Opinião de José Manuel Meirim
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1 - Em primeiro lugar, uma referência ao atleta que vê o seu nome usado na designação de um caso jurídico. É usual - veja-se o "Caso Bosman" -, mas, achamos nós, não deixa de ser massacrante para a pessoa. Em segundo lugar, uma menção ao artigo que publicámos neste jornal no dia 17 de outubro do ano passado, intitulado "O imbróglio jurídico no «Caso Palhinha»". Nele chegámos ao sétimo episódio e anunciámos o eventual surgimento de mais episódios. Retomemos com espírito de informação.
2 -Em outubro passado afirmámos que o "Caso Palhinha" podia ser lido como um seriado a que só falta(va) (aparentemente) um último episódio, embora possamos - com risco calculado - antever o seu final. Relembremos o sétimo e último episódio da primeira temporada (onde ficámos).
O Tribunal Central Administrativo Sul, em 7 de outubro de 2021, com base em recurso da FPF, tendo por objeto a decisão do TAD, veio a considerar que o ocorrido na situação de facto no "Caso Palhinha" é uma questão emergente da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva e, consequentemente, revogou aquela decisão. No fundo, entendeu assente a incompetência material do TAD.
1º episódio da segunda temporada
Em outubro, quando terminou a primeira temporada, deixámos a previsão de eventuais novos episódios, aliás como convém a seriado que se preze.
O primeiro era relativo a um recurso da FPF, para o Supremo Tribunal Administrativo, ainda sobre a legalidade da medida cautelar decidida pelo Presidente do TCA Sul. E assim sucedeu. Ao fim de alguma perturbação processual, aqui desinteressante para o enredo, o Supremo Tribunal Administrativo, no passado dia 27 de janeiro, veio entender que o Presidente do TCA Sul tinha competência para decidir a providência cautelar e que não existiam razões para indeferir a mesma, quer por eventual incompetência material para conhecer do litígio quer relativamente à questão de não ter existido efetiva audiência prévia do jogador em sede de processo sumário. A votação deste acórdão foi por maioria (2-1).
2º episódio
Como deixámos atrás referido era possível e foi concretizado um recurso do jogador - para o Supremo Tribunal Administrativo - da decisão do TCA Sul que declarou a incompetência do TAD para apreciar este tipo de matérias. O STA, por decisão de 10 de fevereiro (agora por 3-0), veio confirmar a do TCA Sul e, no fundo, reafirmar a incompetência do TAD para conhecer de questão emergente da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva.
Para o STA, o TAD não tem competência para apreciar as mencionadas questões intimamente conexionadas com as competições (em concreto), tendo nelas incluído os factos corridos com o atleta.
Aparentando ser o fim da segunda temporada (não se prevê, por ora, que a produção lance uma terceira), a personagem principal - o STA -, tem intervenções de doutrina (para a moral da história) a que convém dar alguma atenção.
3 - A primeira exprime-se pela convocação natural do artigo 4.º, n.º 6, da Lei do TAD: é excluída da jurisdição do TAD, não sendo assim suscetível designadamente do recurso referido no n.º 3, a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva. Para o STA, desta e outras normas, resulta com clareza que o TAD não tem competência para conhecer de "decisões que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou disciplinar, emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respetivas provas", pois as mesmas apenas são recorríveis para o órgão de justiça das respetivas federações desportivas (o Conselho de Justiça). O STA, a nosso ver, disse de mais, numa errónea leitura da lei como se a mesma continuasse a consagrar os termos passados.
4 - Com efeito, assim defendemos há muito, após a entrada em vigor da Lei do TAD e das novas normas sobre os órgãos jurisdicionais das federações desportivas, o atual conceito não corresponde por inteiro ao conceito de questões estritamente desportivas que viveu no passado, em crise de inconstitucionalidade.
Na verdade, o atual legislador limitou fortemente a competência do Conselho de Justiça à vertente das leis do jogo e às decorrências da sua violação. Fala-se agora, e não por acaso, em "diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva". Enfatize-se, pois, o "diretamente" e a "prática da própria competição". Se o fizermos, como acho que o devemos, não ficam afastadas do conhecimento do TAD, pelo menos na sua totalidade, as questões emergentes dos "regulamentos e das regras de organização das respetivas provas". É bom não inverter o percurso anterior dos tribunais.
5Uma segunda menção, também a exigir leitura serena, surge a respeito da audiência do arguido em processo disciplinar desportivo. O atleta sempre advogou - não curamos agora de saber se bem ou mal - a ausência de um momento de audição antes da aplicação da sanção.
Sustentando - apoiado em doutrina - que as leis do jogo não são normas jurídicas, mas antes possuem natureza técnica, entende o STA, aqui seguido e transcrevendo a decisão do TCA Sul, que estamos perante matéria que impõe "um imperativo natural de contenção da ingerência da justiça estadual". Com tal raciocínio concordamos totalmente. Uma pergunta, valerá o mesmo quando estivermos perante "regulamentos e regras de organização das respetivas provas"?
Por outro lado, mais adiante, apoiando-se ainda na decisão do TCA Sul que foi posta em crise pelo aleta, o STA afirma: "E não colhe a alegação do ora recorrente de que nesta ação apenas está causa a invalidade da decisão disciplinar sancionatória por preterição do seu direito de audiência prévia, enquanto direito fundamental [que na sua tese não terá sido cumprido] uma vez que, não foi ouvido antes da prolação das sanções aplicadas, porque por um lado, a sanção foi aplicada de forma automática, por acumulação de amarelos" e por outro lado e mais relevante, mesmo que tal preterição tenha ocorrido, o conhecimento da mesma está a jusante da questão técnico/desportiva, e decorre de matéria, que já se considerou que o TAD não tinha competência para decidir".
6 - Dito isto, pelo tribunal superior, significa que nos inúmeros casos de processo sumário que têm por base precisamente questão emergente da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva, não subsiste a necessidade jurídica de conceder a audiência do arguido?
7 - Recordemos o final da temporada 1 (17 de outubro de 2021):
"Entramos na parte da história onde o sangue ganha espaço mediático e, avança alguém, que o jogador vai ter de cumprir esse jogo de suspensão durante esta época desportiva. Drama final. Errado.
O cumprimento de sanções por acumulação de amarelos - como é o caso - goza no RD da LPFP seu artigo 164º, nº 6 (na versão da época passada e na atual) de um regime especial: os cartões amarelos exibidos numa época ao jogador não contam para efeito de acumulação, na época seguinte".