Na UEFA, além de se sugerir uma margem de tolerância, alerta-se para o conceito de "erro claro e óbvio". O IFAB concorda mas...já disse que um fora de jogo de um centímetro é para ser assinalado
Corpo do artigo
Dos cafés aos departamentos de tecnologia e geometria descritiva, a discussão do fora de jogo, à boleia do VAR e, principalmente, da introdução das linhas, entrou numa nova dimensão, como se a caixa de Pandora tivesse sido aberta.
Terceira época de VAR na liga portuguesa e primeira em que estão disponíveis as linhas de fora de jogo
Os adiantamentos milimétricos originaram múltiplas reações das quais só se extrai uma conclusão: ninguém se entende. O debate começa na fiabilidade da tecnologia, passa pelas orientações do protocolo e acaba na revisão da regra do fora de jogo, entre alegações de que o VAR está a destruir o entretenimento.
O IFAB (International Board), no espaço uma semana, abriu e fechou o espaço para mudanças, ou talvez só tenha tornado tudo ainda mais confuso. "Se algo não é claro à primeira vista, então não é óbvio e não deve ser considerado. Olhar para um ângulo da câmara é uma coisa, mas olhar para 15 e tentar encontrar uma infração que potencialmente nem lá estava não é a ideia do VAR", afirmou Lukas Brud, secretário-geral do IFAB, no dia 30 de dezembro.
Estas declarações serviram de validação para quem contesta os foras de jogo que tanto têm dado que falar na Premier League mas que na realidade, como exemplificamos na página seguinte e se viu no domingo em Vila do Conde, andam um pouco por todo o lado. Roberto Rosetti, responsável pela arbitragem da UEFA, manifestou uma ideia semelhante e acrescentou que "não se quer o VAR a rearbitrar as partidas", pelo que, no caso de foras de jogo de centímetros, deve permanecer a decisão tomada no relvado.
A introdução das linhas de fora de jogo abriu uma caixa de Pandora: debatem-se a tecnologia, o protocolo e a regra
Neste ponto, é pertinente esclarecer que o fora do jogo não nasce de um mecanismo cem por cento tecnológico. Essa parte, que traça as linhas, só entra em ação depois de o árbitro determinar o momento exato do passe. E um segundo pode encaixar em 25 "frames", por exemplo...
Por outro lado, o conceito de "erro claro e óbvio", como diz o protocolo (ver caixa) abre outra questão: quão adiantado tem de estar um jogador para ser considerado um erro claro e óbvio?
Aleksander Ceferin, presidente do organismo que tutela o futebol europeu, já tinha sugerido uma "margem de tolerância de 20 centímetros" para estas situações, enquanto Graeme Souness, antigo treinador e atual comentador na televisão inglesa, sugere uma espécie de inversão da regra: "Se qualquer parte do corpo do jogador estiver em jogo, então não deve ser assinalado fora de jogo."
Talvez a reunião anual do IFAB que se realiza no próximo mês possa trazer novidades, mas o mesmo Lukas Brud, no dia 3 de janeiro, já emendou a mão. "Se as imagens com as linhas calibradas e perpendiculares mostram que há fora de jogo, o VAR tem de reportar. Mesmo que só seja um centímetro. Fora de jogo é fora de jogo. A questão é que o VAR tem de perceber rapidamente se há ou não infração", sentenciou.
O melhor é ninguém se esquecer de cortar as unhas.
"O VAR é um desastre. (...) Não deves ficar fora de jogo por teres um nariz grande. Vamos ver uma margem de 10 ou 20 centímetros"
Fora de jogo é "decisão factual"
Desde o início que o protocolo do videoárbitro se baseia no princípio da intervenção em caso de "erro claro e óbvio". Mas há outras questões que importa referir. "Não há tempo-limite para o processo de revisão, uma vez que a precisão é mais importante do que a rapidez", pode ler-se na documentação do IFAB, que também diz que um fora de jogo é uma "decisão factual".
"A verificação apenas pelo VAR é apropriada, mas o visionamento no relvado pode ser utilizado numa decisão factual que ajude os jogadores ou "venda" a decisão, como num momento crucial de um jogo decisivo", determina o International Board.
VAR força a agenda da reunião anual do IFAB
Organismo responsável pelas alterações às Leis do Jogo e pelo protocolo do VAR, o IFAB (International Football Association Board) reúne-se anualmente e o próximo encontro é já a 29 de fevereiro, na Irlanda do Norte. Lukas Brud admitiu que o recurso ao VAR no fora de jogo será objeto de uma "atualização de rotina", mas garantiu que tal não se deve à contestação na Premier League.
Para os árbitros que até foram dos primeiros a testar o VAR as regras são claras
Portugueses seguem o protocolo
Por mais que doa ver golos anulados por meia dúzia de centímetros ou, como diria o presidente da UEFA, por ser a diferença de um "nariz grande" a transgredir as linhas, as instruções dos árbitros portugueses são as que têm sido aplicadas jornada após jornada: fora de jogo é fora de jogo.
Portugal foi um dos países em que o sistema de videoárbitro (VAR na sigla em inglês) começou por ser testado, em 2017/18. Austrália, Brasil, Alemanha, Holanda e Estados Unidos foram os outros palcos dos primeiros passos no recurso à tecnologia para reduzir a margem de erro. Nesta época, as linhas de fora de jogo foram acrescentadas às ferramentas à disposição de quem fica na Cidade do Futebol (Oeiras) a tentar ajudar os árbitros no terreno de jogo.
Neste contexto de investimento tecnológico, não será uma surpresa descobrir que a lógica que preside ao trabalho do VAR é o rigor na tomada de decisão - o mesmo a que o secretário-geral do IFAB aludiu, numa segunda reação às queixas da Premier League e que se reclamou, durante décadas de discussão, em Portugal. Para os árbitros, finalmente: fora de jogo é fora de jogo. Se isso não chega para acabar com a discussão, é outra conversa.