"Saí amargurado do Farense. Foi a saída que mais me custou ao longo da minha carreira"
ENTREVISTA - É com orgulho um bem amado do FC Porto, mas, acima de tudo, como faz questão de vincar, é um profissional de futebol. Jorge Costa conta a O JOGO como vai a vida e o porquê de ter deixado Faro
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Jorge Costa não teve sucesso no Farense no seu regresso a Portugal, depois de muitos anos fora, com passagens por vários países, onde se foi enriquecendo como treinador, ganhando uma vasta experiência. Regressar a Portugal para trabalhar foi sempre um desejo. O Farense não correu bem.
Vamos em busca de explicações, numa longa conversa com o Bicho, que passou também pelo FC Porto, por Sérgio Conceição, por Rui Costa, dois bons amigos, e por uma carreira que quer continuar em Portugal.
Treinador diz que tinha tudo para dar certo na equipa algarvia, mas houve "falta de paciência" e decisões erradas que prejudicaram muito o clube
O que é que correu mal no Farense?
-Sobretudo falta de paciência. Quando trabalhas cinco meses e depois renovas um contrato, confias que está tudo bem, mas há depois um contrassenso. Podia dar uma série de razões para os maus resultados mas ia cheirar a desculpas e eu não gosto disso. A minha consciência está tranquila e cada vez mais tenho a certeza que era um projeto que tinha pernas para andar e que ia ter sucesso.
Acha mesmo que ia ter sucesso?
-Não tenho a mínima dúvida. Os jogadores foram escolhidos por mim. A época começou bem, com bons jogos, quer de preparação, quer da Taça da Liga, com uma ideia clara do que queríamos fazer e onde queríamos chegar. Por um motivo ou outro as coisas complicaram-se. Houve alguns casos de covid que nos condicionaram e claramente o jogo com o Estrela da Amadora, em que acabámos com nove e que nos condicionou para o jogo seguinte. Foi o ponto de viragem.
Não é muito normal um treinador descer de divisão e continuar na época seguinte. Isso tem a ver com a tal confiança de que falava?
-Pelo menos foi essa a leitura que fiz. Foi um sinal de que gostaram daquilo que foi feito anteriormente. E é necessário contextualizar: cheguei ao Farense numa fase muito complicada, mas é consensual que foi estranho o que nos aconteceu na época passada... Não bateu certo com a forma como nos batemos de igual para igual com qualquer equipa, como jogávamos bem e organizados. O que aconteceu ao Farense no final da época passada e no início desta não pode passar em claro.
E o que é que aconteceu?
-Primeiro, culpa nossa e alguma falta de maturidade. Depois, algumas más decisões que nos tiraram pontos.
Foi prejudicado o Farense?
Foi claramente prejudicado. Essa foi a opinião geral. Não sou eu apenas que digo para me desculpar. É uma realidade.
O Farense foi muitas vezes elogiado porque era uma equipa que jogava bem. Não está arrependido do tipo de jogo que tinha, um bocado romântico para a realidade?
-Se não for assim prefiro não trabalhar. Temos a obrigação de cumprir primeiro os objetivos do clube. Até posso ser um lírico, mas acho que acima de tudo também temos de respeitar a massa associativa e os adeptos de futebol e proporcionar bons espetáculos. Nasci quase com uma bola nas mãos e respeito muito os adeptos. Quem joga melhor está muito mais próximo de chegar ao sucesso.
Não era este o regresso que esperava ao futebol português...
-Esperava uma oportunidade para voltar, depois de muito tempo a trabalhar fora daqui. Quando o Farense me contactou nem pensei duas vezes. É um bom clube, de uma região que gosto, que tinha bons jogadores, e achava que era possível ser um regresso com sucesso. Não me arrependo nada da decisão que tomei.
Saiu de Faro muito amargurado?
-Saí amargurado, sem dúvida. Foi a saída que mais me custou ao longo da minha carreira.
"Quero continuar em Portugal"
Jorge Costa não tem empresário e isso pode ser um obstáculo, mas o treinador diz que corre esse risco com consciência, porque não é aos 50 anos que vai mudar a ideia que tem.
O que é que aprendeu em Faro que ainda não sabia?
-A vida é isso mesmo, uma constante aprendizagem. Espero sinceramente ter aprendido alguma coisa, a ser mais intransigente, por exemplo.
E o insucesso em Faro não terá a ver com as realidades diferentes da I e da II Liga?
-Essa é uma discussão que tenho com muita gente, há quem pense que há treinadores de primeira e de segunda. Eu não concordo. Há treinadores de futebol e jogadores de futebol. E depois há competências. E quanto mais competente fores mais podes ambicionar. Não vejo um futebol diferente da I para a II Liga. Quando cheguei a Olhão, há uns anos, com muito menos experiência como treinador do que a que tenho hoje, muita gente me dizia que a II Liga é diferente. Sempre fui de opinião que quanto melhor jogares mais perto estás da vitória. E o Olhanense foi um exemplo de sucesso. Era uma equipa de miúdos e tivemos o sucesso que se sabe. O futebol é universal.
Ser treinador em Portugal é difícil...
-Infelizmente, somos avaliados só por aquilo que fazemos nos jogos, mas há vários fatores ligados que definem um bocadinho a carreira.
A verdade é que está sem trabalho. Não lhe dava jeito ter um empresário?
-Mas eu tenho, só não acho necessidade de o promover e nas redes sociais e não quero que me andem a oferecer, tipo leilão. Não me parece que aos 50 anos vá mudar a minha postura. Não tenho nada contra os empresários nem contra quem os tem. Eles fazem o seu trabalho, e bem, são importantes no futebol, sou amigo de alguns e aprecio o trabalho que fazem.
Mas corre o risco de continuar sem trabalho mais algum tempo...
Sim, é um risco que corro, mas não me posso queixar. Tenho tido sempre trabalho desde que comecei como treinador. Mesmo nesta paragem, já vai em cinco meses, não voltei a trabalhar porque os projetos que me apresentaram não me fariam felizes.
Vê-se na iminência de voltar ao estrangeiro?
Provavelmente, será esse o caminho. Mas eu próprio decidi parar um bocadinho, refletir como será o meu futuro. Tenho as ideias arrumadas, mas não depende só de mim. Claro que quero continuar em Portugal, porque é o meu país e é aqui que me sinto bem.