Matos Fernandes: a lei "hipócrita, repugnante" e "nomeação infeliz" de Cláudia Santos
ENTREVISTA (Parte 3) - De saída do FC Porto, Matos Fernandes reprova regra que obriga os juízes a pedir autorização para exercer cargo no desporto e aborda polémica em redor da candidatura de Cláudia Santos ao CD da FPF.
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Matos Fernandes endurece o discurso para comentar a norma prevista no novo Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), que obriga os juízes a solicitarem uma autorização ao Conselho Superior de Magistratura (CSM) para exercerem cargos no desporto.
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O que pensa da nova norma do EMJ sobre os juízes no desporto?
-É tão má, que recusei fazê-lo e renunciei às minhas funções logo no dia 2 de janeiro, porque acho que é inconstitucional e fere o princípio da igualdade e da proporcionalidade. Não voltei aos tribunais desde a altura em que tomei posse no primeiro governo do Eng. Guterres, em 1995. Passaram-se 25 anos! Ainda aceitava que o pedido de autorização fosse feito por quem está no ativo. Agora, jubilados? Não me sujeito a pedir autorização para exercer um direito e não tenho de o fazer. Além do mais, com a minha idade, nem sei se, ao pôr-me de joelhos, seria capaz de voltar a levantar-me.
Vê alguma incompatibilidade nos dois cargos?
-Nenhuma. E mais: o argumento de que os juízes não se devem misturar com gente de má nota, que no fundo é esse, porque o futebol faz-nos mal, podemos ficar viciados, é gente subalterna de que há que fugir... Vá lá, ainda nos deixam ver os jogos na bancada sem pedir autorização. Não sei se qualquer dia nos remetem para casa e só nos deixam ver pela televisão. Esse argumento é falsíssimo. Há gente boa, medíocre e má em todos os setores. Mais: como disse na minha carta de renúncia, não tenho memória de que um colega meu, no exercício de funções em organismos desportivos, ter envergonhado a classe.
De saída do FC Porto, por entender que não tem de se ajoelhar para exercer um direito, o juiz recorda que nunca um colega envergonhou a classe. Só falta ter de pedir autorização para ver os jogos...
O futebol corre o risco de perder os melhores?
-A lei é hipócrita, porque não fala só em futebol; fala em associações desportivas. Como se o xadrez e o badmington pudessem criar algum problema. Mas vai mais longe. Proíbe, inclusive, a permanência em sociedades anónimas desportivas. É uma sociedade comercial! As AG não são órgãos executivos. É de uma hipocrisia total. É repugnante. Qualquer dia, a ordem dos advogados, num acesso de loucura, faz o mesmo; depois a ordem dos médicos... Sei lá onde pode chegar.
Este afastamento...
-... de afastamento falo eu. Fui dos que, logo a seguir ao 25 de Abril, se bateu pelo sindicalismo judicial. Passaram-se 40 anos e, simultaneamente à minha renúncia ao cargo no FC Porto, demiti-me da associação. Era a última coisa que esperava na vida, porque cheguei a querê-la como um filho. Pus-me de fora. Até porque a associação sindical, pela voz do seu presidente [Manuel Ramos Soares], foi quem mais se bateu pela inclusão desta disposição.
"NOMEAÇÃO INFELIZ DE CLÁUDIA SANTOS"
Acredita que teria sido autorizado a continuar no FC Porto se tivesse pedido para continuar?
-Não tenho ilusões. Veja o que fizeram ao meu colega Santos Serra, que ia renovar a sua função de presidente do CJ da FPF e caiu na esparrela de pedir autorização. Levou tampa.
"Santos Serra pediu autorização para continuar no CJ e levou tampa"
O caso da deputada Cláudia Santos, escolhida para presidir o CD da FPF, acabou por ter um parecer favorável da AR. O que acha da escolha?
-Acho mal, até porque há um histórico de comportamentos e atitudes que dificultam, de certo modo, o exercício de funções no CD, que é um órgão importante, em que a imparcialidade tem de ser manifesta. Não ponho em causa que a senhora não seja ou não o venha a ser. Mas tem um passado recente que não ajuda muito. Custa-me a aceitar que, entre tanta gente eventualmente disponível, antes de as pessoas serem eleitas, já entrem com uma marca de alguma perda de imparcialidade que, neste momento conturbado que se vive no futebol, venha agravar ainda mais a situação. Não acho a nomeação feliz. Formalmente não havia obstáculo a que a senhora fosse para lá, porque ela não é magistrada como eu; é só professora de direito. Caso contrário, teria de pedir autorização e provavelmente diziam-lhe que não.
Que avaliação faz do trabalho de José Manuel Meirim?
-Parece-me que fez um bom mandato. Sendo um confesso adepto do Benfica, é sério, ferrenho, comportou-se com muita isenção, dignidade e independência. Acho que fez um bom lugar e deixa muitas responsabilidades a quem lhe sucede. Vamos ver.
"HÁ URGÊNCIA NA NOVA ADMINISTRAÇÃO"
Ainda é o presidente da Mesa da Assembleia Geral da SAD. Já há data para a tomada de posse da nova administração?
-Estou à espera que me indiquem os nomes, porque o aviso de convocatória tem de conter os nomes e um currículo dos candidatos. A lei manda que seja feita com 21 dias de antecedência e há urgência em que a nova administração tome posse. Podia ter marcado antes a AG, mas sendo o clube acionista maioritário e representado pela Direção, não parecia correto que uma Direção que já tinha ultrapassado o fim do mantado tomasse uma decisão tão importante como indicar a administração da SAD. Por isso, esperei que as eleições se fizessem para, quem propusesse os nomes da SAD, tivesse força e legitimação substantiva. Mas creio que não haverá de durar muito.
Desejo-lhe a melhor sorte pelo nosso clube
"Desejo a melhor sorte pelo nosso clube a Lourenço Pinto"
Algum conselho para Lourenço Pinto, que o rende na MAG do clube?
-Não precisa. É um jurista experimentadíssimo, que vai encontrar um conjunto de associados magnífico. Desejo-lhe a melhor sorte pelo nosso clube. É um portista de sempre, tem um larguíssimo currículo como dirigente associativo e tenho a certeza que não lhe esperam dificuldades que não seja capaz de ultrapassar.