Quão importante é uma escolha adequada dos pitões das botas? O tema parece simples, mas é mais complexo do que aparenta e veio à baila depois de Sérgio Conceição se ter queixado das escolhas dos jogadores em Tondela e da escorregadela de Samu antes do golo do Benfica, em Vizela. O JOGO explica-lhe que material se escolhe e porquê.
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Qual a importância dos pitões das botas dos jogadores e de uma boa escolha dos mesmos?
O tema, pouco discutido no espaço público do futebol, mas importantíssimo no seio do mesmo, ganhou relevância quando Sérgio Conceição se queixou da opção dos jogadores do FC Porto no jogo em Tondela. "Não gostei tanto de alguns irem de pitão de borracha para o encontro e tive oportunidade de o dizer. Ao intervalo disse isso, por isso é que saí zangado. A aderência ao relvado estava difícil", anotou.
No dia seguinte, o Benfica ganhou em Vizela no último suspiro, após uma escorregadela do médio Samu, e Álvaro Pacheco, treinador dos minhotos, falou de uma possível má escolha dos pitões. Entre a borracha e o alumínio, quem utiliza o quê e com base em que critérios?
A evolução do futebol também tem sido acompanhada por um desenvolvimento dos materiais. O maior exemplo disso é o pitão misto que existe atualmente e permite ao jogador mesclar a bota com borracha e alumínio. A explicação entre os prós e contras de um e outro componente é simples: a borracha dá uma maior leveza de movimentos, enquanto o alumínio é indicado para dias de chuva ou humidade em relvados que estejam escorregadios ou encharcados permitindo, assim, uma maior aderência, o que reduz o risco de quedas sem bola. No entanto, os guarda-redes utilizam sempre pitão de alumínio, esteja chuva ou sol, de modo a prevenir deslizes que possam resultar em golos. O mesmo se aplica, regra geral, ao setor defensivo. Daí para a frente, a responsabilidade é do jogador, sendo que os mais ofensivos optam preferencialmente pela borracha. É o caso de Fábio Martins, extremo do Al Wahda (Emirados Árabes Unidos) que não consegue, "de todo", jogar com alumínio. "Os pés começam a doer-me e para jogarmos o nosso futebol temos que nos sentir confortáveis. Tem a ver com a posição, os defesas tendem a ter aquela segurança com alumínio, mas podem escorregar na mesma. Tem, também, a ver com a maneira como se pisa o relvado. Há jogadores mais soltos e quem for mais pesado pode escorregar mais", explica.
Ricardo Sousa, treinador do Mafra, da Liga SABSEG, exige que guarda-redes e defesas joguem com alumínio. "Todos os defesas e médios defensivos têm obrigatoriamente de jogar com alumínio, porque podem meter a equipa em risco numa situação que conseguimos controlar. Do meio para a frente não me importo que usem pitões de borracha. Enquanto jogador não gostava nem de pitões mistos nem de alumínio, mas também era um número 10 que não comprometia muito as ações defensivas", recorda. O mesmo acontecia com César Peixoto, ainda que o canhoto tenha passado lateral-esquerdo, numa determinada fase da carreira. "Normalmente fazia o aquecimento e tentava perceber se a relva estava pesada ou escorregadia. Se assim fosse, podia colocar pitão misto, mas com borracha sentia-me mais leve de movimentos, enquanto o alumínio prende mais", elucida. No banco, a postura do treinador era a de responsabilização do jogador. "Enquanto treinador posso aconselhar, mas estamos a falar de jogadores profissionais e eles sabem qual é a exigência. Nas camadas jovens é que exista essa cultura de fazer perceber o que era melhor. Podia ter um treinador que me chamasse à atenção, mas eu assumia se preferisse utilizar borracha", revela.
O tema, garante Peixoto, não é linear. "Isto varia muito consoante o treinador, consoante as botas, o tipo de pitão, pois há uns redondos, uns atravessas, há os mistos... existe uma variabilidade grande", completa. João Alves brilhou entre a década de 70 e a de 80, todavia o assunto já era complexo na época do "luvas pretas". "Nos campos secos jogava de borracha, nos restantes de alumínio baixo e nos pantanais era pitão alto. Porém, o pitão de alumínio alto originava mais lesões e problemas meniscais. Muitas vezes, colocava-se mal o pé, ficava-se preso no chão ao fazer rotações que provocavam lesões, algumas delas graves. É sempre um pau de dois bicos e tem muita coisa que se lhe diga. Tem que ser o jogador a decidir", defende.
Sir Alex Ferguson foi aos arames com Diego Forlán
Diego Forlán não se esquece do dia em que Sir Alex Ferguson lhe deu uma dura por ter ido contra o conselho do treinador quanto aos pitões a utilizar. "Em 2004, Sir Alex disse-me que tinha que utilizar pitões mais altos. Tentei durante alguns jogos, mas não gostei. Disse-o ao roupeiro, nada mais me disseram e voltei aos meus pitões normais", conta. Num jogo com o Chelsea (derrota por 1-0), Forlán entrou, falhou uma oportunidade para o empate por se ter desequilibrado e assustou-se quando Fergie percebeu que o avançado não estava a utilizar os pitões que mandara. "Fui para o balneário, tentei tirar as botas na esperança que ele não as visse, mas foi tarde de mais. Sir Alex gritou e estava muito zangado comigo. Pegou nas botas e atirou-as. Também gritou com o roupeiro, culpando-o por não me ter obrigado a utilizar as botas que deveria", revelou.
Opiniões
"Pedroto obrigava a pitão alto em campos pesados"
"José Maria Pedroto era muito rigoroso na questão dos pitões. Quando os campos estavam pesados, obrigava que os jogadores jogassem com pitão alto de alumínio. Como treinador, os defesas jogavam sempre de alumínio, do meio-campo para a frente podiam decidir conforme se sentissem melhor. Enquanto jogador, nos campos secos utilizava borracha, nos restantes jogava de alumínio baixo e nos pantanais de alumínio alto".
João Alves, treinador
"No Mafra, os defesas têm que utilizar alumínio"
"Enquanto jogador, não gostava do pitão de alumínio e jogava sempre de borracha. Com o alumínio parece que perdia a sensibilidade dos pés e não me sentia bem. O Jaime Pacheco não facilitava relativamente aos pitões de alumínio em tempo de chuva, mas também tinha a sensibilidade de perceber que em algumas posições os pitões não eram os mais importantes. No Mafra, os jogadores mais defensivos têm que utilizar alumínio".
Ricardo Sousa, treinador do Mafra
"Nunca vi uma multa por uma utlização incorreta"
"Sempre fui minimamente responsável. Vi um ou outro jogador serem chamados à atenção e mudavam os pitões ao intervalo, mas não havia propriamente uma multa para uma utilização incorreta dos pitões. O alumínio prende mais os movimentos em piso seco. No piso molhado, dá-te mais equilíbrio. Parece uma questão simples, mas não é. Há uma variabilidade grande"
César Peixoto, treinador
"Os pés começam a doer-me quando utilizo alumínio"
"Não uso alumínio. Não consigo, de todo. Tive um caso no Braga, com o mister Carvalhal, quando fomos jogar ao Estrela Vermelha. O relvado estava péssimo no treino de adaptação, todos a escorregar, e ele frisou para termos atenção aos pitões. Disse que não queria ver ninguém a escorregar. De qualquer forma, os pés começam a doer-me quando utilizo alumínio e para jogar o meu jogo tenho que me sentir o mais confortável possível".
Fábio Martins, jogador do Al Wahda
"No passado, não havia pitão misto e isso veio ajudar"
"Não me lembro de ver um guarda-redes jogar de pitões de borracha, porque qualquer escorregadela pode ser fatal. No entanto, há jogadores que utilizam borracha e não escorregam. Tive treinadores que diziam aos defesas que tinham que assumir a responsabilidade caso utilizassem borracha e deslizassem, daí muitos preferirem jogar pelo seguro e utilizarem alumínio. No passado não havia pitão misto e isso veio ajudar muito".
Quim, ex- jogador