"Não me importo de ir à procura de problemas quando depois o resultado é este, ganhar"
A 27 de maio de 2018 Sérgio Conceição sentava-se com O JOGO para esmiuçar uma temporada que acabara com a conquista do título de campeão nacional, interrompendo uma série de quatro anos sem títulos do clube azul branco. Uma entrevista a anteceder um troféu a abrir, a Supertaça, a nova época e uma série de feitos e recordes que permitem ao clube "emoldurar" o ano que termina
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RECORDE A ENTREVISTA DE SÉRGIO CONCEIÇÃO PUBLICADA A 27 DE MAIO DE 2018
Depois de entrevistas a dois canais de televisão e de algumas considerações que não tem de repetir, Sérgio Conceição encontrou na entrevista a O JOGO a oportunidade ideal para falar sobre a equipa que construiu e as dificuldades que teve para chegar à ordem pretendida. A cada pergunta, o treinador reforçou a importância do treino, porque no grito só se ganha uma vez e é na sistematização que está o segredo. Alguns desvendou, outros nem tanto. Faz parte...
A renovação foi importante para sentir a confiança do clube?
Estou extremamente feliz, é um sinal de confiança do clube no nosso trabalho. Tenho grande paixão por este clube desde os 16 anos. Mas com mais um ou dois anos de contrato, o meu profissionalismo, dedicação e ambição seriam iguais
Agora que renovou e solidificou a continuidade no FC Porto, o que perspetiva para 2018/19?
A prioridade passou sempre por ficar no FC Porto, embora no futebol nada seja certo, porque pode aparecer um clube que bata a cláusula de rescisão e até o clube pode ter interesse em ter entrada de dinheiro. Mas a prioridade era ficar e dar continuidade ao que foi feito. Cheguei ao FC Porto com 16 anos e o primeiro contrato que assinei foi com Raul Peixoto e Francisco Carneiro. A partir dos seniores, foi sempre com o presidente e, por incrível que pareça, nunca discuti dinheiro com eles. Mas na altura não tinha grande moral para isso, agora tenho [risos].
E em termos de objetivos desportivos para a próxima época, o campeonato continua a ser o mais importante?
Sim, voltar a ser campeão é o principal objetivo. Mas também queremos chegar mais longe na Champions e conquistar a Taça de Portugal e a Taça da Liga.
Obviamente espera um FC Porto melhor no próximo ano. Será melhor em quê?
É importante perceber o que nos levou à conquista do campeonato. Ao perceber isso, e tendo como base tudo o que foi feito para chegarmos ao título, é importante darmos continuidade se possível, como eu quero, melhorar, porque já há conhecimento maior entre jogadores e equipa técnica, entre equipa técnica e médica, entre todas as pessoas que têm aqui a sua função diária. Temos tudo para melhorar, mas temos de ser inteligentes e humildes para percebermos o que nos levou ao sucesso, pegar exatamente nisso e sermos ainda mais fortes.
Esta fórmula que fez do FC Porto campeão, com tanta potência física, foi um improviso ou é a sua convicção?
Acredito muito no futebol que tenha impacto físico no jogo. Gosto de uma equipa agressiva e acho que o futebol moderno tem que ver com essa intensidade e agressividade de jogo, com jogadores que tenham capacidade de ganhar mais vezes os duelos do que os perder. O jogo é feito de duelos e a equipa que ganhar mais está mais próxima de vencer o jogo. Isso é convicção minha. Além da convicção, temos dados que demonstram exatamente isso. Esta forma de jogar já vinha do Nantes e aqui encontrei jogadores ideais para colocar em prática esse tipo de jogo, conhecendo aquilo que é o futebol da moda e o campeonato português.
Tem, então, também que ver com o campeonato português? É uma fórmula que se adapta bem a Portugal por não haver cá muitos jogadores assim?
Sim, acho que é muito importante. É essencial uma equipa fazer do impacto físico uma das suas principais características, mas isso por si só não ganha jogos. É preciso toda uma dinâmica que sustente essa capacidade física. E isso é preciso trabalhar. Falo de dinâmica com e sem bola. É muito bonito meter cinco ou seis jogadores em zona de finalização, mas mais importante é que a equipa esteja equilibrada defensivamente e tenha como base a coesão defensiva. Aliás, é a partir daí que se ganham jogos.
Leonardo Jardim falou dos duelos no final de um dos jogos com o Mónaco. Essa questão não parece muito valorizada em Portugal...
Quero esclarecer que, quando falo de duelo individual, não é só o duelo físico. Há um duelo técnico, um duelo tático... Se formos analisar os sistemas táticos, caímos no discurso mais básico de dizer que o que conta é a dinâmica. Está bem, mas é a partir desse 1x1, da capacidade para criar superioridade numérica na zona da bola para tentar encontrar espaço do outro lado. Tudo isso tem a ver com esses duelos ganhos. Pode ser o duelo ganho por um jogador pequenino que tem uma técnica fantástica, pelo avançado possante que segura a bola para encontrar apoio e virar o centro de jogo, pelo ganho de uma bola no ar...
O FC Porto exigiu novas ideias a um treinador sem rótulo
A equipa campeã nasceu no papel, bem antes de Sérgio Conceição ter entrado na relva com os jogadores pela primeira vez. Marega, Soares e Aboubakar estiveram sempre nas contas do técnico
Nunca tinha jogado em 4x4x2 e até preferia o 4x2x3x1. Virou-se para o ataque pelas características dos jogadores e pela necessidade de o FC Porto voltar a ganhar.
Este FC Porto foi muito ofensivo. Era importante também para si descolar a sua imagem da matriz defensiva?
Eu não fiz isso para agradar a ninguém nem para me mentalizar a mim. Fiz isso pela necessidade que eu acho que a equipa tinha de ganhar o campeonato. Não estou agarrado a uma ideia, a uma matriz de jogo. Não sou um treinador desse género. Funciono com o ambiente e com aquilo que tenho à disposição. Não podia, no Olhanense, Académica ou V. Guimarães, atacar da mesma forma que ataquei aqui no FC Porto.
"Escolhi o 4x4x2 antes de começar"
Decidiu que o FC Porto ia jogar em 4x4x2 no primeiro treino que teve?
Não, não... Decidi antes. Eu não tenho férias. Eu sabia quem ia ter à disposição. Quando assinei, passei a ser treinador do FC Porto. Conhecia o Marega, o Tiquinho Soares, o Aboubakar...
Mas não sabia se ia ter o Marega...
No início pensava que ia ter o Marega, entretanto chegou atrasado [risos]... Sabia que ia ter uma equipa muito forte fisicamente e tinha de a potenciar. E isso foi importante para começar a criar, na minha cabeça, o sistema e a forma como queria que a equipa jogasse. Depois, tive Marega e Soares lesionados ao mesmo tempo e joguei só com Aboubakar. Aí tive de mudar os treinos. Joguei com Otávio, Herrera ou André André por trás... São jogadores completamente diferentes e isso tem de se treinar. Não chega dizer ao jogador que vai fazer o mesmo trabalho do Marega. É impossível. Atenção que isto não é régua e esquadro, mas tenho de saber que o Otávio é um jogador mais de ligação, o Herrera de infiltração em zona de finalização e trabalhar isso.
Sérgio recusa ficar com o rótulo de treinador da garra. Até porque tem a certeza de que não basta para ganhar
Os avançados poderosos fisicamente e o jogo intenso ficarão nos compêndios de 2017/18 e essa será a imagem de um FC Porto construído também com muita estratégia e sistematização
Sérgio falou do treino, repetiu a importância do trabalho, focou os pormenores, apontou para a relva e não se cansou de dar exemplos, individuais e coletivos, para provar que o mérito da conquista é da qualidade do trabalho e não de gritar tanto aos jogadores.
Toda a gente fala do impacto que o Sérgio teve no campeonato, mas circunscrevem muito à questão da motivação, do espírito, da mística do FC Porto, mas se calhar taticamente também obrigou as pessoas a pensar de outra forma. Mudou alguma coisa nesse aspeto?
Essa foi a minha intenção. Na minha apresentação disse que ninguém ganha no grito. O grito pode funcionar num jogo, numa semana. Se esse grito não é sustentado com um trabalho em que os jogadores percebam que estão a evoluir individual e coletivamente, acho que depois, com o tempo, começam a perder aquilo que eu acho que é essencial na relação entre equipa técnica e jogadores, que é saberem que estão a trabalhar com qualidade. Trabalhamos os nossos modelos durante muito tempo, muitas horas, com grande rigor e uma disciplina enorme. Tivemos impacto no campeonato português com uma equipa física, virada para a frente, mas há aqui muito treino que as pessoas não veem.
"O grito só funciona um jogo, uma semana"
Na apresentação disse também que o Sérgio Conceição treinador não era o de Olhanense, Académica, Braga, V. Guimarães e Nantes porque nunca trabalhara com os recursos que queria. A matriz definitiva do Sérgio é esta?
Matriz tem sempre a ver com o grupo à disposição. No Braga comecei de uma forma e acabei a jogar de outra. E porquê? Porque a equipa tinha ficado em nono lugar no ano anterior, com muitos emprestados que voltaram e precisávamos de ganhar confiança. E isso tem a ver com resultados. Temos de ir adaptando aquilo que é a equipa que encontramos no clube para metermos em campo o que nós achamos que estará mais próximo da vitória. Nunca tinha jogado em 4x4x2, jogava em 4x2x3x1...
O FC Porto sempre foi uma equipa mais fria, de controlo, mas tentou ser mais ofensivo, sobretudo a partir do momento em que apareceu Jorge Jesus. O Sérgio foi o primeiro a ter verdadeiro êxito. Onde estava a chave?
Acho que teve muito que ver com a mensagem passada para os jogadores. Eu no quadro sou fortíssimo. Dizer que quero que façam isto ou aquilo é muito bonito, mas é preciso fazer ali dentro, na relva. Partiu muito do treino e do que nós pedíamos à equipa. É uma forma de jogar com algum risco de lesões, risco de encontrarmos uma equipa mais forte e ficarmos sem ser uma coisa nem outra. Foi o caso do Liverpool. Nem fomos pressionantes como costumávamos ser, nem baixámos a equipa. Ficámos ali no meio e, quando não sabíamos bem o que fazer, acabámos por sofrer cinco golos. Os avançados poderosos fizeram, sem dúvida, a diferença em Portugal. Mas também na Europa, com o Mónaco, por exemplo. Essencialmente partiu da qualidade da equipa e da forma como a pôs ao serviço do coletivo. Cada jogador teve a preocupação de respeitar aquilo que eu queria para a equipa. E estou a lembrar- me do Brahimi, por exemplo.
"Culpei Brahimi pela falta de diversidade"
Argelino mudou radicalmente. Marega também faz hoje coisas muito diferentes das do passado
Elogiou Brahimi quando se referiu ao respeito pelo coletivo. Porquê?
No início foi um jogador difícil, mas com o tempo percebeu que só era melhor jogador se trabalhasse bem para a equipa. Só ele a querer meter o talento não serve. Eu disse-lhe que tinha acompanhado os anos dele no FC Porto e aquilo que sentia é que era capaz de fazer uma jogada fantástica para ele e que, para a equipa, servia de pouco. Quando a bola chega ao Brahimi e ele começa a rodar, tudo o que é surpreender o rival deixa de acontecer, porque o jogo acaba, morre nos pés de Brahimi. Disse-lhe em determinado momento desta época que estava a ser o culpado de nós, ofensivamente, não termos mais diversidade de movimentos e surpresa no adversário. Ele compreendeu muito bem. Também pedi coisas muito diferentes ao Marega.
Brahimi a passar em profundidade para o Marega foi uma imagem surpreendente...
As relações dentro da própria equipa proporcionam conhecimento grande. Brahimi é muito forte entre linhas, é mais um médio-interior do que um ala - e era o que queríamos, porque o Alex dá muita profundidade no corredor - e, quando conseguia virar e ficar de frente para a linha defensiva, tinha aqueles movimentos incríveis que trabalhávamos aqui, mas também eram fruto da excelente relação entre Marega e Brahimi. Também aí ficou melhor jogador, mais coletivo.
Os triunfos sobre Sporting e Benfica e a forma como a equipa foi quase sempre melhor ajudou na construção de uma identidade ganhadora
"Foi importante mostrar força aos nossos rivais"
Conceição fez questão de vincar a enorme ambição de um grupo com vários jogadores habituados a ganhar nos respetivos países. Com ele, "juntou-se a fome à vontade de comer", brincou
Os seis clássicos em revista, a importância de Marega e a obrigatoriedade de improvisar.
Que peso tiveram as vitórias nos clássicos na construção da identidade FC Porto?
Foi importante essa demonstração de força aos nossos rivais. Encontrei um grupo com uma vontade muito grande de virar a página, com grande mentalidade. É importante dizê-lo. E havia jogadores como Casillas ou Maxi habituados a ganhar noutros clubes e países. Mas todos tinham uma fome de títulos muito grande. Juntou-se a fome à vontade de comer. Contra os grandes demos demonstrações de força. Só num clássico, da Taça, o Sporting esteve bem, com uma ou outra situação diferente que o Jesus gosta de inventar para surpreender, mas eu já previa. Nos clássicos demonstrámos ser sempre a equipa mais forte, a que teve mais oportunidades, a que foi mais presente no jogo.
Marega regressou na Luz, precisamente. Foi a profundidade dele que faltou ao FC Porto na fase em que a equipa perdeu duas vezes?
Estivemos dois meses sem Marega. Ganhámos quase todos os jogos, empatámos um e ninguém questionou. O jogo em Paços foi diferente. Jogámos com cinco/seis jogadores diferentes dos habituais, em condições adversas, com vento, chuva... Mas não me desculpo com isso. A culpa é minha porque pensei que com aqueles jogadores poderia ganhar o jogo.
Mas é verdade que a segunda linha era muito diferente da primeira...
Quando falava de plantel curto, era em relação a quantidade. Porque tinha no banco André André, Otávio, Óliver, Maxi, jogadores de grandíssima qualidade.
Mas de características diferentes...
Sim, mas os jogadores são todos diferentes... Por exemplo, lesionou-se o Danilo e eu não tenho outro Danilo. Tive de ajustar o meu duplo pivô no meio-campo. Ter um Herrera e um Sérgio era diferente de ter Danilo e outro desses jogadores. Não podemos dizer que faltou o Marega e faltou a profundidade. Não estou de acordo. Tem a ver com a equipa e não com o jogador. Obviamente, se emos três jogadores na frente rapidíssimos, a profundidade é mais natural. Não dependia só do Marega, mas antes do que a equipa deixou de fazer na fase de decisão. Se calhar não arriscávamos tanto, se calhar o passe era feito para o lado e não para a frente. Houve muitas coisas que ajudaram ao tal ciclo menos positivo. Mas não gosto de dizer que são normais. Não acho que o sejam. Queria acabar a época sem derrotas e era o meu grande objetivo. E, a determinada altura, achei que era possível. Mas os adversários também têm as suas valias.
Conceição admite que não é um treinador fácil. E confirma que nem tudo foi pacífico no Dragão para impor as regras que levaram a equipa ao título. Telemóveis no centro das preocupações. É importante socializar, vinca
"Tive problemas e não foi só com os jogadores"
O técnico reconhece um início difícil, até que toda a estrutura se acomodasse. Não é defeito, garante, mas antes feitio. E hoje já ninguém descuida o rigor e o comportamento que Sérgio exige
O peso, a hidratação, a folha de presenças, os telefones no treino e outros pormenores que fazem parte de um regulamento interno que o próprio criou para obrigar o grupo a partilhar momentos e a criar laços. Risos só nas almoçaradas.
O Sérgio Conceição já disse muitas vezes que não é um treinador fácil. Desmonte o sentido de fácil...
Eu não digo que não sou fácil. Eles é que dizem! Para mim sou normal. Gosto de disciplina, de rigor. Gosto de chegar ao Olival e ver a folha de presenças assinada da mesma forma. Se vejo uma assinatura diferente já penso que o jogador está desleixado, relaxado, não dormiu bem... Dou atenção a todos os pormenores. O staff técnico comprou uma máquina para ver a hidratação, o peso diário é uma chatice para eles, limitar o uso de telemóvel nas instalações do clube é uma chatice para eles. Por isso é que dizem que sou um chato dos diabos. No campo dou uns berros, se calhar repito uma coisa 15 ou 20 vezes, se calhar ponho um jogador no fim a trabalhar sozinho porque não conseguiu fazer o que eu pretendia no treino. Durante a semana tenho a cara mais fechada. Gosto de brincadeiras e almoçaradas, mas aqui dentro sou muito rigoroso.
Algum jogador o viu rir num treino?
Difícil, muito difícil...
Passámos a época a falar de ruído. É pela obsessão pelas redes sociais que existe essa preocupação com os telemóveis?
É uma das coisas. Acontece com os meus filhos. Eu proíbo telemóveis à mesa e quando estão na sala a falar entre eles. Fiquei chocado quando cheguei a um clube e o capitão, que trabalhava há três meses com um jogador, não sabia que ele tinha um filho. Acho a conversa extremamente importante. E 20/30 minutos antes do treino não tem de haver telemóveis, tem de haver a conversa que não tem nada a ver com futebol. Quero que partilhem, que se conheçam. Acho inconcebível alguém estar com o telefone no tratamento de uma lesão. É importante o terapeuta comunicar com o jogador. Acho horrível e sei que é difícil gerir. Há 15 anos não havia estes problemas. Hoje temos de conviver com isso e não posso cortar definitivamente porque faz parte do dia a dia. Mas podemos limitar e criar regras. A partir do momento em que não as respeitam, já não sou capaz de aceitar.
Foi fácil impor essas regras?
Não, não foi fácil.
Algum problema que possa contar?
Houve alguns problemas aqui. E não só com os jogadores. Limitei os telefones no corredor e às vezes apanhava pessoal que trabalha no Centro de Treinos com o telemóvel. Se limito os jogadores a esse ponto, as outras pessoas não têm de fazer isso. Tudo aquilo que é mexer em portas ou espaços físicos, não há problema absolutamente nenhum. Tudo o que é mexer com um hábito ou conforto de uma pessoa, já é difícil, já vamos à procura de problemas. Mas eu não me importo de ir à procura de problemas quando depois o resultado é este, ganhar. Aconteceu com jogadores e com quem trabalha aqui. Não aceito que, depois do treino, eu queira uma camisola e não esteja aqui ninguém. Não foi o que aconteceu, estou só a dar um exemplo. Eu quero pessoas presentes, apaixonadas, que não sejam funcionários públicos. E ao início foi difícil. Depois habituam-se a levar com as minhas azias e vamos andando.
Uma história que nos possa contar?
Iríamos entrar no grupo de trabalho e invadir este local tão privado e quase religioso que é o balneário. E os jogadores não gostariam, quando eu até defendo que entrar ali dentro só mesmo com autorização deles. Até a equipa técnica tem de pedir autorização. Por isso, é chato contar. Mas aconteceram e não só com o telemóvel...
Também por isso é importante manter o plantel na próxima temporada?
É sempre importante manter os grupos ganhadores.
Da formação ao acompanhamento de jogadores e mercados, Conceição tem uma visão bem definida de quais são as áreas a precisar de afinação. Ricardo Pereira é um exemplo que vem a propósito
"Maxi e Dalot deixam-me descansado"
Melhorar (muito) o scouting é uma das prioridades que Sérgio aponta ao FC Porto e entende que há meios para lá chegar. Mercados francês e africano são para continuar a rentabilizar
Para a direita não serão precisos reforços se os dois jogadores que restam ficarem. Dalot tem sido assediado, mas o treinador acredita que o lateral saberá separar o trigo do joio.
Partilha com Luís Gonçalves a atração pelo mercado francês e africano?
Gosto do mercado francês e africano. Do mercado sul-americano gosto de algum, mas tudo tem a ver com o jogador em si e aquilo que eu acho que é o futebol moderno, que é a velocidade, a intensidade e a qualidade técnica, que também é importante, porque não quero o rótulo só da intensidade e agressividade. Mas, para mim, ter técnica é conseguir fazer um passe a 30 metros e não driblar dois ou três jogadores, é fazer uma boa receção, um bom passe curto, um bom passe longo, é ter uma boa leitura de jogo e saber o que fazer com a qualidade natural que se tem. O mercado francês é muito apetecível porque se calhar é menos caro que outros. O mercado africano é fantástico, especialmente quando se sabe o tipo de características dos diferentes países em África. Depois, é dar a esses jogadores aquilo que eu acho fundamental, que é o rigor tático, o lado mais europeu. Conseguindo isso, é um mercado bastante apetecível, sem dúvida nenhuma.
Há o reverso da medalha que é a concorrência. Há grandes equipas inglesas e francesas que também exploram, de forma cada vez mais frequente, mais esse mercado...
É verdade. Cada vez mais tem de se fazer um acompanhamento grande e o scouting é muito importante nisso. Nós não podemos competir com equipas de topo porque não há essa capacidade financeira. Temos é de ser mais espertos e trabalhar mais do que os outros. Em quê? Na formação, mas no fim de formação, naquela transição para o futebol profissional. Aí há muita coisa a explorar. É preciso é querer trabalhar. Nós temos gente que poderá fazer isso, mas temos de melhorar. E estou a falar do FC Porto. Digo que temos de melhorar. Não estou a dizer que o trabalho do Fernando Gomes foi mau, nada disso. Ele foi uma pessoa que esteve sempre em contacto connosco naquilo que era a informação, por exemplo, de jogadores emprestados, ou de um ou outro jogador que pudesse aparecer... Mas acho que se pode e deve fazer muito melhor do que aquilo que nós fazemos, porque temos todos os meios, temos recursos humanos, temos capacidade para enviar semanalmente pessoas para nos dar essa informação. Na minha opinião, é a partir daí que depois se consegue potenciar ao máximo esses jogadores para serem mais-valias do ponto de vista financeiro. E temos alguns exemplos disso. Ricardo, por exemplo, que foi vendido agora e não me perguntem se estou de acordo ou não. Foi vendido agora... Estava no Nice. Quero saber quantas vezes foi visitado no Nice para voltar ao clube de forma focada, querendo ter sucesso no clube. Pergunto porque não sei, não estava cá nessa altura. Mas pergunto. Por aquilo que me foi dito, provavelmente nenhuma. Isso podemos e devemos melhorar. Tentei passar essa mensagem este ano. É importante seguir os jogadores emprestados, seguir os mercados não de jogadores feitos, mas de jogadores com grande potencial que podem e devem acabar de se fazer aqui no clube. Pode-se fazer bastante mais nesse sentido.
Saiu o Ricardo Pereira, aparece agora o Diogo Dalot. As expectativas que se criaram à volta dele são um problema?
O Diogo Dalot é um miúdo inteligente. Tem capacidade de encaixe e de filtrar tudo o que é opinião, informação e tudo aquilo que gravita à volta dele. É inteligente, tem de melhorar algumas coisas, mas é um jovem com grande potencial, sem dúvida nenhuma.
Fica descansado na posição com Dalot e Maxi Pereira?
Sim, fico descansado se ficar com o Dalot e o Maxi. Mas é preciso que fique com eles.
O ataque aos reforços em janeiro não correu bem, mas Sérgio diz-se tão responsável por isso como por ter valorizado os recursos existentes
"Valor do plantel é hoje muito diferente"
O treinador reclama mérito na venda de Ricardo, embora não tenha parecido feliz com a notícia. Aos reforços de janeiro promete uma nova oportunidade para a pré-época
Cláusulas sobre Waris, Paulinho e Osorio serão para acionar, a julgar pela promessa de novas oportunidades. Se o FC Porto tivesse dinheiro, teria procurado outros jogadores em janeiro. Conceição já sabia que nenhum se afirmaria no imediato, mas acredita que o tempo pode integrá-los em definitivo.
Já entregou ao presidente um relatório pormenorizado sobre a época que passou e com ideias para o que aí vem. Que jogador mais pediu a Pinto da Costa para não deixar sair?
É uma pergunta interessante, mas ia tornar em evidência um ou outro jogador e, durante o ano, eu falei sempre naquilo que é o coletivo e a equipa. Houve jogadores muito importantes e vocês sabemdisso.
Pediu muitas vezes reforços durante a época, mas a abordagem ao mercado de janeiro não funcionou completamente...
Não sou apologista do mercado de janeiro. Tive oportunidade de dizer isto e de alertar a equipa para o mercado de janeiro, porque mexe com a cabeça deles: uns porque têm propostas para sair, outros porque pensam que vem algum reforço e têm medo de perder o seu espaço. Cria sempre instabilidade e eu não gosto. Este ano, tivemos de ir ao mercado, porque chegámos a janeiro com 19 jogadores e, tendo alguma lesão, ficaríamos muito limitados, num contexto em que estávamos em todas as frentes. Era preciso mais alguém. E fizemos essa abordagem dentro daquilo que era a disponibilidade do FC Porto. Isto é mesmo assim: ou se tem dinheiro para ir buscar alguém para entrar, encaixar e fazer diferença, ou alguém que venha para ser mais um elemento do plantel e, no caso de haver necessidade, podermos recorrer a ele. Foi mais por aí. Qualidade à parte, foi com esse intuito que fomos buscar Osorio, Paulinho, Waris e Gonçalo, sabendo eu que não eram jogadores que chegavam aqui e encaixavam imediatamente na equipa. Para isso era preciso dinheiro e o FC Porto, como vocês sabem, está a passar, ou passou, momentos difíceis. Agora está melhor...
Há situações sobre os reforços de janeiro que nunca foram clarificadas. Vê futuro imediato para algum deles no FC Porto?
A partir do momento em que fomos buscar jogadores com algum potencial e ainda jovens, todos vão ter oportunidade de trabalhar na pré-época para demonstrar o que não foi possível este ano, porque também era difícil chegar e encaixar logo numa equipa como a nossa.
Tem responsabilidades acrescidas no caso do Waris, por não ser tão jovem, por ser mais caro e por estar mais ligado ao Sérgio Conceição?
Tive responsabilidade na venda do Ricardo, por exemplo. Este plantel tem hoje um valor de mercado maior e completamente diferente do que quando cheguei cá. Estou tranquilo em relação a isso. O meu aval ao Waris, Paulinho, Osorio, foi um aval de acordo também com a opinião da direção, do presidente e de Luís Gonçalves. Estou absolutamente tranquilo, não estou a pensar que este veio com opção de compra de X e agora sou responsável por um futuro risonho no FC Porto. Obviamente fico contente se o tiver, mas também pode acontecer não o ter.
O treinador fala de um clima insuportável e acredita que a fronteira do que é mera rivalidade já foi ultrapassada. Francisco J. Marques levou "reprimenda" por falar demais
"Não quero acreditar no que se diz sobre alguns jogadores"
Conceição acredita que a maioria dos programas televisivos sobre futebol não trazem nada de bom. Entre tantas "barbaridades" que ouve, prefere focar-se no futebol que se joga sobre a relva
Futebol é para treinador e presidente, comunicação fica com o diretor dessa área. Sérgio não admite que se metam no seu trabalho, mas aceita conselhos para, estrategicamente, comunicar melhor.
Falou com Francisco J. Marques depois daquele episódio em que o Sérgio disse, numa conferência, que sobre futebol só treinador e presidente é que falavam?
Falei. Falei antes. Quando vi uma entrevista dele, liguei e disse que esteve muito mal porque não tinha de falar da equipa profissional. Se alguém queria passar uma mensagem tem de assumir isso e passar a mensagem. De futebol falo eu, o presidente e o engenheiro Luís Gonçalves, que é mais o elo de ligação entre o meu trabalho aqui e o presidente.
Aceita facilmente conselhos de comunicação?
Aceito, claro que sim. Há coisas que tenho de melhorar. Tenho essa noção. Falo da forma como se comunica, da possível estratégia de comunicação que haja do clube. Mas em todas as conferências, todas as mensagens que passei antes e após os jogos, fui sempre genuíno, saíram sempre da minha cabeça. Foi uma das coisas que pus no relatório que entreguei ao presidente. É importante haver uma estratégia de comunicação, é importante que se definam certas situações, para que haja uma só voz e não existam diferendos. E não houve. Correu bem. Mas tudo aquilo que eu disse foi de forma genuína, natural, aquilo que sentia no momento.
Se calhar nunca houve uma época tão atribulada como esta em matéria de ruído. Qual a quota parte de responsabilidade do FC Porto?
Essa é uma pergunta complicada (risos). Não gosto muito de falar "do" futebol. Gosto mais de falar "de" futebol. Aliás, é por isso que estava a achar muita graça a esta entrevista e nem dei pelo tempo passar. Adoro falar de futebol. Entrando neste lado do futebol, polémica houve sempre nos últimos anos. Os rivais, através dos departamentos de comunicação, passaram mensagens agressivas, fizeram esse jogo para lá das quatro linhas. Tornou-se uma moda, acho. Faz bem ao futebol? Acho que não. Estou de acordo? Não.
Passou por campeonatos complicados a esse nível. Na Bélgica, Grécia e Itália há até coisas piores do que em Portugal. Estaria numa boa posição para avaliar o grau de gravidade do que acontece aqui...
Nesses países havia os clubes que tinham mais peso e os outros a tentarem chegar ao nível dos melhores; havia sempre o lado de fora do futebol, o futebol falado, essa rivalidade na comunicação social... Aqui, nestes últimos anos, tem-se exagerado de forma incrível, nomeadamente com os programas desportivos que existem, com a tal doença, pela tal clubite que deixa praticamente as pessoas cegas e que torna isto quase insuportável. A quantidade de barbaridades que se dizem na televisão em horário nobre é incrível. Atenção que eu não sou santo, mas acho que se passou a fronteira daquilo que é a rivalidade de quem gosta de clubes diferentes. A partir do momento então em que se coloca em causa os protagonistas do jogo, treinadores e jogadores, isto virou lixo.
Não acredita em nada do que se tem dito que acontece?
Eu não quero acreditar, principalmente em coisas que dizem respeito a jogadores. Não quero, porque eu fui jogador durante 20 anos.
Nunca foi abordado para nada desse género?
Eu abordado? (risos) Fui abordado por algumas raparigas bonitas, mas se digo isto a minha mulher fica toda chateada (risos). Não... Aquilo que se vê hoje é impensável no futebol. Eu não estou a dizer que não possa existir, mas não quero acreditar nisso, porque o futebol é tão apaixonante e dá-nos tantas coisas boas, que pensar nisso mancha um bocadinho aquilo que é a ideia que eu tenho do futebol. Repito que não sou anjinho, sei que há coisas menos claras no futebol, mas não quero acreditar que jogadores possam entrar nesse tipo de situações que foram enumeradas, nomeadamente até com denúncias anónimas que eu nunca percebi muito bem. Percebi a finalidade,mas não porque as tornavam públicas. Uma pessoa pode dizer coisas só porque quer provocar alguma instabilidade em determinada equipa.
Culpa a Imprensa?
Como existem bons e maus jogadores, bons e maus treinadores, jornalistas, jornais e diretores de jornais é a mesma coisa. Ninguém é imaculado. E há sempre erros. Acredito que não há intenção, mas há a tendência natural da imprensa de encaminhar para onde quer. Nós não andamos nisto há dois dias.