Os futebolistas japoneses começam a ganhar cada vez mais o palco em Portugal. Têm uma característica em comum, e não são os olhos rasgados: uma qualidade futebolística apreciável. E a Europa é para eles um sonho de todos os dias. Quando o concretizam é a loucura.
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Hidetoshi Nakata é um nome que diz imenso ao futebol japonês; foi ele quem abriu as portas da Europa aos futebolistas nipónicos, quando em 1998 assinou pelo Perugia, por 3,5 milhões de dólares. No jogo da estreia oficial, com a Juventus, cinco mil japoneses foram a Itália para o ver - foi um campeão nos relvados e um dos primeiros a mostrar a força que o futebol pode dar ao marketing, e vice-versa.
Nakata - que jogou também na Roma e no Parma, entre outros clubes - cruzou-se com o FC Porto num dos primeiros jogos com a camisola do Perugia: foi a 15 de agosto na 13.ª edição do Torneio Isla de Tenerife, esse mesmo em que Domingos Paciência, então a dar os primeiros passos no clube espanhol, rematou quase do meio campo e proporcionou um frango cheio de penas a Kralj, guarda redes portista, então recém-contratado...
No triangular, o FC Porto derrotou o Perugia por 2-0; os jornalistas portugueses estavam de olho num novo FC Porto treinado por Fernando Santos, e uma horda de jornalistas japoneses só tinham olhos e máquinas fotográficas (muitas!) para Nakata.
Esporadicamente, outros futebolistas foram fazendo história ao longo dos anos, ao mesmo tempo que a J-League, que nasceu em 1993, ia ganhando uma força tremenda no Japão, um país hoje com 125,8 milhões de habitantes, e por este número se pode depreender que é muito fácil ser rei no futebol nas terras do imperador Nahurito. Nos últimos anos, os japoneses entraram com mais força na Europa, seguindo o exemplo de Nakata.
"Para um futebolista japonês, vir jogar para a Europa é uma loucura, às vezes é quase uma obsessão. E não é porque venham ganhar mais dinheiro. Lembro-me que o Gonda (n.d.r. - antigo guarda-redes do Portimonense e da seleção nipónica) saiu para a Hungria a ganhar 5000 euros, quando no Japão ganhava três vezes mais. Mas o que conseguiu com contratos de sponsorização foi um balúrdio", assim conta Hugo Vieira, que ao serviço do Yokohama Marinos (equipa que ganhou a J-League em 2019), entre 2017 e 2018, marcou 40 golos e foi um verdadeiro sucesso no país do Sol Nascente.
Ou seja, não é pelo dinheiro que vêm ganhar que se mudam para Portugal ou para outros países europeus, mas pelo dinheiro que lhes rendem os contratos particulares que fazem no Japão e que podem chegar a muitos milhares de ienes... japoneses.
As redes sociais também deram um forte empurrão na diáspora do futebol japonês; um golo de Nakajima ao serviço do Portimonense vale milhares e milhares de tweets... Ganham os jogadores e ganham os clubes que os recebem.
Neste momento, em Portugal há oito japoneses nas duas ligas profissionais e há uma característica comum a todos: são bons tecnicamente. "São muito, muito bons. Os que estão em Portugal têm demonstrado isso, com o Nakajima à cabeça, mas eu particularmente gosto muito do Kanya Fujimoto, de quem sou amigo, e também porque joga no meu Gil Vicente (risos). Os futebolistas japoneses têm muita qualidade e acredito que nos tempos mais próximos vão chegar em maior número aos clubes europeus. A J- League tem uma qualidade que não engana. Eles só têm um problema, os goleadores, ou a falta deles...", diz Hugo Vieira, anotando que a esse facto não será alheio um outro: a maior parte dos pontas de lança do campeonato japonês são estrangeiros. "Há exceções, claro, mas a maior parte dos futebolistas japoneses são de estatura mediana e os clubes recorrem ao mercado estrangeiro para darem altura às suas linhas avançadas".
Do forte conhecimento que teve e das relações diárias com os futebolistas japoneses, também do que foi vivendo e vendo nos dois anos em que lá esteve, Hugo Vieira diz que "outro grande problema é a ansiedade". "Querem fazer as coisas rapidamente e bem, porque têm ânsia de vencer; isso por vezes leva-os a cometer erros, como disso é exemplo a participação no último Mundial, em 2018. Chegaram aos oitavos de final, começaram a ganhar à Bélgica, o que não é fácil, e nos últimos 20 minutos, os belgas viraram um 0-2 para um 3-2, têm que controlar essa ansiedade, porque eles até são fortes psicologicamente."
Hugo Vieira olha para os futebolistas japoneses que estão em Portugal e vê neles o que os nipónicos viam nele quando lá esteve: "Senti muitas dificuldades com a língua e a cultura foi um choque tremendo. Acho que é isso que eles também sentem em Portugal. Mas são inteligentes e ao fim de alguns meses acabam por se adaptar".
Esta é uma história que não ficaria completa se não se falasse em Tsubasa, ou Oliver e Benji, heróis de uma série de desenhos animados com grande sucesso em todo o mundo, Portugal inclusive, e que foi patrocinada para promover o futebol no Japão pela federação nipónica, em 1961. Ser um capitão Tsubasa é o sonho de muitos meninos japoneses.
Três questões a Theodoro Fonseca, acionista principal do Portimonense
"A língua e a cultura sao as dificuldades"
1 -A que se deve a maior aposta dos clubes portugueses nos futebolistas japoneses?
-Creio que se deve ao sucesso que o Portimonense teve com jogadores japoneses. Primeiro foi o Kanazaki, depois o Nakajima, o Anzai, o Gonda. Agora apareceram o Morita, o Fujimoto e outros, em diferentes clubes, que resolveram também apostar, face a esses resultados positivos que o Portimonense teve. O japonês tem qualidade e isso também conta. Temos conhecimentos do futebol japonês, tenho uma experiência de 34 anos e sei que é preciso mostrar-lhes organização e fazer com que se sintam em casa. Depois, o Portimonense tem um tradutor e uma ou duas pessoas que falam um bocadinho, o que facilita. Além disto, o futebol português é agora mais conhecido no Japão, quando antes o principal destino dos jogadores nipónicos era a França e a Alemanha.
2 - Qual é a principal dificuldade que os futebolistas encontram quando embarcam numa aventura assim?
-A principal dificuldade é cultural. O japonês é disciplinado, não alinha muito em brincadeiras nem fala muito. É tímido e focado. É um povo que aguenta tudo, até pelo passado. Para lá desta dificuldade cultural, há o idioma, claro, e é necessário um intérprete. O japonês também não gosta de desorganização, não aguenta isso muito tempo. Mas o pior é a língua e o choque cultural. Ao fim de seis meses já se sentem melhor e já conseguem sair à rua e andar sozinhos.
3 - A que se deve a evolução do futebol japonês, é ao trabalho da formação?
Mais do que a formação, acho que é a disciplina e o foco que têm ajudado à evolução do futebol japonês. O jogador é forte psicologicamente e gosta de aprender. Nos anos 90, quando o Zico lá esteve, surgiram também muitas escolinhas, é verdade. O pior é o aspeto tático, com uma evolução mais lenta. Nos últimos 30 anos o japonês foi despertando e aperfeiçoando o treino. Lembro-me, quando lá cheguei, em 1988, tinha quase mil crianças numa escolinha. Os miúdos iam para casa repetir o que faziam no campo. O japonês é muito perfeccionista e aprende com facilidade.