Inglaterra, Itália e Espanha estudam formato "Mundial" para acabar as ligas, cenário difícil de aceitar por cá
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Confinamento de plantéis, árbitros e jornalistas numa região tem ganho força na Europa. O JOGO consultou cinco figuras do futebol sobre a chance de reproduzir a ideia em Portugal e o "não" ganhou por maioria.
Perante o empenho da UEFA em concluir as diversas ligas, as federações nacionais têm esboçado planos para a conclusão das provas. O cardápio incluiu soluções mais simples, em contraste com outras classificadas como "loucas" ou "exóticas" mas que, face à complexidade do atual contexto, têm ganho força.
Dentro deste último lote está o formato "Mundial" que está a ser ponderado pela Premier League e que foi noticiado pelo jornal "The Independent". Este prevê que os jogadores de 20 equipas, staff, médicos, forças policiais, árbitros e jornalistas sejam "fechados" durante 60 dias para se poderem disputar os jogos que faltam em estádios de Londres e da região das Midlands, sem a presença de público. Isto, claro, se todos os agentes testarem negativo à covid-19, num rigoroso período de quarentena que seria cumprido antes de a bola rolar.
Os jogos que faltam seriam disputados no prazo máximo de 60 dias em estádios despidos de público
A ideia ganhou fãs em Itália e Espanha, com a região de Roma e o arquipélago das Canárias, respetivamente, a serem apontados para receberem os jogos por não terem sido muito afetados pela pandemia e por terem infraestruturas desportivas e hoteleiras adequadas, mas, em Portugal, a ideia é encarada com resistência.
Desafiados por O JOGO a comentarem a possibilidade de se impor algo parecido por cá, quatro das figuras do futebol português contactadas alinharam num rotundo "não" e apenas Luís Filipe, que representou a classe dos jogadores, garantiu que algo parecido com aquilo que está a ser ponderado em Inglaterra, Itália e Espanha podia vingar apenas e só pela "fome de bola" dos atletas.
O clima de guerrilha constante entre os clubes foi um dos fatores apontados para justificar a "utopia" deste projeto. "Só podia ir em frente se existisse bom senso e equilíbrio entre todos os agentes desportivos. Como nunca haveria unanimidade no atual estado das coisas, acho que era uma empreitada difícil de ir para a frente", assegurou Gaspar Ramos, antigo dirigente do Benfica cuja opinião encontrou eco na de Jorge Coroado.
"Os interesses e as lutas de capela e sacristia existentes no futebol português muito dificilmente seriam capazes de admitir uma realidade destas. Seria difícil de superar uma situação dessas. Já os árbitros aceitariam, com certeza, concentrarem-se durante um mês ou dois. Seriam os últimos a colocar obstáculos", afirmou o antigo árbitro e integrante do Tribunal O JOGO.
"Como nunca haveria unanimidade no atual estado de coisas, acho que é uma ideia difícil de ir para a frente"
A difícil realidade económica, acentuada pela pandemia da covid-19, também seria um obstáculo muito difícil de ultrapassar para uma liga que não se pode equiparar às maiores da Europa a nível de mediatismo e receitas.
"É uma ideia válida para "fintar" o vírus e terminar o campeonato, mas não temos a mesma máquina da Premier League para responder a uma despesa económica muito elevada. Para mim, é uma ideia absolutamente romântica para a realidade portuguesa, porque não temos mercado nem a projeção das ligas que estão a ponderar este método", afirmou Alexandre Santos, treinador do Alverca.
Já Manuel José sublinhou que, face aos problemas de caixa, a grande maioria dos clubes e os demais agentes só poderiam avançar para tal solução com uma "forte ajuda financeira".
Num tom mais otimista, Luís Filipe aprovou a ideia e assegurou que o longo período de confinamento não incomodaria os jogadores. "Numa fase final de um Mundial ficam ainda mais tempo em estágio. Estão habituados e essa nunca seria uma justificação para não ir em frente."
Dimensão do país limita opções
A dimensão do país e a ausência de infraestruturas para albergar tamanha comitiva numa só região também foram apontadas, embora alguns tenham deixado sugestões a utilizar em último caso. "Podia-se juntar o Estádio do Algarve a Vila Real de Santo António, Olhão e Portimão.
Pelo menos há hotéis com fartura", afirmou Manuel José. Já Jorge Coroado e Gaspar Ramos sugeriram a utilização dos estádios de Coimbra, Aveiro e Leiria, embora salientando que o forte impacto da pandemia nessas cidades poderia ser um sério obstáculo.
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Manuel José (antigo treinador)
"A escassez de recursos complica"
"Acho que seria complicado colocar em marcha esse projeto em Portugal, face à escassez de recursos que temos. Existe um problema económico acentuado pela pandemia e, provavelmente, a maioria das equipas e os demais agentes desportivos não teria capacidade para pagar as estadias. Teria de existir uma ajuda financeira."
Alexandre Santos (treinador do Alverca)
"É uma ideia romântica..."
"Nesses países explora-se muito o mercado do Médio Oriente e da Ásia, e é normal que se pense em acabar a liga pela vertente económica que isso implica. Para mim, é uma ideia absolutamente romântica para a realidade portuguesa, porque não temos mercado nem a projeção de outras ligas."
Jorge Coroado (antigo árbitro)
"Interesses e lutas difíceis de superar"
"Seria sempre possível realizar a competição, mas os interesses e as lutas de capela e sacristia existentes no futebol português muito dificilmente seriam capazes de admitir uma realidade destas; seria uma situação difícil de superar. Já os árbitros aceitam, com certeza, concentrar-se durante um ou dois meses."
Gaspar Ramos (antigo dirigente)
"Isso só mesmo em último caso"
"Se tudo correr bem até lá, o ideal seria disputar os jogos em julho e agosto com a presença de público. Depois davam-se 15 dias de férias até recomeçar a nova época. Se isto não for possível, acho que a ideia do "Mundial" é interessante, embora só deva ser posta em prática mesmo em último caso."
Luís Filipe (antigo jogador)
"Teria de existir um compromisso"
"Acho que é viável essa ideia ir em frente em Portugal. Os atletas querem é voltar a jogar e terminar os campeonatos, por isso acho que iriam aceitar de bom grado uma solução deste género. Teria de existir um compromisso de todas as partes de respeitar a quarentena e de só se jogar se toda a gente estiver livre do vírus."
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