ENTREVISTA (Parte 1) - No momento da despedida, o ex-líder da MAG portista deu entrevista a O JOGO e critica quem colocou em causa as eleições e assembleias.
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José Manuel Matos Fernandes despede-se do FC Porto com a garantia de Pinto da Costa de que será proposto para presidente honorário do clube e, em entrevista a O JOGO, passa em revista os últimos anos como presidente da Mesa da Assembleia Geral (MAG).
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O juiz conselheiro revela o que mais lhe custou ao longo do processo eleitoral, critica a norma que está a afastar os juízes do desporto, considera a escolha de Cláudia Santos para liderar o CD da FPF infeliz e promete ir aos Aliados se os dragões venceram a Liga. "Já tive melhores pernas, mas garanto que, para o mês que vem, quero estar lá. Depois alguém só tem de me trazer a casa", sorri.
Vai ser proposto para presidente honorário. Como reagiu à notícia?
-Com espanto. É um ato de uma generosidade enorme. Já há dois anos, na entrega de Dragão de Ouro de Dirigente do Ano, não queria acreditar. É um exagero, mas quem sou eu? Estou muito grato, honrado e orgulhoso. Não me comparo com os outros presidentes honorários do clube, a começar por Pinto da Costa. A AG ainda tem de decidir, mas não tenho nenhuma ansiedade. Se acharem que sim, muito obrigado. Se acharem que não, paciência.
A despedida do FC Porto foi a que queria?
-Excedeu todas as minhas expectativas. De tal maneira que, citando um ditado popular, disse que mais vale cair em graça do que ser engraçado. Sempre exerci as minhas funções de forma "low profile", não excedi um milímetro as minhas competências e as minhas atribuições, do mesmo modo que, enquanto presidia às AG, tinha a preocupação que tudo corresse dentro da maior normalidade e, sobretudo, contra o que dizem os nossos críticos, que falam do que não sabem, com a maior democraticidade.
Que comentário lhe merece essa insinuação?
-Um dos pontos dos nossos estatutos, que é de aplaudir, por não ser igual aos outros grandes clubes deste país, e que prova, uma vez mais, a falácia dessa crítica à falta de democracia no FC Porto, é a adoção do sistema "one man, one vote". Não há velhinhos como eu a despejarem nas urnas votos que valem oito, dez, 15, 20, 30, 40... Qualquer jovem que adquira o estatuto de associado sénior, e que tenha pago a quota do mês anterior às eleições, tem um voto igual ao do associado Jorge Nuno Pinto da Costa, por exemplo.
E a de nem todos falarem nas AG?
-O melhor que levo é o facto de tudo ter corrido com o maior civismo, nunca ter cortado a palavra a um único associado, quer os que diziam bem, quer os que criticavam. Choca-me que falem de sócios agredidos à saída das AG ou que só falava quem ia para lá bajular a Direção, porque é falso. Fiquei muito satisfeito com o modo como correram e mais satisfeito ainda com o que foi uma verdadeira prova de fogo, neste período pandémico, de ter sido capaz, com uma excelente equipa, organizar o processo eleitoral e umas eleições que correram da maneira que todos viram.
"Choca-me que falem de sócios agredidos à saída das AG ou que só falava quem ia para lá bajular a Direção, porque é falso"
Foi o seu maior desafio?
-Obviamente. Havia pouca experiência de atos eleitorais a sério, porque há quatro anos não havia concorrência e os boletins de votos nem tinham um local para assinalarmos a intenção de escolher os órgãos sociais que concorriam. Este ano não, as coisas fizeram-se como devia de ser e não me arrependo de ter passado o ato eleitoral para dois dias por causa do coronavírus. No segundo dia, votaram cerca de mais 400 eleitores do que na véspera. Se fosse num só dia, como mandam os estatutos, das 10h00 às 19h00, a fila ia para lá dos Carvalhos, passe o exagero. Uma das listas criticou-nos por isso, com receio de que durante a noite uma das candidaturas fosse engravidar as urnas, e achei isso...
O que mais lhe custou ao longo do processo?
-A suspeição de que pudesse haver chapeladas ou de tomar nota e de ter de despachar o requerimento de uma das listas, que também levantava as maiores suspeições a esse respeito, e que punha em causa, indiretamente, a minha honorabilidade. De tal maneira, que despachei com alguma crueza esse requerimento e, honra seja feita a essa lista, na volta do correio desfez-se em desculpas e reconheceu que tinha passado todos os limites razoáveis da luta eleitoral. Como também não gostei, não por mim, mas pela pessoa que é, de ver a capa de um conhecido jornal desportivo transcrever declarações de um candidato de uma outra lista em que dizia, mais ou menos, que ele era sério e honesto e que o candidato da Lista A não se podia gabar do mesmo. Esse senhor veio negar, as declarações estavam gravadas e achei isso uma extrema infelicidade. Não se pode descer tão baixo. Tudo o resto, na globalidade, excedeu as minhas melhores expectativas. Tive uma bela MAG e, sobretudo, uma grande "task force". Isto nunca é obra de uma pessoa só.
"Em todos os casos de dúvida optei pela interpretação que mais favorecia as outras listas"
Disse que acabou sempre por prejudicar a Lista A. Em que sentido?
-Em aspetos dos estatutos que permitiam mais do que uma interpretação. Em todos os casos em que tive dúvidas, que não foram assim tantos, optei pela interpretação que mais favorecia as listas que vinham a concurso. Não sou anjinho ao ponto de não imaginar uma grande superioridade da lista em que concorre um homem como Pinto da Costa. Eu próprio senti, ao longo do processo eleitoral, as dificuldades, perfeitamente naturais, de candidaturas de menor dimensão. Um exemplo: é preciso que existam 300 proponentes numa candidatura. Há quem entenda que, se há uma candidatura para a Direção e outra para o Conselho Superior (CS), que é uma lista autónoma, que têm de ser 300 mais 300. Eu considerei que 300 chegam e sobram para legitimar as candidaturas, mesmo com listas autónomas. Houve uma lista que apresentou os nomes para o CS todos e não apresentou nenhum termo de aceitação, que é indispensável. Concedi um prazo para isso e houve quem se opusesse, dizendo que essa lista para o CS não deveria ser aceite, mas aceitei-a e os termos de aceitação vieram depois. E outros exemplos menores se sucederam que fazem com que continue com a consciência tranquila, mas também com a certeza de que, na dúvida, a candidatura a quem coube a letra A, não se pode ter gabado de qualquer benefício ou qualquer prejuízo intencional.
"NÃO É HERESIA ESCOLHER POR GRATIDÃO"
Matos Fernandes considera "redutor" que durante a campanha se tenha colocado "muito o acento tónico num voto de gratidão" a Pinto da Costa. "Não vejo que seja heresia escolher alguém por gratidão. É indiscutível que os associados do FC Porto, durante largos anos, têm vivido numa fartura de alegrias como não há memória. Não tenho que criticar que se vote por gratidão", refere o juiz conselheiro. "Atingimos patamares que a minha geração, e mesmo a geração um pouco mais nova do que a minha, nunca, nem nos melhores momentos, pensou atingir. Estamos a atravessar uma fase complicada e difícil, mas temos a convicção de que a vamos ultrapassar", explica.