Jesualdo Ferreira não quer uma reforma dourada e o passado ao serviço das seleções jovens de Portugal é algo que o deixa orgulhoso
Corpo do artigo
É normal que perto do final da carreira os treinadores pensem em serem selecionadores para terminarem, numa espécie de local de conforto. Passa-lhe pela cabeça terminar como selecionador?
Não. Fiz um trajeto na Seleção Nacional de que me orgulho muito e que se calhar as pessoas nem se lembram. Em 1979, com o Peres Bandeira, estive no Mundial de sub-20, foi a segunda vez que Portugal esteve num campeonato do mundo de juniores. Alguns desses jogadores são hoje treinadores. Foram 12 anos nas seleções. Fui adjunto da seleção A e fui treinador de todas as equipas de formação. Ajudei a criar as seleções na Federação, a darem os primeiros passos, e não foi fácil. Mas a seleção A nunca esteve objetivamente na minha cabeça. Se me perguntar se me tivessem convidado eu gostaria disso, claro que sim.
E está bem entregue ao Fernando Santos neste momento?
Os resultados estão à vista. Quando foi o momento de escolher o Fernando Santos, havia, como é normal, muitas discussões à volta do nome do futuro selecionador. O presidente da Federação, Fernando Gomes, soube escolher e ganhou a aposta. Não há nada a dizer.
Um dia, Cristiano Ronaldo vai acabar para a Seleção Nacional, é inevitável. Portugal está preparado para viver sem Cristiano Ronaldo?
Vai acontecer isso, com certeza, e até já aconteceu. Já escrevi uma vez aqui em O JOGO: durante toda fase de apuramento para a fase final da Liga das Nações, o Ronaldo não esteve presente, por opção dele e bem aceite, bem gerida também, pelo Fernando. Portugal ganhou, classificou-se com brilhantismo e sem deixar quaisquer dúvidas. Durante esse período, houve jogadores que cresceram sem estarem à sombra do Cristiano Ronaldo. Isso foi muito importante. Esses jogadores mostraram-se preparados para a saída do Ronaldo. Foi uma fase em que a equipa ganhou mais maturidade. Até para o Ronaldo foi bom, porque vai sentir-se muito menos pressionado a ter que ser ele a resolver os problemas mais complicados, vão deixar de estar à espera que ele solucione tudo. Há mais soluções e há convicção nessas soluções.
Mas é bom o regresso dele nesta prova?
Isso é inquestionável. Portugal estará ainda mais forte com o Cristiano Ronaldo.
Portugal tem condições para vencer esta Liga das Nações?
Vejo Portugal com possibilidades de ganhar. Com o lote de jogadores que Portugal tem, de grande talento, é claramente favorito. E vai jogar perante um público que ama a sua seleção.
O mau início no Europeu não se vai refletir?
Não, foram percalços, numa prova completamente diferente da Liga das Nações. Com certeza que o selecionador já viu onde é que a equipa falhou e cai dar uma boa resposta.
Portugal tem tido alguns êxitos, e não falo apenas no Europeu de França. Há mérito também da Federação?
Claro que sim. Tenho de dar os parabéns ao dr. Fernando Gomes. Ele transformou a Federação numa estrutura profissional e adequada às grandes exigências do futebol atual, encontrando fontes de receita que vêm também das conquistas. Estar nas grandes competições é altamente lucrativo e viabiliza o investimento, quando se trabalha muito bem para isso, como é o caso. A Federação tem hoje uma estrutura modernizada, altamente profissional, e que é um exemplo nos nossos dias. Isto para além da estrutura que criou na comunicação. Hoje, todos sabemos o que faz a Federação, porque foi criada uma estrutura muito forte, com profissionais experimentados e que sabem muito bem passar a mensagem.
https://d3t5avr471xfwf.cloudfront.net/2019/06/oj_jesualdo_campeonatoportugues_20190604170302/hls/video.m3u8
Esta é a história das verdadeiras medalhas
Em recentes entrevistas, muitos são os jogadores que elevam as qualidades de Jesualdo Ferreira. Para ele, esse reconhecimento são as verdadeiras medalhas da sua carreira
"Felizmente, há muitos jogadores, do passado e de tempos mais recentes, como ainda agora no Catar, que fazem o favor de ter esse reconhecimento e de o dizerem publicamente. Essas, sim, são as minhas verdadeiras medalhas. Outras ganhei e nem as recebi. Olhe, fui três vezes campeão nacional no FC Porto e nunca recebi a Taça, porque não a entregavam como agora. De uma forma sincera vêm fazer esse agradecimento. E isto faz bem ao ego, é um sinal de que fiz algumas coias bem."
Radamel Falcao é um desses jogadores que já o afirmaram por diversas vezes. Foi com Jesualdo Ferreira que mais aprendeu. O professor relembra o pupilo e devolve os elogios...
"O Falcao foi talvez o jogador mais educado e mais atento que eu já tive. Não foi nenhum espanto que tivesse chegado onde chegou. Bastou apurar-lhe alguns detalhes. Quando chegou ao FC Porto, como ponta de lança tinha imensas dificuldades; quando saiu do FC Porto era dos melhores do mundo. Claro que este facto me deixa orgulhoso, porque também contribuí para isso, mas ele é um talento e uma grande pessoa. Mas há outros, como o Lisandro que quando saiu do FC Porto sabia jogar nas três posições da linha avançada, o que não acontecia quando lá chegou, e todos sabemos com que qualidade"...
Falcao, Lucho González e Lisandro são apenas três futebolistas que dizem muito ao universo portista e ao futebol português de uma forma geral. O professor sabe que eles não o esquecem
Outro nome que não sai da cabeça do professor quando se fala do seu passado é Lucho González.
"O Lucho era um jogador diferente. Era alguém com quem eu trocava opiniões sobre treino e sobre os jogos. Uma das funções do treinador é ensinar; se não o fizer, dificilmente tem sucesso. E não estou a falar de formação. O Lucho não era nenhum menino, o Raul Meireles não era nenhum menino, o Bruno Alves idem, só para falar em alguns nomes mais sonantes que trabalharam comigo. Quando se ensina tem sempre porquês e é preciso dar respostas. E eles têm de entender as propostas que se fazem. Dizia ao Lucho como ele devia jogar e ele percebia. O Lucho era inteligente, percebia o jogo, sabia o que era importante para a equipa. Era um descanso."
E que dizer de Fucile?
[risos] "O Fucile foi a minha primeira contratação, meta isto entre aspas. Foi o primeiro nome que indiquei quando cheguei ao FC Porto, era um jovem lateral-direito, com lugar na seleção do Uruguai, que por necessidade acabou por se estrear... como lateral-esquerdo num jogo da Champions, com o Hamburgo. Tinha lá o seu feitio, mas era um futebolista de uma grande generosidade, com uma raça como gostamos de ver num jogador de futebol."
Uma outra medalha que o professor guarda com orgulho é que muitos dos seus jogadores são também seus amigos.
A saloiada toda está muito à frente
Para muita gente, colegas de profissão inclusive ou principalmente, você é simplesmente o professor. De onde é que vem isso?
Dos tempos em que ensinava no ISEF e onde iniciei uma "guerra" na perspetiva de poder ajudar a formação de treinadores. Esse professor ainda está ativo e tem orgulho do que fez. Hoje, há cursos de treinadores felizmente.
E bons treinadores também...
Nós somos dos melhores do mundo, é sempre um orgulho muito grande ver este êxito português. Não há ponta de inveja em relação ao que estão a fazer os treinadores portugueses. Em Inglaterra, em França, na China, na Arábia Saudita...
10971145
Encontra uma razão para tantos casos de sucesso?
Ao que se está a passar chama-se talento. Nós temos talento para o futebol, mas não é só para o futebol. Nós não sabemos o que é que os engenheiros fazem, o que é que os médicos fazem, o que conseguem os investigadores, porque o futebol é muito mediático e facilmente chega às pessoas. O talento português produziu os jogadores que conhecemos e naturalmente os treinadores também. Os treinadores fizeram uma formação e estão apetrechados. Ter talento é estudo, é perspicácia, mas acima de tudo é paixão.
E em que é que diferem dos outros treinadores estrangeiros?
Os treinadores portugueses são mais ingénuos, são mais terra a terra, são mais "saloios"... É o que diziam... Só que esta saloiada toda já passou por eles há muito tempo. Somos melhores treinadores no campo, na comunicação, e na gestão dos grupos, o que é muito difícil em futebol.