Presidente da Liga está sob ataque por causa de um assunto levantado há quase um mês, sem contestação e com abertura das operadoras.
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Uma carta enviada a 26 de abril pelo presidente da Liga ao ministro da Economia, apelando ao reatamento das competições, foi o primeiro de dois documentos que conduziram a uma surreal reunião de presidentes da Liga na passada quinta-feira.
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Durante essa videoconferência, o presidente do Braga pediu a demissão dos clubes que compõem a comissão executiva da Liga por terem autorizado ou por desconhecerem a proposta feita por Pedro Proença ao ministro de que pelo menos uma parte dos jogos em falta fosse transmitida em canal aberto. Em sequência, o Benfica demitiu-se da CE e Proença agendou uma assembleia geral para referendar a sua permanência no cargo. O que esteve em causa?
26 de abril
Pedro Proença envia uma carta ao ministro da Economia, cinco dias antes de ser tomada, pelo Governo, a decisão de retomar ou não o futebol. Na mensagem, que leva anexado um estudo mais profundos dos impactos da paragem para os clubes, o presidente da Liga solicita que o futebol seja incluído nas atividades económicas a retomar depois de concluído o estado de emergência. Detalha também a variedade de profissionais que dependem daquela área, menciona o volume de negócio em causa (851 M€), os impostos pagos (150 M€) e o cálculo dos custos de um eventual cancelamento da I Liga: 318,5 M€, que seriam reduzidos a 127 M€ caso o campeonato fosse retomado. É mencionado o facto de os clubes terem ficado de fora do acesso às linhas de crédito bancárias para a COVID.
Mas os parágrafos fundamentais são outros. "É necessário também que o calendário desportivo seja retomado", escreve Proença, "de forma a todos os stakeholders envolvidos na indústria continuem a apostar no futebol, e que as operadoras recebam as suas contrapartidas, garantindo os mais de 50 milhões de euros que farão a diferença entre a solvabilidade ou não solvabilidade do setor, nos próximos tempos." Só umas linhas mais abaixo levanta a possibilidade que terá feito explodir de ira alguns presidentes: "Podendo-se solicitar aos operadores que colaborem com o futebol e com os adeptos transmitindo os jogos, ou pelo menos parte deles em canal aberto."
O que resta: uma carta em que Pedro Proença defende as contrapartidas de NOS e Altice, outra a Marcelo para conversar sobre as transmissões, e nenhum debate interno sobre a bondade da ideia
28 de abril
Embora a carta de Proença permaneça ainda desconhecida, Alexandre Fonseca, CEO da Altice, que detêm os direitos TV de quatro clubes da I Liga, é questionado pelos jornalistas sobre o tema. Diz que "nada indica" a solução de transmissões em canal aberto, mas mostra-se "disponível para falar e negociar".
29 de abril
O Correio da Manhã publica uma notícia, nunca entretanto desmentida, dando conta de que os operadores Altice, NOS e Vodafone estão recetivos a negociar, de resto como assumira na véspera Alexandre Fonseca. O CM faz contas: um jogo do Benfica em casa pode custar 2,2 milhões de euros nessa eventual negociação.
5 de maio
O secretário de Estado do Desporto assume, em entrevista à Antena 1, que a transmissão de jogos em canal aberto está em cima da mesa. Explica que o assunto "ainda não foi discutido com os operadores, com a própria Federação Portuguesa de Futebol, com a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, mas está na cabeça de todos nós." A afirmação tem chamada de capa em alguns jornais. A preocupação é evitar aglomerados de pessoas junto a locais públicos com Sport TV, dado que os jogos decorrerão à porta fechada.
8 de maio
Pedro Proença envia à Presidência da República não exatamente uma carta, mas antes um pedido de audiência, ao qual Marcelo Rebelo de Sousa nunca chega a responder. No documento, é explicada ao Presidente a situação do futebol profissional sem os detalhes da carta ao ministro da Economia. A frase-chave é: "Vimos interpelá-lo para connosco diligenciar no sentido de estes jogos passem em canal aberto", admitindo que "com S. Excelência a liderar este propósito imediato da Liga de defender atletas e cidadãos (...) os operadores poderão vir a aceder a tal desiderato".
12 de maio
Num podcast do Jornal Económico, o secretário de Estado João Paulo Rebelo volta ao tema dos jogos em sinal aberto, esclarecendo que os operadores mantêm todos os seus direitos intocáveis. "Mas abrimos a porta a soluções criativas."
Três dias antes da reunião com os presidentes, Pedro Proença envia ao conselho de administração da Sport TV, onde têm assento NOS e Altice, um terceiro documento com o objetivo de esclarecer o conteúdo dos dois anteriores
18 de maio
Três dias antes da reunião com os presidentes, Pedro Proença envia ao conselho de administração da Sport TV, onde têm assento NOS e Altice, um terceiro documento com o objetivo de esclarecer o conteúdo dos dois anteriores, que entretanto chegara ao conhecimento do canal. Proença invoca o facto de nunca ter posto a possibilidade de não haver ressarcimento às operadoras pelos eventuais jogos em canal aberto. É verdade, como já aqui se escreveu, que essa ressalva existe na carta ao ministro da Economia, mas não consta do pedido de audiência ao Presidente da República. O presidente da Liga explica também que está a seguir recomendações "dos peritos de saúde" e que "o projeto [das transmissões em sinal aberto]" já fora "assumido publicamente pelo secretário de Estado da Juventude e do Desporto".
21 de maio
Ao contrário do que foram adiantando alguns órgãos de comunicação social na quarta e na quinta-feira, nenhum clube viria a pedir a demissão do presidente da Liga, nem se confirmaria uma aliança contranatura entre FC Porto e Benfica para o fazer cair. Pedro Proença e a Direção da Liga (onde estão os três grandes) são confrontados pelos clubes, em reunião por videoconferência, sobre as cartas, das quais dizem não ter conhecimento. Salvador pede a demissão dos clubes da Direção da Liga, não do presidente, mas Proença agenda uma assembleia para referendar o seu posto, em função de tudo o que se fora dizendo e escrevendo durante a semana.
22 de maio
A um ano e dois meses de terminar o contrato de patrocínio com a Liga, a NOS decide emitir um comunicado anunciando a decisão de não o renovar. A precocidade do aviso é explicada com a necessidade de dar tempo à Liga para procurar uma alternativa. O facto de o aviso ter sido público e coincidente com um momento de fragilidade de Pedro Proença não chega a ter qualquer explicação. "A NOS entende ser oportuno." O Benfica anuncia que abandona a Direção da Liga e o FC Porto faz o contrário.
A maior ameaça ao reatamento do campeonato é, de longe, o público
Conclusão
A maior ameaça ao reatamento do campeonato é, de longe, o público. Oitenta por cento da população não tem acesso à Sport TV. Caso Pedro Proença conseguisse convencer o Estado a subsidiar os jogos em canal aberto, seria difícil encontrar alguma objeção racional. Na carta ao ministro da Economia está, de facto, bem expresso o imperativo de garantir as contrapartidas das operadoras. Por outro lado, esse tema está na esfera pública há um mês, sem qualquer tipo de contestação, fora ou dentro da liga. Das operadoras, o único sinal foi a disponibilidade para conversar, o que seria natural, porque nunca se fecha a porta a um eventual bom negócio. Até quinta-feira, nunca pareceu um tema fraturante.