Pandemia devasta saúde financeira do futebol profissional: doença custa 276 milhões
Liga divulgou estudo com base no primeiro trimestre desta temporada e a realidade dói. Com fontes de receita feitas em pó e os direitos televisivos a tremer, o prejuízo poderá até subir aos 362 M€.
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É incontornável: os efeitos devastadores da pandemia provocada pelo novo coronavírus um pouco por todo o mundo, assim como em todos os sectores de atividade, causaram consequências tão esperadas quanto nefastas na saúde económica do futebol português e das sociedades desportivas que nele competem profissionalmente.
Os primeiros efeitos práticos do impacto ficaram traduzidos num estudo com a chancela da Liga Portugal, ao qual O JOGO teve acesso, e que traça um quadro negro a partir do primeiro trimestre da época atualmente em disputa, por comparação à de 2018/19 - assim é por se tratarem de números encerrados, à prova de qualquer estimativa. Numa projeção anual, as perdas podem cifrar-se entre os 276 e os 362 milhões de euros, mas já vamos aos números pormenorizados.
As consequências para várias SAD podem revelar-se devastadoras, irreversíveis até ou, no mínimo, implicar um longo caminho de volta à estabilidade. Com as quebras dramáticas registadas em fontes de receita tão nevrálgicas quanto bilhética (100%), quotas associativas (80%) e merchandising (70%), surgem várias preocupações e interrogações. Existe apreensão severa caso o cenário pandémico não abrande e, por consequência, se mantenham ou incrementem medidas restritivas, obrigando a um aperto de cinto. Exemplo disso é a possibilidade de a UEFA proceder a ajustamentos no quadro de participação em competições europeias. Por outro lado, os titulares dos direitos televisivos podem querer ser ressarcidos dos valores que aplicaram por não se sentirem compensados por eventuais interrupções competitivas, o que poderia gerar uma diminuição de 30% nos direitos em questão, o que configura, segundo a estimativa do estudo em apreço, um prejuízo possível de 53 milhões de euros.
No primeiro trimestre desta temporada, as receitas foram de 69,1 M€, mas os gastos totais fixaram-se nos 59,7 M€
Observando o total de 69,1 M€ e à representatividade das maior das receitas, das quais 96% são geradas na Liga NOS, os direitos televisivos representam 31%; as competições 27%; as transferências de jogadores 26%; a atividade comercial baixou para os 5%; o merchandising corresponde a 1% e os proventos de bilheteira, como consequência direta do distanciamento social e da falta de público, ficou reduzida a pó: 0%. Face a um impacto na atividade comercial de menos 15% nas receitas, foi notado o esforço das SAD em compensar parceiros em virtude da perda de contrapartidas neste cenário nada menos do que calamitoso.
Inescapável em última análise é sempre a quebra acentuada: as receitas anteriormente estabelecidas em 858,3M€ arriscam-se agora a balançar entre 581,4M€ (na circunstância de corte nas verbas relacionadas com direitos televisivos e comerciais) e os 496M€, implicando, por conseguinte, perdas do mais elevado relevo: entre 276M€ a 362M€.
Medidas de suporte vão sugerir alterações
Para enfrentar o cenário negativo, do estudo da Liga destacam-se medidas de suporte solicitadas. Entre elas, sugere-se a inclusão do Código de Atividade Económica (CAE) das SAD e do futebol em todos os seus escalões nas medidas de apoio à atividade operacional - mantendo postos de trabalho e suportando tesourarias -, assim como a sua inserção em incentivos governamentais, além de mudanças nos regimes de IRS, IRC e IVA associados à atividade no futebol.
Gastos: a outra face do flagelo
Adoentados, os clubes ou, tecnicamente falando, as sociedades desportivas em que se constituem estão acometidos de outra maleita com consequência do flagelo do novo coronavírus: o quadro de gastos suscitado, que disparou perante os novos desafios causados pelo alastrar da pandemia que colocou clubes, respetivos cofres e pessoal sob uma carga de stresse e pressão ainda maiores desde março passado até à fase atual, em que se vive a designada segunda vaga de infeções por covid-19.
Perante a nova realidade e as medidas sanitárias impostas de combate à covid-19, surgiu um panorama de encargos com contornos inéditos. Os clubes passaram a ter de canalizar verba para testes COVID, desinfeções das suas instalações, aquisição do mais variado e necessário material de proteção, assumiram os custos decorrentes do teletrabalho, entre outras despesas que agudizaram mais um cenário já de si caótico para qualquer cofre.
Resultou daqui que as receitas quebraram drasticamente sem que os gastos seguissem igual linha na mesma proporção. Ato contínuo, revelou o estudo, dos 778,4 M€ gastos em 2018-19, as SAD apenas devem conseguir ajustar em 8% esses valores, fixando-se os gastos na casa dos 718,6 milhões.
Por outro lado, foi ainda sublinhado o empenho das instituições desportivas em conservar postos de trabalho, registando-se somente 10% de encargos com pessoal.
Conclui-se, por fim, no estudo revelado pelo organismo presidido por Pedro Proença, que, com base numa análise de resultados operacionais e perante os pressupostos utilizados, todo o sector do futebol poderá de forma cumulativa vir a verificar prejuízos entre 136,4 M€ a 221,2 M€. Os números assustam e há o temor de que possam mesmo aniquilar a paisagem atual do nosso futebol profissional tal como o conhecemos ou, no limite, tornar imenso e moroso o caminho de regresso.