albion. Queria experimentar outro campeonato?
-Por tudo aquilo que tinha passado e conquistado no FC Porto, achei que poderia ter uma oportunidade, como outros. Tinha o sonho da Premier League, mas as coisas não correram muito bem. Nunca contei isto, foi uma fase difícil, mas acabei por superar. Tive uma hérnia e fui operado. A paragem foi de um mês, porém a recuperação foi muito difícil e dolorosa. Voltei a jogar e fiz uns jogos bons, mas veio outro treinador [Tony Pulis] e não fui opção. Fui falar com ele, nem sabia falar muito bem inglês, no dia anterior até treinei em casa. Para meu espanto, disse-me que eu parecia um menino e não me conhecia. Já percebi a mensagem, não me estás a dizer para ir embora, mas estás a dizer que não vou jogar ou vai ser difícil ter oportunidade. Não fiz muito barulho, nem disse "acabei de vir de um Mundial, não viste o Mundial?" Podia ter dito isto ou que já tinha jogado a Champions ou vencido uma Liga Europa. Pela atitude, tive de encontrar uma solução rápida para poder jogar.
E surgiu o Parma em janeiro de 2015...
-Era um campeonato que não me dizia nada. Mas, mesmo com as dificuldades financeiras, desportivamente foi a melhor decisão que podia ter tomado. Consegui novamente ter a alegria e o prazer de jogar. Apanhei o Roberto Donadoni, que deve ter percebido como é que eu estava, não tinha alegria, nem confiança. A minha família estava em Inglaterra e teve de ir para Portugal por causa da escola. Estive sozinho nos primeiros tempos, foi muito difícil gerir. Havia muita expectativa em cima de mim e eu não estava nada bem, psicologicamente e fisicamente, porque a intensidade que metes no treino e a disponibilidade que tens para trabalhar reduz. Houve um jogo adiado por causa da neve e foi um alívio. Digo isto com sinceridade, que é para as pessoas terem noção que os jogadores passam por momentos difíceis e têm de ter ajuda das outras pessoas. Corria muito nos jogos, 12, 13 quilómetros, só que jogar... zero, bola. Espremido não saía nada, não era aquilo que eu queria, não era o Varela a que eu estava habituado. Num momento disse "não, isto basta", ia ter de voltar ao patamar a que estava habituado, porque senão daqui era só ir para baixo. O míster não me tirou da equipa, mesmo não estando no meu melhor e consegui fazer um grande jogo, contra a Udinese, ganhámos 1-0. A partir daí foram jogos bons atrás de jogos bons, e muita cobiça em Itália e fora.
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Estava emprestado, mas também foi afetado pelas dificuldades financeiras?
-Fiquei sem receber parte do salário, mas não me arrependo de nada porque estava a precisar de sentir que tinha feito alguma coisa que me desse confiança e algum objetivo que quisesse cumprir. Foi importante por todas as dificuldades que vivi. Uma vez entraram uns 20 ou 25 adeptos por lá dentro, eu até estava de toalha [risos]. É a prova que o dinheiro não é tudo e eu digo isso aos mais jovens. Pensar primeiro desportivamente e depois na parte financeira, porque se a parte desportiva não for boa e não tiver sequência, acabam por, mais à frente, não ganhar o dinheiro que podiam ganhar.
Quem o ajudou?
-Tive o apoio da minha mulher e das minhas filhas, que nas férias da Páscoa foram visitar-me. O meu empresário também me ajudou, teve de ter paciência comigo porque eu estava mesmo a explodir, só dizia "o que é que eu vim aqui fazer". Mas virei as coisas ao contrário. O Pedro Mendes foi muito importante, ajudou-me imenso. Quando lá cheguei, virou-se para mim, "olha, quando vieste para cá, eles pagaram por ti?", "não sei se já pagaram, mas fizeram um acordo", "e tu já recebeste alguma coisa?", "não...", "oh...estamos lixados. Eles não pagam há seis meses". O Pedro foi um amigo.
Surpreendeu-o renovar contrato com o FC Porto nesse momento?
-Sim. São poucos os jogadores que saem e depois voltam a entrar. O FC Porto também se apercebeu de tudo que eu tinha passado. Estava emprestado, acompanharam-me e devem ter percebido que havia muito interesse de clubes na Europa.