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Reinaldo Rodrigues/Global Imagens
Nuno Sousa, o primeiro candidato às eleições do Sporting apresenta o seu programa, em entrevista a O JOGO. Enquanto Frederico Varandas não assume e formaliza a recandidatura, o único que já anunciou que vai avançar critica a atual Direção no tratamento aos fãs e quanto à gestão financeira
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Nuno Sousa, gestor de 45 anos, é o primeiro candidato assumido às eleições do Sporting e amanhã, em Vizela, a sua lista marcará presença para reunir assinaturas para formalizar a candidatura. Em maio de 2020 decidiu avançar e, a O JOGO, apresenta as linhas do seu programa, prometendo fazer diferente de Varandas nas contas e na ligação com os adeptos.
Quais são os eixos cruciais desta candidatura?
-Vamos dividir isto num campo de futebol. Os sócios são a defesa e o guarda-redes. Sem eles não há clube e nem sempre têm sido bem tratados. Não podemos ser inimigos das crianças ou das mulheres, os núcleos estão ao abandono e precisamos de reformulá-los e criar os núcleos virtuais. No meio-campo vem a gestão económico-financeira. Temos de aumentar receitas e contrair as despesas. Temos de resolver a reestruturação e recomprar os VMOC [Valores Mobiliários Obrigatoriamente Convertíveis]. Passaram oito anos e nada foi feito. Se nada for feito até dezembro de 2026 o Sporting perde a maioria do capital, o que é muito preocupante. Ficaria reduzido a 33% da SAD e o futebol seria um organismo autónomo, no qual alguém poderia decidir a seu bel-prazer. No topo da pirâmide, no ataque, está a gestão desportiva.
Qual é a maior crítica que faz à atual Direção?
-Há problemas graves destes órgãos sociais com os sócios, há desigualdades evidentes de tratamento. O mote do atual presidente do Sporting era unir o Sporting. Pergunto-me se os sportinguistas estão unidos e, estando, se o devem ao presidente. O presidente disse que iria evitar a chacota no clube, mas teve mulheres, idosos e crianças descalços num chão de cimento para entrar no estádio. Isto não é pacificar coisa nenhuma. Não sou contra as medidas de segurança, mas sim contra a discriminação, porque um engenho pirotécnico poderia entrar pela bancada central e chegar à superior [zona das claques].
Considera que as claques foram perseguidas?
-Não quero adjetivar a esse nível, mas esta Direção deixou de ser parte da solução e é parte do problema. Queimou qualquer hipótese de diálogo. Impediu sócios de entrar em Alvalade com o cachecol do clube. Nem seria compreensível na Luz ou no Dragão, quanto mais em nossa casa. Tenho empatia por essas pessoas. Todos os grupos são da família leonina.
A nível financeiro, o clube tem pedido empréstimos obrigacionistas...
-Os empréstimos obrigacionistas são normais num âmbito de investimento, ou seja o Sporting deve ir buscar dinheiro fresco para recuperar os VMOC. Não o pode é utilizar para evitar problemas de tesouraria. O endividamento não pode pagar salários.
Como gerar mais receita?
-Foi deixado um património de 600 M€ por João Rocha [o presidente saiu em 1986]. O que vemos hoje é que tudo foi vendido e que o passivo está nos 400 M€. Torraram-se mil milhões de euros. As coisas têm passado entre os pingos da chuva porque a bola tem entrado. Se formos ler o prospeto do empréstimo obrigacionista, o Sporting tinha até 31 dezembro para amortizar 16 M€ de euros de dívida junto aos bancos. Os sinais são claros de que as coisas não estão bem, mas o bom resultado do futebol tem disfarçado a dívida. Temos três anos de receitas televisivas adiantadas, quase 90 M€ de dívidas a fornecedores. Sem sócios não há novas receitas. Já vimos que o mercado está em contração, que o modelo não pode estar assente em vendas. Não devemos pensar num jogador para vender, porque depois acontece o que se passou no verão com um prejuízo de 30 M€ porque não saiu ninguém: temos o estádio penhorado, vendemos tudo o que era património imobiliário. Não podem haver prejuízos durante 30 anos seguidos. Não é aceitável que os clubes, exauridos de recursos, paguem comissões e salários cada vez mais altos e com um passivo sempre enorme. Os adeptos devem entendê-lo.
É uma solução encontrar investidor estrangeiro?
-Numa segunda fase pode pensar-se, mas até 2026 temos é de recomprar as VMOC. Temos o objetivo de chegar a um capital social de 90%. Em momento algum serei favorável à perda da maioria da SAD e até acho que devia haver regulamentação governamental para que tal não fosse possível. Sou desfavorável ao facto de os clubes trocarem de mãos como projetos pessoais de milionários. O Valência e o Man. United são falhanços recentes.
"Amorim pode até nem ganhar o campeonato"
Na parte seguinte da entrevista, Nuno Sousa pormenorizou a gestão desportiva e defende Amorim, prometendo estabilidade se for eleito.
Entende que o clube deve evitar gastar em reforços e canalizar, já, fundos para comprar os VMOC?
-É normal que se vendam e comprem jogadores, mas é preciso equilíbrio. No dia 5, quando ganharmos, temos de resolver a questão dos VMOC, que não tem sido uma prioridade de Varandas. O investimento em novos jogadores deve ser o mínimo necessário e a aposta na academia tem de ser feita todos os anos.
O Sporting foi campeão e quebrou um longo jejum. Isso prejudica-o?
-Nunca pode prejudicar por sermos campeões. Seria errado acharmos que os sócios do Sporting só conseguem avaliar a nossa proposta se a bola não tivesse entrado. Churchill perdeu a eleição no Reino Unido depois de vencer a II Guerra Mundial. Não quer dizer que não estivessem gratos. Em 2019/20, o Sporting teve quatro treinadores. Passámos de uma das piores épocas da história ao título. Não me parece que tenha sido estratégico, não podemos ganhar por um ato de fé. Houve decisões sem sentido até Rúben Amorim ter encarreirado o clube. Temos de lembrar as contratações disparatadas, a sucessão de treinadores...
Manterá Rúben Amorim?
-O Rúben tem um trabalho à vista de todos. Até pode não ganhar este campeonato. É coerente com a tática, com os jogadores que procura. Não vimos é coerência no presidente: o despedimento de José Peseiro, a premiação de Tiago Fernandes, que depois ganha, mas sai para vir o Keizer. Keizer fez uma época com resultados bons. No 5-0 com o Benfica o presidente diz que está tudo bem e despede-o 20 dias depois. Fica interino o Leonel Pontes demasiado tempo. Não se arrasa tudo por mudar o presidente. Rúben Amorim tem três anos de contrato, enquanto ele achar que pode contribuir, e que também é vantajoso para nós, é para continuar. Temos de ver a função do Hugo Viana, se se enquadra na estrutura. Se se encaixar muito bem. Faremos o mínimo de alterações.
"Quem critica tem logo um cognome"
Nuno Sousa colaborou com Bruno de Carvalho nas últimas listas, que não chegaram a ir para a frente. Recusa rótulos, mas admite que se identifica com o ex-líder.
Conotam-no como sendo um candidato ao estilo de Bruno de Carvalho. Revê-se nessa comparação?
-Qualquer tentativa de colagem é errada. Quem critica a Direção tem logo um cognome. Temos de discutir ideias, de fazer pontes. Quem me tenta colar à figura do ex-presidente tem receio de falar das ideias e o que quer é inquinar o debate. Agora, se a minha visão daquilo que deve ser um clube se aproxima de João Rocha, de Sousa Cintra, de Bruno de Carvalho? Sim, sem dúvida. A base é o adepto. Qual é a razão de os clubes existirem sem fãs, a pensarem só no negócio? Há um mérito óbvio de Bruno de Carvalho em construir o pavilhão, que o Sporting já não tinha quando para ali foi o metro. Desde que João Rocha saiu que ninguém fez nada. Bruno apostou e viu que as modalidades fazem parte do ADN do Sporting.
