Leça-Leixões: funerais e cadeiras a voar nas memórias antes de um dérbi escaldante
Leça e Leixões não se podem ver. Hoje há dérbi e O JOGO reuniu um adepto de cada clube para, com fairplay, se contar histórias de outros tempos.
Corpo do artigo
António Manuel, 50 anos, adepto do Leixões, já atravessou inúmeras vezes a ponte móvel que liga Matosinhos a Leça da Palmeira. Mas desta vez foi diferente. O fanático leixonense foi desafiado por O JOGO para ir a Leça, onde tinha à espera Luís Santos, ferrenho leceiro há 67 anos. E porquê? Porque hoje há um Leça-Leixões, para a Taça de Portugal, encontro que faz reavivar uma das mais escaldantes rivalidades do futebol português. São muitas as histórias que envolvem os dois históricos e algumas delas estão aqui compiladas nas próximas linhas, contadas pela memória de António Manuel e Luís Santos. Contudo, desengane-se que o debate entre apoiantes foi quente, como costuma ser o ambiente dentro e fora das quatro linhas. Houve troca de cachecóis, abraços e fotografias e enquanto a dupla posava para a lente de O JOGO, havia quem buzinasse e até... gritasse. "Ah Leixões!!", ouviu-se. A curiosidade dos transeuntes também era difícil de esconder. "Então vocês não se podem ver à frente e estão aí a tirar fotos? Deixem-me tirar uma para um amigo leceiro que não vai acreditar", interrompeu um homem que por ali passava.
Mas vamos às histórias. E aqui há de tudo. Cortejos fúnebres, apresentações com cadeiras a voar, ou árbitros auxiliares picados por guarda-chuvas... "As histórias não são assim tantas, pois as equipas não se defrontam tantas vezes, mas há histórias pitorescas sem que haja encontros. Dizem que, certa vez, o Leça desceu e os adeptos do Leixões fizeram o enterro do Leça. Pois entre os finais da década de 80 e inícios de 90, o Leixões desceu, o Leça subiu e os adeptos do Leça organizaram o funeral do Leixões, que saiu da Avenida Dr. Fernando Aroso e fomos em cortejo até metade da ponte móvel onde estavam alguns adeptos do Leixões à espera. Houve um confronto verbal e por aí ficou...", conta. "Antigamente, o campo do Leça era pelado e tinha um varandim a separar os adeptos do campo. Eu tinha à volta de dez anos, chovia torrencialmente e havia muitos guarda-chuvas com ponteira de aço. Há um lance, já não me lembro quem foi prejudicado, certo é que as pessoas tentaram picar o juiz de linha. Mais tarde, no mesmo campo, mas no verão, com muito calor e muito pó no ar, entrou pó para os meus olhos, fiquei momentaneamente cego, o jogo parou e fui assistido por ambos os massagistas", lembra, com um sorriso, António Manuel.
https://d3t5avr471xfwf.cloudfront.net/2018/09/leca_x_leixoes_20180929132524/hls/video.m3u8
Luís Santos foi, durante 13 épocas, árbitro dos distritais da AF Porto e chegou a apitar o Leça, mas desengane-se quem pensa que o coração falou mais alto. "Há quatro, cinco anos, num jogo de apresentação entre Leça e Leixões eu era árbitro auxiliar. Há um canto para o Leça e, no cruzamento, a bola sai um pouco do campo, mas o avançado marca. Toda a gente grita o golo, mas eu estava com a bandeira no ar. Escutei todos os nomes possíveis e andei uma semana a ouvirem dizer que eu não era leceiro", recorda. Mas há mais incidências entre vizinhos mesmo que as partidas fossem a feijões. "Em 2013/14, mais uma apresentação do Leça com o Leixões e, na primeira parte, a claque do Leixões resolveu começar a atirar cadeiras para dentro do relvado. Ficámos com um prejuízo de 200 cadeiras e a polícia foi chamada à pressa", atira Luís Santos. "Eu lembro-me disso, estava lá e não gostei", remata António Manuel. "É quase impossível não haver confrontos físicos entre adeptos num Leça-Leixões", refere Luís.
Dito isto, a temperatura ao início da noite de hoje em Leça promete subir. A casa vai encher e os velhos tempos serão recordados. Quem sabe se não existirão mais histórias para contar num próximo dérbi.
Jogo no sábado a fintar o fado
A lenda é clara: em dia de Procissão dos Passos, realizada na quadra pascal, o Leça não ganha. Amanhã, há cortejo em Leça da Palmeira, embora seja em honra de São Miguel Arcanjo. Porém, a convicção é a mesma entre os adeptos leceiros que acreditam que é o futebol que sai prejudicado quando a bola colide com manifestações religiosas. Ora, o jogo estava inicialmente agendado para amanhã, mas foi antecipado para hoje. "É verdade que o Leça não ganha no dia da Procissão dos Passos. Domingo [amanhã] é dia da Procissão de São Miguel Arcanjo, mas a situação é a mesma: em dias de procissão, o Leça não ganha!", dispara, convictamente, Luís Santos. Mas será mesmo verdade? "Eu acredito em bruxas... se calhar isto vai dar uma ajuda", afirmou o adepto leceiro. O JOGO quis saber, junto de António Pinho, presidente dos locais, se a mudança de horário teve algum fundo supersticioso. "Foi uma das razões", deixou escapar o dirigente, apressando-se a corrigir o raciocínio. "O Leça já ganhou em dias de procissão. O poder político iria estar presente no cortejo e, por isso, não poderiam assistir ao encontro. Logo, decidimos, também por essa razão, antecipar para sábado [hoje]", justificou.
Os velhos holofotes do Estádio do Leça vão iluminar uma equipa que, que durante quatro épocas (1941/42 e entre 1995 1998) viveu na I Liga, vão voltar a ser ligados e a ter futebol em horário nobre. Pela hora e pela enorme moldura humana que se espera, o imaginário de quem irá estar no palco leceiro vai, muito provavelmente, relembrar outros tempos. Tempos nos quais nomes como Constantino, José da Rocha, Nando ou Stojkovic ajudaram o Leça a permanecer na I Liga. Do outro lado, o Leixões já tem uma prova-rainha no currículo...