"Quando dizem que sou o pai do Braga, eu digo que não. Mas, sou pelo menos o tio"
Um cancro na próstata afastou o treinador Manuel Cajuda do banco do Académico de Viseu. Curado, depois de viver momentos difíceis, como confessa, mantém a vontade de treinar, provavelmente no estrangeiro
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Tem uma forte ligação ao Braga, que treinou duas vezes e por seis épocas e meia. Como vê o crescimento que o clube teve desde então?
O futebol não são só rabiscos e táticas, há muitas coisas mais. Quando me dizem que sou o pai do Braga, eu digo que não sou, mas sou pelo menos o tio, porque ajudei-o a crescer. Quando cheguei a Braga, o clube tinha direito a meia dúzia de linhas nos jornais - nenhum clube pode ser grande com tão pouca visibilidade. Na altura afirmei: "Vou fazer um Braga grande, como um Corunha ou um Valência em Espanha, não que jogue para o título, mas que se intrometa na discussão." E hoje tenho razão. Para isso, disse uma série de patetices que garantiam espaço nos jornais. Uma vez afirmei antes de jogar contra o Sporting: "Vou ganhar a Alvalade." Era algo propositado e fazia parte de uma estratégia. Nos jornais chamaram-me arrogante... Quis o destino que ganhasse o jogo e uns dias depois já diziam que era um treinador fantástico, etc. Eu não precisava de dizer certas patetices e pôr-me a jeito de levar pancada, mas o Braga precisava que eu fizesse esse papel para crescer, precisava de um treinador que lhe desse visibilidade e essa era uma das formas. Levar porrada para mim não é um problema.
"Só pude jogar com o quinto ano feito"
Ainda miúdo, viu o pai obrigá-lo a estudar, recebendo uma lição que só percebeu anos mais tarde.
Onde começou o amor pelo futebol?
Quando era miúdo, todos os miúdos da minha rua foram jogar futebol e o meu pai não me deixou. Pensei que ele era mau pai, mas ele, tendo apenas a segunda classe, ensinou-me algo que eu ainda não tinha aprendido. Disse-me: "Só vais jogar quando acabares o quinto ano", que era a escolaridade obrigatória. Eu não percebia isso, nem o esforço que os meus pais faziam para eu estudar. Só depois percebi que ele estava a ajudar-me a conquistar objetivos. Mal terminei o quinto ano, fui ter com o meu pai para ir jogar futebol. Depois, mais tarde, quando quis continuar a estudar, desejava ir para o ISEF, não havia dinheiro...
Começou no Olhanense, no clube da sua cidade?
Sim, joguei nos juvenis, juniores e depois fui para São Brás de Alportel jogar no Sambrasense, emprestado. Encontrei gente maravilhosa, ainda me lembro das sandes e cacau no final dos treinos, era o nosso ordenado. Não ganhámos mais nada.
A tropa interrompeu-lhe a carreira, chegou a pensar não voltar?
Quando fui para o serviço militar, estive três anos sem jogar e, quando voltei, tinha de começar a ganhar dinheiro. Estive para me empregar num banco, mas dá-se a nacionalização da banca, em março de 1975, e a minha entrada ficou suspensa seis meses. Pensei então no que podia fazer para começar a ganhar dinheiro e regressei ao futebol e ao Olhanense. Tive a felicidade de ter o Orlando Ramin como primeiro treinador: tinha sido guarda-redes na Académica e era alguém muito adiantado no tempo, sobretudo no aspeto humano.
"A minha mãe foi a Faro ver-me e não voltou ao futebol"
Não esteve muito tempo no Olhanense...
Não, saí passado um ano para o Farense, o que provocou um drama familiar. Isto porque, as pessoas podem não ter noção, mas a rivalidade entre o Olhanense e Farense era terrível. A minha mãe foi duas vezes a Faro ver-me jogar e nunca mais voltou ao futebol. Até os vizinhos da rua onde vivia me chamaram tudo e mais alguma coisa: "Filho da...", etc. Hoje não posso deixar de sorrir, mas foram coisas difíceis para a minha mãe ouvir.
No Farense, tornou-se capitão. Ajudou a aprender com os treinadores?
Olhe, tive no Carlos Silva um professor fantástico. Uma vez, no balneário, à frente de todos, ele disse-me: "Menino, com esses pezinhos nunca vais tocar violino, portanto vais ser o homem do bombo." Eu fiquei vermelho de raiva no momento, até porque sentia que tinha jeito para jogar futebol. Mas depois aquilo passou-me e retirei o lado mais positivo do que me disse. Se é para tocar bombo, então vou ser o melhor tocador de bombo para ajudar a orquestra. E comecei a ser o melhor a dar pancada, a recuperar bolas. O Carlos Silva dizia-me que bastava ter humildade. "Menino, vai buscar a bola, vai roubá-la aos outros e dá-a ao Mário Ventura", pedia. O Mário Ventura era um talento fantástico.
"Subida do Vitória deu grande gozo"
Subiu quatro vezes de divisão: qual foi a mais intensa que viveu?
A do V. Guimarães foi a que mais gozo me deu. Em 2006/07, o Vitória não subiu por táticas, mas por uma questão filosófica. Passei coisas que me marcaram muito. Quando cheguei, a meio da época, perdemos os dois primeiros jogos e depois não ganhámos em casa contra o Varzim. Após esse jogo, antes de entrar para a sala de Imprensa, parei à porta um pouco. O ambiente estava um verdadeiro inferno, havia pessoas que diziam que eu era um infiltrado do Braga, que estava ali só para destruir o clube... Dei então duas palmadas na cara e disse para mim: "Compete-te a ti resolver a situação." E foi com toda a gente a mandar-me embora que disse na sala de Imprensa: "Vão-se vocês embora se quiserem, porque eu fico e acredito na subida", mesmo que não acreditasse naquele momento. Já não perdemos mais até final depois disso. Por isso acabei o último jogo na bancada, com a minha mulher e filhos a assistir àquilo tudo. Foi um espetáculo ver aqueles adeptos, que são qualquer coisa de arrepiar.
No ano seguinte leva o Vitória ao terceiro lugar...
Sim, discuti o segundo lugar com o Sporting até à última jornada e ficámos a dois pontos de distância.
E no época seguinte vai jogar a pré-eliminatória da Champions, que falhou por causa de um golo muito mal anulado. Sente que foi roubado contra o Basileia?
Pelo árbitro não, pelo assistente sim. Não o posso provar, mas fiquei claramente com essa sensação, de que estava ali para nos prejudicar. Tanto que o árbitro ficou no relvado no final e o assistente saiu a correr para o balneário. Anulou-nos um golo legal, que teria dado a entrada na fase de grupos da Champions, e prejudicou muito o Vitória.