A poucos dias de terminar contrato com o Braga, Ricardo Ferreira revelou, em exclusivo a O JOGO, tudo o que lhe aconteceu no último ano e meio, período em que teve de ser operado por duas vezes.
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Ricardo Ferreira foi um dos heróis do Braga na conquista da Taça de Portugal em 2016, chegou a internacional português, mas uma lesão grave no início de 2018 travou-lhe a ascensão. Regressou à competição em 2019, mas o joelho direito voltou a ceder logo no primeiro jogo que fez na equipa B. O defesa conta a O JOGO tudo o que lhe aconteceu durante o último ano e meio.
Depois da última lesão, pouco se soube sobre a sua situação. Como está?
Como é do conhecimento público, sofri no início de 2018 uma lesão do ligamento cruzado anterior do joelho direito. Por indicação do Braga, fui ver o doutor José Carlos Noronha. Na altura, ele defendeu que eu tinha instabilidade rotuliana e que, por isso, só tinha uma solução: fazer um enxerto de cadáver, em vez da cirurgia habitual. Fui operado, recuperei e no início deste ano, no primeiro jogo, voltei a sofrer a mesma lesão. Por indicação do Braga, fui ao mesmo médico, que numa fase inicial sugeriu que se deixasse passar algum tempo, para ver se eu conseguia recuperar sem cirurgia. Entretanto, em fevereiro, ele mudou de opinião e disse-me que teria de ser operado seguindo o mesmo método. A cirurgia ficou marcada para o início de março.
O que aconteceu depois?
Dois ou três dias antes da operação, o Braga informou-me de que não pagaria a cirurgia, ou seja, teria de ser eu a assumir os custos. Se já tinha algumas dúvidas em relação a esta cirurgia, porque da primeira vez não tinha corrido muito bem, fiquei ainda pior. Foi então que decidi ouvir outras opiniões.
"Dois ou três dias antes da operação, o Braga informou-me de que não pagaria a cirurgia"
Foi-lhe dada alguma explicação para a recusa do Braga em pagar a cirurgia?
Não, nenhuma. Foi-me dito pelo departamento médico que o clube não suportaria os custos da operação. A seguradora pagava uma parte e o resto teria de ficar por minha conta. Nesse momento decidi ouvir outras opiniões médicas e fui a três especialistas: Pier Paolo Mariani, que operou o Salvio, Juan Carlos Monllau e Ramón Cugat. Todos me disseram o mesmo: que não tinha instabilidade rotuliana e que deveria ter optado, logo na primeira vez, pela cirurgia tradicional. Não entenderam a opção, até porque os resultados de um enxerto de cadáver são desastrosos em atletas de alta competição. Foi então que optei por ser operado, com o meu dinheiro, pelo doutor Carlos Monllau. A cirurgia aconteceu a 12 de abril e foi feita uma reconstrução tradicional do ligamento. A cirurgia correu bem e o prognóstico é ótimo.
Culpa alguém pelo ano perdido?
Não, não. Aconteceu comigo como podia ter acontecido com qualquer um dos meus colegas. O doutor Noronha é um excelente profissional, mas pode não estar sempre certo. A questão é que eu, logo em 2018, devia ter ido ouvir outras opiniões, mas na altura confiei no Braga e no Noronha. Como é óbvio, ninguém teve a intenção de prejudicar a minha carreira, até porque eu era um ativo importante do clube.
"Fiquei surpreendido. A verdade é que não tive o apoio que devia ter tido"
Ficou surpreendido com o facto de o Braga se ter recusado a pagar a operação?
Claro que sim. Sinceramente não entendi. A verdade é que não tive o apoio que deveria ter tido. Não da parte dos meus colegas e do departamento médico do clube, que foram sempre excecionais comigo, mas do resto das pessoas do clube.
António Salvador falou consigo sobre este assunto?
Não, nada. Absolutamente nada. Foi-me tudo comunicado pelo departamento médico. Basicamente, ele deu a ordem para não me pagarem a operação. E estamos a falar de um valor irrisório para um clube como o Braga. Aliás, houve mais jogadores que sofreram a mesma lesão esta época e o clube suportou a totalidade dos custos das operações.
"Se tivesse voltado a confiar no clube, provavelmente estaria agora a anunciar o fim da minha carreira"
Associa esse tratamento a algo que tenha acontecido?
Se calhar, foi por estar em final de contrato... não sei. Antes de me lesionar, estivemos em negociações para renovar, mas depois da lesão nunca mais voltaram a conversar comigo.
Esperava outro tipo de tratamento?
Claro que sim. Isso seria o normal. Basta comparar com o que acontece noutros clubes; a diferença de tratamento é grande. Hoje, o futebol é cada vez mais um negócio. Ou um jogador rende e se valoriza, ou então é posto de parte. Se não tivesse ouvido outras opiniões, se tivesse voltado a confiar no clube, teria avançado para a mesma cirurgia e, provavelmente, estaria agora a anunciar o fim da minha carreira.
"Depois de ter falado com três especialistas, percebi que esta última lesão era inevitável"
Na altura não achou estranho ter-se lesionado logo no jogo de regresso?
O doutor Calos Monllau disse-me que a recaída foi previsível, não só por ter utilizado um enxerto de cadáver, mas também porque o meu menisco não tinha sido completamente suturado. Ou seja, tinha uma grande instabilidade no joelho, que acabou por provocar a segunda lesão. Depois de ter falado com ele, percebi que, perante o que me foi feito, era uma questão de tempo até voltar a lesionar-me. Ele disse mesmo que era inevitável...
O que lhe passou pela cabeça quando se lesionou da segunda vez?
Pensei no pior, até em desistir. Depois, pouco a pouco, fui recuperando. E quando ouvi a opinião dos três médicos, fiquei confiante, porque eles disseram-me que esta é, dentro do contexto, uma situação fácil de resolver e que o meu joelho voltará a ser saudável. E não foi a opinião apenas de um médico, foi a opinião de três dos melhores especialistas da Europa. Estou muito otimista.
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"Estarei apto para começar a treinar em setembro"
Ricardo Ferreira já foi sondado por clubes espanhóis, turcos e gregos, mas admite que ainda não tem o futuro definido. Na lista de objetivos está o regresso ao nível que demonstrou em Braga
Está a poucos dias de terminar contrato com o Braga. O que lhe reserva o futuro?
-Segundo o doutor Carlos Monllau, a cirurgia correu muito bem e, se tudo acontecer dentro da normalidade, estarei apto para começar a treinar já em setembro. Tenho tido alguns contactos, sobretudo de clubes estrangeiros, mas ainda nada de muito concreto.
"O cenário ideal seria ter clube antes do início da época. Há sondagens, vamos ver o que acontece"
Depois de duas operações ao joelho direito, tem sentido alguma desconfiança por parte dos clubes na hora de negociar?
-Sinceramente não sinto que os clubes estejam desconfiados, sinto, isso sim, que há uma grande impaciência no futebol. Os clubes querem contratar jogadores para jogar já amanhã... é mais isso do que outra coisa. No entanto, as pessoas conhecem o meu passado, a minha qualidade, aquilo que já fiz no Braga, e estou confiante que tudo se vai resolver da melhor forma.
Acredita que vai regressar ao nível que o levou a ser internacional português?
-Sim, estou mesmo confiante que sim. Segundo o médico, a recuperação está dentro dos prazos definidos e a correr muito bem. Neste momento, a minha prioridade é recuperar totalmente do joelho. O cenário ideal seria ter clube antes do início da época, mas vamos ver o que acontece.
"Sou novo, sei que tenho qualidade para voltar à Seleção. Estou muito otimista"
O que pensa quando vê a Seleção Nacional a jogar?
-Confesso que imagino que podia estar ali... mas também imagino que posso lá regressar no futuro se conseguir recuperar o meu nível. Sou novo, sei que tenho qualidade para lá estar e acredito que basta recuperar o ritmo e a confiança para voltar a ter uma oportunidade. Estou mesmo muito otimista relativamente ao futuro.
"Foi uma época boa para o Braga, mas não foi brilhante. O instinto humano é assim: quanto mais se tem, mais se quer"
Braga: crescimento e exigência
Ricardo Ferreira considera que o Braga fez uma "boa época", ainda que "não tenha sido brilhante". "Faltou-nos um título, apenas isso", considerou o defesa. "O clube tem crescido imenso ao longo dos últimos anos e os objetivos também vão aumentando. Acho normal ambicionar-se mais do que o quarto lugar no campeonato ou fazer mais do que apenas uma boa campanha nas duas Taças. Faz parte do instinto humano: quanto mais se tem, mais se quer. É normal. Criaram-se grandes expectativas para esta temporada, mas isso é a consequência da exigência de um clube que quer chegar brevemente ao topo", afirmou.
Paulo Fonseca foi o melhor
Ricardo Ferreira chegou a Braga em 2015 e, ao longo dos últimos quatro anos, teve a oportunidade de trabalhar com Paulo Fonseca, José Peseiro, Jorge Simão e Abel Ferreira. "Para ser honesto, o treinador de que mais gostei foi o Paulo Fonseca", revelou o defesa. "Ele acreditou no meu valor muito antes de eu chegar ao Braga, mas a minha admiração por ele não está no facto de ter apostado em mim. Com o Paulo Fonseca, para além de termos ganho uma Taça de Portugal, praticávamos um futebol espetacular. Os jogadores adoravam aquele estilo de jogo. Aprendi muito naquele período, não só defensivamente como também no aspeto ofensivo. Só foi pena ter sido por tão pouco tempo. Ele está a demonstrar, através de resultados, que é mesmo um treinador de top mundial", acrescentou.
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