Morato e João Manuel Pinto recordam quando adiar a festa do rival tornou-se o grande objetivo. "Foi o jogo do ano para nós".
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Para comemorar o título de campeão e não arrastar as decisões todas para a última jornada, o Benfica tem de vencer o Sporting, em Alvalade.
Do lado dos encarnados, só a vitória interessa, do lado dos leões, vai estar, certamente, a vontade de estragar, ou pelo menos adiar, a festa que não se faz há quatro anos. O JOGO foi conversar com dois protagonistas que sabem, na primeira pessoa, como se impede o rival de festejar em casa alheia.
"Ninguém quer ser o cabeçudo, não queríamos ser os bobos da festa, ainda por cima, contra o nosso rival", relembra João Manuel Pinto, central benfiquista, que esteve no dérbi em 2001/02, jogo que terminou empatado no Estádio de Alvalade e adiou a festa leonina por uns dias. "Queríamos vencer, mas não vencendo, não podíamos perder. O Sporting já devia ter a festa preparada, mas conseguimos travar e adiar a festa para outro fim de semana. Fiquei muito feliz por aquilo que fizemos no jogo", conta.
O mesmo sentimento é partilhado por Morato, central leonino que marcou o primeiro golo de uma vitória frente ao Benfica (2-1), que evitou a festa encarnada em 1985/86. "Naquela altura ainda havia a ideia de que ganhar ao Benfica limpava um pouco a época, e foi um bocadinho assim que fomos para o jogo: queríamos vencer e tirar-lhes o título", lembrando a motivação extra que sentiram ao verem que os da Luz já tinham a festa toda preparada: "Até no estádio vimos bandeiras do Benfica campeão naquele ano, víamos os cachecóis, víamos as mesas da festa no estádio, as pessoas com os foguetes e tudo isto deu-nos o dobro da força". Morato conta que foi no balneário que sentiram ainda mais motivação para conseguir o objetivo: "Quando chegámos tínhamos músicas do Benfica a dar naquelas condutas do ar, e estava a repetir constantemente. Na palestra, o Manuel José quase não conseguia falar com a música e disse: "Vejam isto, sintam o que eles nos estão a fazer" e tudo isso ainda nos deu mais força. Queríamos honrar o nosso bom nome. Foi com essa vontade e a entreajuda entre todos que conseguimos vencer".
Também João Manuel Pinto revela como durante toda a semana que antecedeu o dérbi, o foco estava em impedir os festejos. "Durante a semana, nos treinos, estávamos muito concentrados e dizíamos no balneário: "Não queremos ser os bobos da festa, somos melhores do que isto e isto é o Benfica". Na altura, nós capitães tivemos de blindar muito o balneário a nível de força psicológica. Eu reforçava muito nos treinos a ideia de que tínhamos de ser duros, sabíamos da qualidade do Sporting, que eles eram melhores que nós. Foi uma semana de concentração, em que eu piquei muito os meus colegas a dizer que não queríamos ser cabeçudos. E isso fez com que chegássemos a Alvalade muito concentrados e tranquilos". Desse encontro, o central lembra-se de estar muito atento às movimentações do Jardel que conhecia bem dos tempos no FC Porto e "quando as bolas caiam na cabeça dele, eram meio golo", do "alívio" quando soou o apito final com o sentimento de "missão cumprida", da "desilusão" dos jogadores do Sporting e da mensagem que passou à equipa: "Disse-lhes que era para encarar o jogo como se fosse o último da nossa vida. E foi o que aconteceu, fizemos um grande jogo. Sabíamos que eles iam ser campeões, mas não podia ser contra nós. Demos todos as mãozinhas e aquilo foi como uma final".
Morato não esquece o festejo do golo que abriu o marcador: "Para nós era o jogo do ano. Eu não festejava assim, mas foi tudo maior por ser a possível retirada do título ao Benfica. É uma sensação muito boa", relembrando que os próprios adeptos pediram-lhes para não vacilar naquele jogo. "Era um jogo que limpava a nossa época. Era motivo de conversa todos os dias, mesmo na rua, éramos abordados pelas pessoas a dizer que tínhamos de ganhar. Quando acabou o jogo disse que podiam arrumar tudo, que já não havia festa. Ficaram com uma azia descomunal". Os dois não têm dúvidas, tirar um título ao rival não entra no palmarés, mas é uma história impossível de esquecer.
Soltas
Em 1985/86, foi o FC Porto campeão
Com a vitória do Sporting, no Estádio da Luz, por 2-1, os encarnados perderam o título e entregaram-no ao FC Porto, que na mesma altura jogava com o V. Setúbal (0-1). Um golo de Futre garantiu o troféu, uma jornada antes do final do campeonato.
Sporting venceu, mas Benfica sufocou
Morato pôs o Sporting a vencer logo aos 11", na altura tinha apenas 18 anos. E ficaram a vencer por dois aos 22" depois de Manuel Fernandes também marcar. Mas os encarnados viriam a reduzir por Manniche (60") e até ao fim o emblema leonino levou "um massacre do Benfica". "Estivemos no sufoco até à última", conta ainda o central leonino.
130 mil nas bancadas não chegaram
O antigo Estádio da Luz tinha capacidade para 120 mil espetadores, mas Morato conta que nesse jogo estavam "130 mil pessoas, todas juntas, de pé". "Olhavas e só vias vermelho. E depois um cantinho verde lá de um lado. Foram eles que festejaram no final".
Em 2001/02, Benfica acabou com nove
Num final de jogo quente, em que o empate destruía as ambições do Sporting em ser campeão em casa, em 2001/02 os encarnados acabaram reduzidos a nove com as expulsões de Zahovic (90"+3") e de Argel (90").
Festa ficou adiada apenas por uns dias
Apesar do empate com os encarnados (1-1) não ter permitido ao Sporting festejar logo o título de 2001/02, na jornada seguinte foi o mesmo Benfica a entregar o título. Os encarnados venceram o Boavista, que estava em segundo lugar, na jornada seguinte (2-1) e permitiram ao Sporting, mesmo com um novo empate nessa penúltima jornada, celebrar o campeonato.