Eliminatória foi um hino ao futebol romântico: decidida nos penáltis pelo guarda-redes Gustavo Galil, acabou à mesa, com o herói a caminho de casa
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Cantada como "terra mais bonita de Portugal" e colocada no mapa da revolta popular pelo recente encerramento da refinaria da Galp, um golpe na economia local (e nacional), Leça da Palmeira tornou-se, por estes dias, a capital do futebol romântico graças à equipa do quarto escalão que, depois de eliminar o Arouca nos penáltis e o Gil Vicente, conseguiu superar-se no enredo e chegar aos quartos de final da Taça de Portugal com uma exibição para várias gerações recordarem. Equipas nortenhas do Campeonato de Portugal na liderança repartida das respetivas séries levaram a discussão para o prolongamento e daí para os penáltis. Foi então que o guarda-redes Gustavo Galil, 23 anos, habitual suplente, emergiu de novo como protagonista: defendeu dois dois remates e assumiu o que viria a ser o golo da vitória.
Pela primeira vez neste século, um clube do Campeonato de Portugal está nos quartos de final da prova que desagua no Jamor graças a um guarda-redes que, em três anos e meio, nunca foi titular
Para quem esteve no estádio ou seguiu a transmissão televisiva da eliminatória, a história encantadora da qualificação terminou aí - para trás ficaram imagens comoventes, como a do jogador do Paredes desolado ao ver-se expulso, quase no fim do prolongamento, e a cumprimentar o árbitro antes de sair do relvado ou a de Gustavo Galil a abraçar rapidamente o guarda-redes adversário, deixado ainda mais sozinho no meio da festa leceira - mas a realidade do futebol romântico, percebe-se depois, continuou com o mergulho na realidade do Leça. Prémio de qualificação não houve. "Não há", garante João Pedro, diretor desportivo, ex-defesa da casa.
"Gustavo é um agitador de balneário. Está sempre alegre, é contagiante"
A jornada acabou à mesa, num jantar pago com o dinheiro das multas (atrasos e outros incumprimentos têm preço, no regulamento interno dos clubes) e já sem Gustavo Galil, que foi passar o Natal em casa, no Brasil: no Instagram, despediu-se com um foto já no aeroporto e gratidão pelo "carinho". O herói "é um agitador do balneário", conta João Pedro. "Às nove e meia, está o Gustavo a chegar com a sua bolsinha e a sua coluna", para dar música aos dias. Tem efeito "contagiante". "Está sempre alegre", o que pode parecer simples, mas diz muito de quem "em três épocas e meia, nunca foi titular".
Esta época "dava um filme"
O título engana: esta época do Leça "dava um filme", suspira João Pedro, mas o que tem na memória é a "incerteza" no arranque, depois de uma subida à Liga 3 travada por uma dívida ao Estado que deixou o plantel a marcar passo no quarto escalão. Mudanças na SAD foram outro ingrediente de alto risco para quem, com Luís Pinto ao comando, arrancou para o campeonato com um plantel curtíssimo, reforçado com um júnior. A dificuldade talvez ajude a explicar a solidez do coletivo que não perde há dez jogos e com a eliminatória ganhou quatro dias de férias.