
ENTREVISTA - Poucos são os jogadores que conseguem atingir marcas históricas pelo mesmo clube no futebol atual. Tarantini, um exemplo raro de ligação ao mesmo clube - o Rio Ave -, explica a O JOGO o segredo da longevidade (Inclui vídeo da entrevista)
Na jornada anterior, frente ao Gil Vicente, Tarantini cumpriu o jogo 300 pelo Rio Ave no campeonato português. O médio de 36 anos tem mostrado uma regularidade impressionante ao longo de 12 temporadas.
"Apesar de ter estudado à margem do futebol, porque há mais vida além disto, sempre dei mais valor à nossa profissão"
Qual o significado de ter chegado aos 300 jogos pelo Rio Ave na I Liga?
- É uma marca bonita e um número redondo que traduz uma regularidade que, nos dias de hoje, é cada mais difícil de alcançar no mesmo clube. Tive a curiosidade de ver os números de outros jogadores com muitos jogos no mesmo clube e, estando numa lista boa, ainda continuo muito longe de uma realidade de há alguns anos atrás, quando atingiam 400 e 500 encontros e tinham 17, 18 e 20 épocas, o que é incrível. Mas estou numa galeria boa, porque 300 jogos em 12 épocas é um número considerável. Penso que, por exemplo, o Vítor Baía tem 18 épocas. Ninguém imaginava que um jovem de Baião iria chegar à I Liga e fazer 300 jogos.
O número ganha um relevo maior por ter sido atingido nos dias de hoje em que os jogadores ficam pouco tempo nos clubes?
- Sim. Pelo facto de haver menos jogos e menos equipas, além de que, agora, o jogador português tem muita tendência a jogar no estrangeiro, não estando tantos anos no mesmo clube. Vimos exemplos como o Rui Patrício ou até o Maxi Pereira, mas não há muitos casos de longevidade no mesmo clube.
Quais os jogos que mais o marcaram pela positiva?
- Os 21 jogos em que marquei ficam sempre na memória e os melhores golos, como um que fiz em Braga e outro, em casa, ao FC Porto. O jogo contra o União da Madeira, na última jornada, quando éramos a equipa com menos probabilidades de entrar na Liga Europa e conseguimos o apuramento, nos últimos minutos, com um golo do Hélder Postiga. No meu primeiro ano pelo Rio Ave, houve uma grande indefinição na luta pela permanência e não esqueço, quando a conseguimos, a festa que fizemos, contra o Estrela da Amadora. Os momentos que ficam na memória estão ligados às vitórias e às conquistas. Sem ser do campeonato, o momento mais alto foi quando o Esmael marcou um golo nos descontos e conseguimos chegar à fase de grupos da Liga Europa.
Tarantini elege Nuno Espírito Santo como o treinador "mais marcante pela mudança de mentalidade" que incutiu e com quem começou "a perceber melhor o jogo"
E pela negativa, o que recorda?
- Se fosse em todas as competições, diria que foi o jogo com o Aves, nos quartos de final da Taça de Portugal, porque estávamos a ganhar por 3-1 a poucos minutos do fim e acabámos por ser eliminados, perdendo uma boa possibilidade de chegar à final e vencer o Sporting, que passou aquela situação complicada [invasão de Alcochete]. Felizmente, não tive muitos maus momentos.
Nestas 12 épocas, poucas foram as vezes em que se lesionou. Qual é a explicação?
- Acredito que tem a ver com uma componente genética. Não é fácil aceitar que jogadores jovens se lesionem com tanta gravidade, como aconteceu agora com o Jambor. Aliado a isso, também me cuido bastante, tendo muita atenção à alimentação e ao descanso, e sempre fui muito focado. Em primeiro lugar sempre esteve a minha profissão, e sempre fui muito profissional. Em todo o meu percurso no Rio Ave, nunca estive ausente por um período superior a um mês, o que é, de facto, notável em alta competição. Apesar de ter estudado à margem do futebol, porque há mais vida além disto, sempre dei mais valor à nossa profissão. Quando entro no Rio Ave estou muito focado nos treinos e na preparação; quando vou para casa, para além do descanso, tenho tempo para fazer outras coisas fora do futebol.
"Os jovens querem tudo muito rápido e à primeira dificuldade que encontram no caminho, encostam à beira da estrada"
Com o Rio Ave perto da final-four da Taça da Liga e defrontando o Marinhense nos quartos de final da Taça de Portugal, sonham chegar a finais?
- Não vamos fugir disso. Estes dois jogos nas taças são muito importantes e, mais do que a qualidade jogo, queremos é passar as eliminatórias. Ninguém se lembra quem perdeu a final de 2014 e penso que, hoje, estamos mais preparados para esses momentos. O Rio Ave pode estar em bom nível em todas as frentes e falta um título para premiar o crescimento do clube.
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Míster Tarantini até já pensou no seu modelo de jogo
Perto do final de carreira como jogador, Tarantini admite que pretende ser treinador. Mas, se o Rio Ave não quiser renovar contrato, o médio até pode jogar noutro clube antes de terminar
Termina contrato no final da época. Ainda vamos ter mais Tarantini?
- A carreira está a chegar ao fim e começam a desenvolver-se outros objetivos. Mas sinto-me bem, útil e escolhido para jogar. Tenho de perceber as intenções do clube, se continua a querer o Tarantini como jogador. Quero continuar, mas quando uma das partes não quiser mais, apertamos as mãos, porque nenhuma das partes deve nada à outra. Esse dia vai chegar e apenas quero sair em paz com o futebol.
Admite jogar noutro clube se o Rio Ave não quiser renovar?
- Admito. Se a proposta me agradar, as intenções de outro clube forem boas e eu e a minha família assim o entendermos, vou continuar a jogar.
Com os golos apenas no campeonato, Tarantini festejou 22 vezes com a camisola do Rio Ave em 12 temporadas. Em 2019/2020 marcou ao Tondela na quinta jornada e à Oliveirense (Taça da Liga)
Com o seu perfil e estudos universitários na área do desporto e do futebol, teremos um míster?
- A 100 por cento não posso dizer, mas há uma grande probabilidade e uma grande vontade. Sei que a vida de treinador é muito mais difícil, mas tenho uma vontade muito grande de ter mais pressão, mais conquistas e mais títulos. Tenho estado a preparar-me e falta-me apenas o quarto o nível de treinador.
E já está a resolver isso?
- Tirei, este ano, o terceiro nível, juntamente com o Silas, num formato para ex-jogadores, mas provavelmente vou ficar de fora das escolhas para o próximo curso, porque ainda sou jogador. Se terminasse a carreira aos 40 anos, iria precisar de 12 anos para ser treinador na I Liga. Os jogadores não são mais do que os outros, mas ninguém pode apagar todo este trajeto e tem de haver condições para nos darem formação. Fiz a minha licenciatura, o meu mestrado e estou a acabar o meu doutoramento, porque me deram condições para isso.
Já tem o modelo de jogo?
- Tenho ideias que fui tirando de vários treinadores que vou juntando e que idealizo, mas sei que depende muito dos jogadores que irei ter. Há algumas coisas que gostava de fazer.
Tarantini representou cinco clubes, incluindo a formação iniciada no Amarante e concluída no Covilhã, onde se estreou como sénior. Passou depois por Gondomar, Portimonense e Rio Ave
Como capitão de equipa, dá conselhos aos mais novos?
- Não sou um chato, mas vou largando as minhas dicas, mais a uns do que a outros, porque há jogadores que são mais sensíveis. Por vezes, é muito difícil admitir coisas dentro de um grupo e isso tem-me ajudado a perceber que algumas pessoas não querem mudar e há outros casos em que as minhas palavras têm uma força muito grande. Vai muito mais além dos incentivos de garra para os jogos, porque toda a gente tem família e temos de compreender os momentos menos bons. Tento ir buscá-los ao fundo e trazer um pouco da nossa vida real para a profissão. Tudo o que envolve problemas que trazemos de casa pode pesar muito no momento da concentração para um jogo.
O Rio Ave tem alguns jovens com valor para chegar a outro patamar? E que conselhos pode dar?
- Tem alguns, como o Borevkovic, o Jambor ou o Nuno Santos, entre outros, ou outros que têm jogado menos, como o Junio Rocha ou Joca. Hoje em dia, os jovens querem tudo muito rápido, querem sucesso e ganhar dinheiro de forma rápida; à primeira dificuldade que encontram no caminho, encostam à beira da estrada, só porque pensam que o treinador não gosta deles ou não os convoca, e simplesmente desistem. Digo sempre para estarem preparados para dar tudo porque a oportunidade vai surgir.
O caso de sucesso do João Félix é perigoso para essa mentalidade?
- O João Félix parece ter uma estrutura que o compensa deste mediatismo e deslumbramento. O Cristiano Ronaldo tinha dificuldade em lidar com o mediatismo e agora tudo é normal para ele. Num contexto de Rio Ave, se me pusessem a jogar noutro clube com 100 mil adeptos nas bancadas, mesmo com 36 anos, iria ser diferente. O João Félix sempre jogou num nível muito alto.
"Os 21 jogos em que marquei ficam sempre na memória e os melhores golos, como um que fiz em Braga e outro ao FC Porto"
"Jogos do Flamengo com uma intensidade incrível"
Admirador do trabalho de Jorge Jesus, Tarantini confessou que "gostaria de ser treinado" pelo técnico do Flamengo, sobre quem "muitos colegas disseram que é um grande treinador". "Sendo muito chato, todos dizem que aprenderam muito com ele", afirmou o médio, que seguiu de perto o Flamengo.
"Alcançou um grande feito. Dei por mim a ver jogos do Flamengo e, apesar de Jorge Jesus dizer que foi incrível taticamente, não gostei muito da final da Libertadores, mas vi alguns jogos com uma intensidade incrível, que nunca pensei ser possível no Brasil."
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