A cidade perdeu o sonho de se tornar capital de distrito para Vila Real, gerando um sentimento de injustiça nos flavienses que em retaliação agarraram-se ao clube para o colocar no centro do futebol nacional.
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O que tem de especial o Chaves para mobilizar, a cada quinze dias, emigrantes na Suíça para verem a equipa jogar, ajudando a encher as bancadas do estádio, raramente vazias? "Porque é o nosso orgulho, a nossa bandeira", respondeu Vítor Teixeira, adepto flaviense desde sempre e também um dos diretores da equipa B. Mas esta história de amor tem raízes numa rivalidade antiga, cuja data quase já poucos se lembram. "Os mais antigos olhavam para o clube como marca de afirmação da cidade para com os de Vila Real ou de Bragança", descreve Tiago Caldas, outro adepto dos transmontanos, abrindo uma ferida que o tempo não curou: a elevação de Vila Real a capital de distrito, em detrimento de Chaves, à época, mais populosa e pivô da economia da região. "Esta decisão política-administrativa influenciou todo o processo de construção da cidade, ficando um sentimento de injustiça", recorda Tiago Caldas.
O povo voltou-se, então, para o clube. O baluarte de uma identidade coletiva edificada a partir de dificuldades, que a modernidade só atenuou com a melhoria das acessibilidades. "Ainda nos sentimos esquecidos", atira Vítor Teixeira, lembrando o momento em que encerrou o hospital e a maternidade. O Chaves foi-se mantendo como refúgio de um património sociocultural.
As memórias agora são outras e transmitidas de pais para filhos. Vítor Teixeira nasceu há 56 anos, resultado da paixão de um portuense pela cidade onde conheceu a esposa. Além do fervor clubista, há também a rendição espontânea de quem vem de fora aos encantos de uma terra cravada entre montes, mais próxima de Espanha do que dos grandes centros do Litoral. O adágio popular diz que quem bebe das águas das caldas fica em Chaves e muitos por lá ficaram depois de cumprir serviço militar ou por lá passaram em trabalho. O progenitor de Vítor Teixeira ajudou a construir o quartel, depois deixou-se envolver pela febre do clube. "Ia com o meu pai ver os jogos do Chaves e quando ele não ia, agarrava-me à mão de um estranho qualquer para fazer de conta que era o meu pai para poder ver o jogo", conta. Vítor cresceu animado pelo futebol e nem a distância o fez perder o vício, nos tempos em que trabalhava em Lisboa. "Eu corria o país todo aos domingos - não havia as autoestradas de agora - para assistir aos jogos. A viagem demorava, mas valia a pena", acrescentou. "É difícil de explicar este amor por palavras. Sente-se" e nota-se no brilho dos olhos e nas expressões de Vítor Teixeira. A subjetividade das emoções não existe quando o clube é o tema de conversa. Alexandra Monteiro preserva a dedicação do falecido pai ao Chaves, ao continuar a pagar-lhe as quotas de associado.
Cidade Desportiva acompanha o chamariz do êxito da equipa B
Em breve, o Estádio Municipal terá a companhia da Cidade Desportiva, onde estão a ser construídos dois campos de jogos, um relvado e um sintético, este já concluído. Um espaço fundamental para a formação e para a equipa B, o mais recente orgulho dos flavienses líder da Divisão de Honra da AF Vila Real, com mais cinco pontos dos rivais vila-realenses. Assim, voltaram à cena os dérbis regionais renhidos e acalorados, sem, contudo, chegar aos pontos críticos do passado. O Chaves B é uma oportunidade para os miúdos locais e das vizinhanças terem outra alternativa competitiva e "para arrastarem os pais para o clube", alega Vítor Teixeira, diretor da equipa B, ansioso por festejar a subida aos campeonatos nacionais.
Ponta de lança no marketing territorial
É verdade que o Chaves consegue ter médias de frequência no estádio muito significativas, o que é muito importante, mas onde me quero centrar é no valor e na relevância que a marca tem e essa marca vale por um todo, por uma região", as palavras são de Nuno Vaz, presidente da autarquia flaviense, agarrando no significado desportivo do clube para criar um "ponta de lança no marketing territorial".
A ideia do autarca é aproveitar a exposição mediática do Chaves para "ir mais longe e entender qual o retorno económico-financeiro mais palpável" para um concelho onde o tecido industrial é irrisório, e que perde cada vez mais jovens. "Os concelhos do interior não beneficiaram da expansão industrial e há uma série de questões logísticas, de centralidade, de financiamento, de mão de obra e de assistências técnicas que fazem com que as indústrias se instalem onde já há indústrias", sendo esta tendência que o executivo de Nuno Vaz se propõe contrariar. A estratégia já está em marcha e acena aos investidores da Galiza, de onde, aliás, vêm muitos galegos para assistirem aos jogos da equipa no Estádio Municipal - tanto que na época de subida via-se nas bancadas uma bandeira dessa província espanhola. A Câmara de Chaves oferece para tal a zona industrial junto à autoestrada, ligação rápida ao centro da Europa, Porto e aeroporto e pensa ainda "revitalizar a tradição agrícola e comercial".
A componente desportiva não foi ignorada no planeamento do futuro económico da região, caso do Rali do Alto Tâmega, que vai voltar às estradas. "Por um lado pode despertar a memória de muitos daqueles que conheceram e assistiram à prova, mas também despertar os jovens para eventos que podem ser atrativos para eles", o que significará maior afluência, mais oportunidades, mais comércio.
O Chaves será sempre a referência de excelência. "Se porventura houvesse outro clube com um desempenho similar, não sei se efetivamente esta afirmação, valorização e relevância neste território todo seriam as mesmas. Mas ainda bem que temos um grande representante de toda uma região de Trás-os-Montes. O Chaves tem feito sempre o papel muito importante de embaixador dentro e fora de portas", destaca Nuno Vaz.