O JOGO ouviu onze figuras da política e do futebol que reiteram a ânsia de ver os fãs no estádio. Ainda assim, a maioria não atribui ao Governo má-fé pela decisão. Apoio de Costa a Vieira é tolerado
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O futebol continua sem ter fãs nas bancadas e, numa altura em que o desconfinamento avança por todas as franjas da sociedade, continuam perguntas por responder quanto ao regresso do público aos estádios.
Tem sido crescente o pedido dos clubes para voltar a vender bilhetes. Contestam que outros eventos já tenham voltado a uma atividade pelo menos parcial
Uma delas tem que ver com algum mal-estar que possa haver entre o futebol e a política, que assim iniba os decisores de avançarem com experiências de teste, como, aliás, acontece por vários campeonatos no estrangeiro.
Assim, O JOGO conversou com 11 personalidades ligadas à política e outras ao futebol, daí saindo duas ideias claras. A primeira é que se considera que os fãs já deviam, com as condições necessárias de segurança, ter lugar nos recintos. "O futebol tem sido estigmatizado além do razoável", diz Ricardo Rio, presidente da Câmara Municipal de Braga.
"Se é permitido noutras manifestações, não faz sentido não haver o sal, que é o público", comenta Álvaro Braga Júnior, presidente da SAD do Boavista. Tanto o deputado do CDS-PP João Almeida como o do Bloco de Esquerda Luís Monteiro olham para todo o desporto. "Penso antes nos jovens que precisam de voltar a ter desporto", afirma o centrista. "Há escalões e outros desportos que merecem igual consideração", opina Monteiro.
Passaram seis meses desde o último jogo em Portugal com adeptos. Foi a 9 de março, no Leixões-Farense da II Liga
A decisão do Governo e da Direção-Geral de Saúde merece críticas, mas a maioria não atenta à boa-fé, vendo independência entre as decisões e o possível mal-estar com o futebol. No entanto, quatro dos inquiridos salienta um pedaço de "birra" do Executivo. O político Bagão Félix lembra a proibição dos ajuntamentos mas recorda as 16 mil pessoas na Festa do Avante; o colunista José João Torrinha fala em "falta de compreensão", Paulo Baldaia recorda alguma "hipocrisia" por se querer "agradar ao politicamente correto" e pede "autonomia total para os clubes", e Ricardo Rio vê "comodismo na hora de definir regras" na modalidade.
Vasco Pinto Leite, ex-presidente do Conselho Fiscal do Benfica, é dos que consideram que existe "suspeição no dirigismo desportivo"
O apoio de António Costa a Luís Filipe Vieira nas eleições do Benfica de outubro é "difícil de perceber", mas nem todos acionam o alarme.
Veja aqui as perguntas do nosso inquérito e todas as respostas:
1 - A polémica do apoio de António Costa a Luís Filipe Vieira gerou várias declarações de políticos nada abonatórias para o futebol. Esse ponto de vista dos políticos explica de alguma forma, por exemplo, a ausência de público nos estádios? Há uma birra do Estado para com o futebol?
2 - O futebol profissional deve assumir a sua quota-parte de responsabilidades nessa alegada necessidade de um distanciamento higiénico dos responsáveis políticos?
3 - Como entende o apoio do primeiro-ministro à recandidatura de Luís Filipe Vieira?
Miguel Pedro, adepto do Braga
1 - Acho que não há uma ligação entre as duas coisas. A ausência de público nos estádios terá as suas razões científicas e, como não sou especialista em infecciologia, não quero estar a opinar sobre isso. Noventa por cento das opiniões que se ouvem sobre este assunto são "bitaites". Não considero que haja qualquer birra do Estado em relação ao futebol.
2 - Reconheço que o primeiro-ministro fez um mau papel sobre o distanciamento que se pretende entre a esfera política e o futebol. Não se consegue distinguir um adepto de um ministro. A discussão gera ruído e, nesta altura, o futebol não precisa de ruído.
3 - Sinceramente, acho que o ruído sobre este assunto é um sinal de que não temos coisas melhores para discutir. Num país mais normal, isto devia ser um não assunto. Mas também acho que António Costa cometeu um erro crasso, não tinha de fazer isto e, assim, deu um tiro nos pés, porque ninguém distingue o António Costa político do António Costa adepto, mesmo apesar de ele ter tentado manter o assunto fora da esfera da política. Foi um erro básico de estratégia. Seja como for, a discussão é ridícula, isto numa altura em que o país vive uma situação de pandemia e tem fraturas emergentes no seu sistema democrático com as questões da extrema-direita. Estar a discutir o apoio de António Costa a Luís Filipe Vieira é ridículo.
João Almeida, deputado do CDS-PP
1 - Mais do que dizer se há ou não um problema com o futebol, acho fundamental que em todas as atividades se avaliem as condições do público. E quando se fala dos adeptos no estádio, penso antes nos escalões de formação. É fundamental que se avaliem as condições para os jovens, que precisam de voltar a ter desporto. No entanto, começam a ver-se experiências de abrir ao público noutros campeonatos. Devemos olhar para esses exemplos e avaliar se há condições. Todos desejamos que volte a haver público nos estádios, mas tal deve ser avaliado.
2 - Temos de olhar para uma perspetiva geral e não pormenorizar no futebol, porém é, por exemplo, claro que o futebol tem todo o direito de exigir que se estude a possibilidade dos adeptos no estádio. E para isso é preciso um plano tão abrangente como foi feito na questão da Festa do Avante.
3 - O primeiro-ministro nunca se deve envolver em questões eleitorais, seja de que forma for. Tem responsabilidades e deve abster-se de apoiar qualquer instituição desportiva.
Bagão Félix, membro do CDS-PP e adepto do Benfica
1 - O futebol tem uma grande importância, mas não pode ser uma atividade à parte: é desejável que haja público nos estádios, mas devemos compreender a exceção. O Governo proibiu novamente ajuntamentos de mais de dez pessoas, mas, antes, o Avante decorreu com 16 mil pessoas. Quero acreditar que seja uma questão de coerência e não de causa-efeito.
2 - Pode haver incompreensões, mas quero acreditar que há independência de interesses e que se conseguem acertar os procedimentos mais corretos.
3 - Prefiro não comentar essa decisão do primeiro-ministro, porque é um assunto relacionado com as eleições do Benfica, das quais pretendo manter-me à parte.
Vasco Pinto Leite, ex-presidente do Conselho Fiscal do Benfica
1 - A partir do momento em que existiu essa decisão de se reabrirem as escolas no novo ano letivo, a economia abriu como um todo. Não faz qualquer sentido que os recintos desportivos não abram, sem deixar, é claro, de se garantir as medidas de precaução necessárias. O maior desconfinamento está decidido, logo, a partir daqui, não há justificação para quaisquer restrições de organizarem eventos, nomeadamente o futebol. Há incongruências entre as duas decisões, sinceramente.
2 - Sim, penso que existe um clima de suspeição em relação aos dirigentes desportivos, nomeadamente ao atual presidente do Benfica. Até por isso se recomendaria recato. No entanto, António Costa acha que é o dono disto tudo. Pode dar-se a estas leviandades.
3 - Acho mal. É uma declaração medieval. Pensei que um primeiro-ministro já tivesse o bom senso suficiente para não se envolver. É uma forma de estar pouco moderna. Não acredito que tenha impacto nas eleições e, se tiver, é possível que tenha um impacto negativo para Vieira. As pessoas acham que um envolvimento deste género pode ter água no bico e podem ficar de pé atrás.
Ricardo Rio, presidente da Câmara Municipal de Braga
1 - Não se pode relacionar as duas coisas. É verdade que o futebol tem sido estigmatizado além do razoável. O princípio genérico de distanciamento entre o futebol e a política tem de ter limites. Em matéria de realização de eventos com público, sejam eles políticos, culturais ou desportivos, é importante definir regras e fazê-las cumprir. Em relação ao futebol, abdicou-se até ao momento de definir essas regras. Há comodismo. Essas opções envolvem riscos, mas devem ser assumidas.
2 - Muitas das dinâmicas que envolvem o futebol profissional e as coletividades são fatores de interação obrigatória com estruturas governativas. Não apregoo uma relação de costas voltadas. Tem de haver equilíbrio, respeito e princípio de não ingerência.
3 - É da consciência de cada um. Quem exerce cargos políticos e entende que pode tomar uma posição numa disputa eleitoral de um clube, deve saber que acarreta críticas. Tenho-me mantido à parte de questões eleitorais no Braga e não é por não simpatizar com este ou outro candidato. Simplesmente, entendo que deve haver distanciamento entre o poder político e o dirigismo desportivo. Não entraria numa comissão de apoio de um candidato à presidência de um clube, pode ser percecionado como influência, mas também não acho que seja um atentado à democracia. É mais normal um dirigente desportivo tomar uma opção política.
Luís Monteiro, deputado do Bloco de Esquerda
1 - Mantemos a posição: cabe à Direção-Geral de Saúde decidir. O debate da possibilidade de público nos recintos desportivos não se concentra no futebol, mas sim no desporto. É para isso que olhamos. Há escalões de formação e muitos outros desportos que também merecem essa consideração.
2 - O que é da justiça será sempre da justiça, mas o Governo tem responsabilidade no Novo Banco. Benfica é dos mais devedores do Novo Banco, é estranho que um primeiro-ministro que injeta milhões de euros e que pediu uma auditoria, já de si ferida por ser da Deloitte, apoie o atual presidente do Benfica. Há dados concretos sobre o Novo Banco, portanto é estranho este apoio de Costa.
3 - Criticámos a decisão em si, independentemente do clube e das investigações quanto a Luís Filipe Vieira. Existe promiscuidade entre o futebol e política. Começámos por ser o partido que não ia em futebóis, mantemos a nossa posição: esta situação é inimiga da democracia e da transparência. É uma relação muito próxima entre futebol e política, a que o Bloco de Esquerda se demarca.
Álvaro Braga Júnior, presidente da SAD do Boavista
1 - Deve haver um bom senso em relação ao público nos estádios, porque se é permitido noutras manifestações, embora que eu reconheça as especificidades do futebol, não faz sentido não haver público nos estádios. Temos um sal, que é o golo, não temos outro sal, que é o público. Não faço juízos de intenções, mas espero que não haja birras. Compreendo as dificuldades dos abraços quando há golo, mas o Estado com certeza que não esquece o que o futebol lhe dá.
2 - Essa necessidade de um distanciamento dos responsáveis políticos depende sempre da cada um. O que digo sempre é que à política o que é da política, à justiça o que é da justiça e ao desporto o que é do desporto. Agora, naturalmente que os políticos gostam de futebol e são adeptos do futebol.
3 - Não discuto a decisão do dr. António Costa, que não foi tomada como primeiro-ministro, embora seja difícil separar o homem do cargo que desempenha.
Paulo Baldaia, colunista de O JOGO
1 - A relação da política com o futebol é de grande hipocrisia. Por um lado, critica a pouca transparência do futebol profissional e, por outro, não faz nada para aumentar essa transparência, ao mesmo tempo que está sempre a tentar transformar o apoio dos adeptos em votos para o respetivo partido. A ausência de público nos estádios, mesmo que em número muito reduzido, é o culminar de toda a hipocrisia, querendo agradar ao politicamente correto, que é uma parte significativa dos que nem sequer gostam de futebol e que só veem coisas más no futebol.
2 - Pela importância social e económica que têm, os clubes de futebol profissional ganhariam ao funcionar com total autonomia. A ligação à política deveria ser feita, em nome de todos os clubes, pela Federação e pela Liga. Não estariam a trocar influência por um prato de lentilhas e teriam um lóbi para este desporto, que é espetáculo e negócio, ser mais competitivo.
3 - O apoio do primeiro-ministro a Filipe Vieira reveste-se de uma particular gravidade, porque aparece como testemunho abonatório de alguém cujas empresas ficaram a dever centenas de milhões de euros ao Novo Banco, dinheiro que os portugueses estão a pagar. E também porque sobre o presidente do Benfica recaem fortes suspeitas de práticas ilícitas e criminosas. Este apoio pode passar uma mensagem errada para a sociedade e para quem tem de julgar.
José João Torrinha, colunista de O JOGO
1 - Acho que não. A questão do relacionamento entre o futebol e a política já não é velha. Não me parece que isso influencie de algum modo as decisões da Direção-Geral de Saúde. Essa questão pode colocar-se em termos de comparações. A decisão de não se permitir ainda o regresso dos adeptos aos estádios de futebol é mal compreendida quando ao mesmo tempo se autorizam adeptos em touradas ou na Fórmula 1.
2 - Se estamos a falar de casos de promiscuidade, nunca há um responsável. A culpa disso situa-se nos dois lados.
3 - Apesar de ser primeiro-ministro, António Costa não deixa de ser benfiquista e tem o direito de apoiar uma recandidatura à presidência do seu clube. A grande questão que se levanta é se o primeiro-ministro tinha a noção do preço alto que se arrisca a pagar ao tomar essa posição pública. Há ali duas facetas que não se confundem, mas a opinião pública poderá ter dificuldades em fazer essa distinção. Eu sou vitoriano e, há uns anos, também me deparei com essa questão quando já exercia um cargo político. Nessa altura, esse vitorianismo falou mais alto e dei o meu apoio a uma candidatura à presidência. Já na última eleição do Vitória, abstive-me de fazer isso.
Paulo Meneses, presidente do Paços de Ferreira
1 - Essencialmente, críticas entre políticos são algo tão usual que o fazem em função do momento e posição em que se encontram, seja poder, seja oposição. Essas discussões não acrescentam valor, embora admita mais coerência em alguns dos políticos quanto a esta matéria do que em relação aos demais. As críticas dos políticos relativamente ao futebol surgem também em contexto de guerra política de interesses, mas chega quase a ter piada que um político se sinta com moral de criticar quem possa estar no futebol ou o fenómeno espetáculo que tanto sustenta o Estado. Não vejo relação direta entre essa crítica e a ausência de público, pois as massas à volta do futebol dão mais votos que as touradas. A falta de público mantém-se pela incoerência de quem decide e pela inércia de quem pode pressionar a decidir. Mais importante que o público parece-me que passaram a ser as eleições nos clubes. Então, a culpa já não é dos políticos!
2 - O futebol profissional e todos os clubes em si devem coabitar com o poder político, independentemente da cor partidária, porque são muitas vezes as bandeiras das próprias autarquias ou dos próprios países. Não devem é fazer a mistura de princípios que são inalienáveis, como a independência.
3 - Entendo que o poder político deve manter-se equidistante, não apenas das instituições, mas de quem as represente. Mas, se por um lado, poderá ser censurável o ultrapassar destes limites e fronteiras, também não seria desejável que pudesse fazer ingerência na vida de outras instituições. Portanto, cada um terá de assumir as suas responsabilidades e as consequências das suas decisões.
Pinto da Costa, presidente do FC Porto
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