Declarações de José Mourinho, treinador do Benfica, em entrevista à UEFA
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Memória marcante: "Eu diria que foi o primeiro troféu que eu ganhei. O primeiro campeonato que ganhei. Acho que, como muitas coisas na vida, a primeira vez tem um significado diferente. Que depois é uma responsabilidade, porque, quando se faz alguma coisa de importante, o focus está, e espera-se sempre mais do mesmo. Mas eu penso que, mais do que a dimensão dessa primeira competição - que não foi nem a Champions, nem a Europa, foi simplesmente o Campeonato em Portugal -, a primeira vez que tu sentes 'ganhei' é forte."
Sem se sentir génio: "Eu nunca me senti génio. Eu nunca me senti... Provocador, talvez um pouco, mas diabo, nunca. Mas génio nunca me senti. Senti sempre que tenho, obviamente, capacidades naturais, e que fui adquirindo, para ser um bom treinador, como os grandes jogadores seguramente sentem. Há jogos na minha carreira em que eu senti 'ganhei'. Fui eu que ganhei. Este jogo fui eu que ganhei. Sinto. Às vezes, sinto. Porque às vezes tens cliques, tens decisões, tens estratégias, às vezes antes do jogo, mas outras durante o jogo. Aquelas que principalmente são durante o jogo, e que mudam completamente o cariz do jogo, fazem-me sentir 'esta é minha, esta parte de mim'. Mas nunca me senti génio. Senti-me sempre parte de um grupo, senti sempre que os jogadores eram mais importantes do que eu, senti sempre que estava ali para os ajudar, e não eu para ser o centro e o núcleo da situação. Isso nunca senti."
Perceção dos outros: "É uma coisa que eu não posso controlar. Ainda há pouco tempo diziam que eu, nestes últimos anos da minha carreira, não tinha ganho tantos títulos como tinha ganho no passado. OK, é verdade, mas quantos treinadores na Europa é que fizeram 2 finais europeias nos últimos 5 anos? É que não é nos últimos 25, é nos últimos 5. Nos últimos 5, eu fiz 2 finais europeias. Quem é que fez 2 finais europeias? Não são muitos, devem ser 2 ou 3 treinadores que o fizeram. Portanto, às vezes as pessoas medem-me por coisas que eu consegui e não pela realidade do momento. Mas é problema das pessoas, não é problema meu."
Vencedor: "[Setbacks ajudaram no percurso?] Eu verdadeiramente não considero setback, porque... eu saio do Chelsea depois de ter ganho a 3.ª Premier League, depois de ter ganho a 4.ª League Cup, e saio. Saio do Manchester United depois de ter ganho a Europa League, depois de ter ganho a Taça de Inglaterra, depois de ter ficado em 2.º lugar no Campeonato, depois de ter ganho a Supertaça. Eu saio do Tottenham depois de levar o Tottenham a uma final de Taça. Eu saio da Roma depois de ter ganho a Europa Conference League e depois de ter levado a Roma a uma 2.ª final consecutiva, neste caso na Europa League. O único clube de onde saí com o sentimento de 'aqui não foi feita história' foi agora recentemente no Fenerbahçe, mas é uma realidade que está um bocadinho desfasada daquilo a que nós estamos habituados. Eu não sinto como setback."
Museu é história: "O sucesso? Tenho lá uma sala em casa onde guardo as réplicas e algumas medalhas e algumas camisolas, e é museu. Eu digo sempre 'museu é história'. A história é intocável, mas não faz parte do meu quotidiano, não faz parte do meu dia a dia, não faz parte do meu presente, não faz parte do meu futuro, completamente. Aquilo que eu sou hoje é aquilo que eu sou hoje, e não aquilo que eu fiz no passado. Eu sou julgado por aquilo que faço hoje, a minha motivação é aquilo que eu faço e aquilo que eu quero fazer, não é aquilo que eu fiz. Eu não tenho muito tempo de refletir, nem quero refletir. Talvez um dia tenha tempo para o fazer, agora não tenho tempo, nem faz parte da minha mentalidade. Eu digo sempre 'podem roubar-me tudo, mas a história que eu fiz ninguém ma poderá roubar'. Mas já está. Quando tu estás no ativo, quando tu trabalhas, quando tu tens ambições, aquilo que foi feito não conta. Eu não acredito que os grandes jogadores que ainda jogam, ou até ao final da carreira deles, pensem muito naquilo que eram, naquilo que tinham feito. Depois de deixarem de jogar, aí, sim. Depois de deixarem de jogar é que eu acredito que eles têm tempo para perceber aquilo que fizeram."
Gestão dos momentos: "Nós às vezes não não desfrutamos tanto daquilo que conseguimos quanto deveríamos, mas depois continuamos a sofrer tanto com os setbacks, com as coisas que não se faz... No outro dia, mesmo em conversa com o meu staff, eu dizia temos de começar... não de um modo louco, como é óbvio, mas temos de desfrutar um pouco mais das coisas boas, porque depois, quando as coisas más acontecem, não há maneira de escapar. Agarram-nos, o insucesso agarra-nos e não nos deixa fugir. Somos obrigados a dormir mal depois do jogo que perdemos, somos obrigados a acordar mal no dia seguinte, somos obrigados a querer estar isolados e a não contactar com as pessoas. Disso, nós não conseguimos fugir. Se não conseguimos fugir disso, quando as coisas correm bem, temos de desfrutar um bocadinho mais, isso, sim. A vida de jogador e de treinador é a melhor vida do mundo até ao jogo. Depois, o jogo é, digamos, o êxtase. E depois do jogo vem a alegria da vitória, a frustração da derrota. Normalmente, a alegria da vitória nós não conseguimos... ou pensamos logo no jogo seguinte, e não temos tempo de desfrutar verdadeiramente de. Mas no momento da derrota, ela não foge de nós, ficamos com ela durante algum tempo."