Pinto da Costa e a contratação de Mourinho: "Quando eles saíssem eu acendia e apagava a luz três vezes"
Pinto da Costa, presidente do FC Porto, lembrou as passagens de Octávio Machado, José Mourinho e de Del Neri pelos dragões na segunda parte do programa especial intitulado "Os Homens do Presidente", do Porto Canal
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A meia temporada de Octávio Machado: ""Não é fácil falar do Octávio Machado, porque sei que ele tem uma má relação comigo, embora eu não tenha má relação com ele. Não tenho é relação. Em primeiro lugar: o Octávio foi o melhor adjunto que conheci no FC Porto nestes quase 45 anos que levo de ligação ao futebol. Em termos de dedicação, colaboração com o treinador, lealdade... Personificou o adjunto ideal. Depois, apostei nele, acreditava, como ele acreditou. Entrou bem, ganhou uma Supertaça na Maia, contra o Boavista. Mas depois as coisas não começaram a correr bem. Numa semana tínhamos três jogos difíceis, um contra o Braga, que nada tinha a ver com o Braga de hoje. Depois perdemos no Bessa e depois jogámos com o Sporting, nas Antas, e empatámos. Isso criou ali uma tensão, mas o Octávio não foi despedido. Chegaram a um entendimento que o melhor era terminar. Mas repito: por mal-entendidos não tenho relação com ele, mas respeito-o e volto a dizer: foi o melhor adjunto que passou pelo FC Porto."
A aposta em José Mourinho: "Teoricamente foi um risco, embora eu tinha a certeza absoluta que não ia ser, porque quando o Mourinho cá estava como adjunto [de Bobby Robson] tive uma relação muito próxima com ele, percebi a importância que tinha nos êxitos de Bobby Robson, a maneira de ser dele, o seu atrevimento, a sua ambição, nunca tinha dúvida de que ira ser um dia treinador do FC Porto. E quando foi para Barcelona e saiu o Bobby Robson e veio o Van Gaal, ele estava na dúvida, tivemos uma conversa, se havia ou não continuar como adjunto, eu dei-lhe a minha opinião, não foi conselho, de que ele depois de ter aprendido a escola inglesa com o Bobby Robson só lhe fazia bem ficar um ano ou dois, porque era escola totalmente diferente, mas de grande valor e muito mérito."
O conselho ao Leiria: "Recordo-me que vários presidentes meus amigos, quando me perguntavam da mudança de treinador, qual a minha opinião, dizia sempre o Mourinho. Eles não queriam, diziam que era adjunto. Um dia o Bartolomeu, presidente do Leiria, perguntou-me por treinador, disse-lhe para ir buscar o Mourinho. "Mas o Mourinho...", dizia ele. "Estou a dar-lhe a minha opinião, se não a quiser... contrate quem quiser". Disse-me que ia apostar. Passados uns 15 dias dizia-me: "Presidente, ele é maluco. Quer jogar ao ataque, acha que o U. Leiria é o FC Porto". Disse-lhe para ter calma e não se meter no trabalho dele. O U. Leiria fez primeira volta sensacional, estava louco com o Mourinho, dizia que me devia esse favor. Eu disse que não devia favor nenhum, que apenas lhe tinha dado a minha opinião. "O mérito é do Mourinho. Não tenha dúvida que vai longe." Ele [Bartolomeu] disse-me: "Qualquer dia vocês vem aqui busca-lo". E eu disse: "Não sei, mas que ele há de ser treinador do FC Porto não tenho dúvidas". E estávamos no dia do meu aniversário, ele ia assinar no dia 29 de dezembro contrato com o Benfica, e felizmente não assinou antes, porque quem o estava a levar para o Benfica era o José Veiga e o José Veiga foi passar o Natal ao Luxemburgo, queria estar presente, portanto não o fez no dia 23, marcou para dia 29. E telefona-me o Baidek, que era muito amigo dele, andavam sempre juntos, e pergunta-me se eu queria o Mourinho. Foi na fase em que as coisas estavam a correr mal ao Octávio. Disse que nesse ano não queria o Mourinho, mas que no ano seguinte era outro assunto, porque nunca gostei de mexer a meio da época."
A contração de Mourinho: "O Mourinho disse ao Baidek que não vinha falar comigo, porque se viesse ficava cá. Então eu fazia anos a 28 de dezembro, estávamos a falar a 27. Tinha convidados em casa, combinamos para ficarem no largo à frente da minha casa e quando eles saíssem eu acendia e apagava a luz três vezes. E eles entrava," Dizia que estava cansado, mas os convidados não iam embora. À meia-noite, pedi desculpa, mas disse que estava mesmo cansado. Convidados foram embora e eles entraram. O Baidek e o Mourinho. Começamos a falar, disse que ia manter o Octávio, mas que no final da época iríamos ter uma conversa com o Octávio e que o Mourinho viria para o FC Porto. Ele tinha um diferendo com o Benfica, que queria impor-lhe um adjunto que ele não queria. Disse-lhe que, então, tinha uma razão para não se comprometer com o Benfica. Ficou combinado que no ano seguinte ele viria para o FC Porto. Foi avisado que estavam bastantes pessoas à porta dele, mandados pelo José Veiga, para o levar para Lisboa, ele seguiu para Espanha com o Baidek. Ele tinha dito ao Bartolomeu que ia para o Benfica e telefonou-lhe a dizer que estava em Paris e disse-lhe: "Presidente, estive a pensar, não sou capaz de o deixar, eu vou ficar até ao fim da época". E o Bartolomeu ficou contente, deu-lhe uma prenda. Tratamos logo do plantel para o ano seguinte, eu já tinha três jogadores contratados, que era o Maniche, o Pedro Emanuel e o Paulo Ferreira. E disse-lhe. Ele disse que iam ser muito uteis. Entretanto, precipitou-se a saída do Octávio, por comum acordo, falei novamente ao Mourinho. Fizemos um jantar na Mealhada, acabou de madrugada, para convencer o Bartolomeu, arranjar as coisas, dizer que lhe comprávamos o Derlei e o Nuno Valente. Depois mais tarde seria o Maciel. E ele deixou-o sair. Ele vem e mostrou logo... Estávamos em dificuldades até para ir à Taça UEFA e, no último jogo, ganhando em Paços de Ferreira, conseguimos ir."
Os dois anos de José Mourinho: "Jogávamos muito bem, mas tínhamos jogadores que faziam a diferença. Tínhamos um Vítor Baía, que foi considerado melhor guarda-redes da Europa, e dava uma tranquilidade... Sofria do coração, mas quando vinham aqueles cruzamentos já nem me afligia porque sabia que era tudo dele. Depois tínhamos o Deco, genial, tomava conta de qualquer jogo, tínhamos o Derlei que era um fera à solta, todos os outros eram bons jogadores, tínhamos segurança de que alguém havia de resolver, porque se não resolvesse, o Deco resolvia, fosse de um livre, fosse jogada individual. Todos tínhamos confiança."
A ousadia do Mourinha: ""Eu acho que o Mourinho foi e é um dos grandes treinadores de sempre, mas é o que é muito por fruto dos anos que passou com o Robson. Lembro-me que o Mourinho quando veio revolucionou o nosso futebol. Era a transição, transição, transição... E as equipas eram apanhadas por essa nova transição que teve origem no Bobby Robson, que dizia transição, transição, transição... E o Mourinho implantou esse espírito numa nova geração de jogadores e conseguiu dar uma confiança à equipa que a levava a vencer."
A aposta que mais se arrepende foi Del Neri: "Isso nem foi aposta. Ele não chegou a fazer nenhum jogo. Nem um mês cá esteve."
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