João Mário, promessa do FC Porto: dos 1470 toques aos golos que levavam avó à falência
Só à terceira tentativa é que o extremo que Conceição chamou teve coragem para se estrear na Sanjoanense. O resto são 13 anos cheios de histórias, que O JOGO lhe conta.
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Quando Mário Jorge e Susana Neto tiveram o primeiro filho, nenhum deles imaginaria que os anos seguintes seriam dominados pelo futebol, embora isso já fizesse parte da família.
A 3 de janeiro de 2000, dia do nascimento de João Mário, o pai, Mário Jorge, defesa-central natural de São João da Madeira, jogava no Cesarense, numa carreira que só acabaria em 2008 e que foi feita sempre em clubes da AF Aveiro.
O padrinho André, irmão de Susana, também foi jogador de equipas aveirenses. João Mário tinha o ADN de futebolista e conquistou Sérgio Conceição, mas a entrada no desporto-rei não foi às claras. A timidez que ainda hoje o caracteriza só lhe permitiu entrar à terceira tentativa na escola de futebol da Sanjoanense. "Os treinos eram à terça e quinta-feira. O João disse-me que queria ir. Na terça-feira fui buscá-lo à escola, equipei-o e depois desço as escadas da casa e fico à espera dele em baixo. O João desce um degrau e pára. Perguntei-lhe se não vinha e ele disse que já não queria. Troquei-lhe a roupa e ele ficou a jogar playstation. Na quinta-feira, o mesmo procedimento, ele já desce quatro degraus e começa a não querer meter o pé no quinto. Voltámos a ficar em casa e só na terça-feira seguinte é que acabou por ir mesmo. Nunca o forcei", recorda Mário Jorge para exemplificar o feitio do avançado: tímido sem bola, um fantasista com ela: "Comia com a bola debaixo dos pés, fintava as mesas... andava sempre com a bola".
Chegou a ter "aversão" a rematar com a canhota, mas hoje é ambidestro. Marcou 80 golos numa só época e quando perdeu a dar toques com a bola, revoltou-se. É aposta do FC Porto para o futuro
Quem conhece o extremo, diz que não sabe qual é o seu pé mais forte. Porém, nem sempre foi assim e um incidente em casa chegou a fazer com que João ganhasse alguma aversão ao esquerdo. "Antes de ele entrar para o futebol, jogávamos em casa. Ele chutava forte com o pé direito, mas eu disse-lhe que tinha que chutar com o esquerdo. Tínhamos uma rampa na parte de fora de casa e ele dizia que com o pé esquerdo a bola nem chegava ao meio da rampa, mas lá experimentámos. Da primeira vez, chutou muito bem e a bola entrou pela garagem dentro. Na segunda, deu trambolhão por ali abaixo e ficou com aversão. Contudo, sempre foi conhecido por jogar com os dois pés", explica o pai.
Recorde de 80 golos e um desafio até adormecer
Na Sanjoanense, garante o padrinho, "partia a loiça toda" com Rafael Cardoso, também ele extremo que jogou esta época no Leça, do CdP, e que coincidiu com João Mário durante dois anos no FC Porto. "Pegava na bola na área dele e o lance acabava com golo na outra área", sublinha André Neto, também conhecido por Charuto. "Chegava a marcar dez golos por jogo", lembra Rafael. Nos Sub-11 dos dragões, marcou cerca de 80, um recorde, mas os números na Sanjoanense também não andavam muito longe disso. A avó materna, Conceição Neto, dava-lhe cinco euros por cada golo e às vezes praguejava pelo dano financeiro. "O João marcava um golo e a minha mãe dizia "ai Jesus que já fiquei sem cinco euros". Depois entravam mais uns quantos e ela começava a somar. Mas houve uma altura em que o João não estava a marcar muito e no grupo das mães dos atletas brincavam muito com a avó do João e e disseram-lhe: "D. Conceição, o seu neto não marca... tem que subir a parada para uns 50 euros". Ela aceitou e no jogo seguinte ele marca logo dois golos", ri Susana Neto, a mãe de João Mário. "Ai meu deus... uma mulher ganha o salário mínimo na fábrica e tem que pagar 100 euros", praguejou a avó. "As outras mães diziam-lhe para fazer um crédito e a minha brincava que tinha que pedir à Cofidis", continua. "Às vezes dava o dinheiro às escondidas do avô, mas depois deixei-me disso. Houve um jogo em que ele marcou muitos e eu não lhe paguei. Deus me livre, não ganhava para lhe pagar", brinca Conceição Neto.
A competitividade de João Mário notava-se também fora do campo. Mas sempre com o futebol enquanto pretexto. "Era altura da Páscoa, o João tinha 10 ou 11 anos e o pai e o padrinho, para o entreterem, foram dar toques na bola para ver quem ganhava", conta Susana. "Ele, na brincadeira, deu 20 ou 30 toques. Eu e o pai, como jogávamos e éramos competitivos, não o deixávamos ganhar e demos 200 ou 300. O João ficou doido, disse que não podia perder e exigiu mais uma tentativa. Deram a bola ao menino e ele ficou 20 e tal minutos a dar toques... Foram 1470. Fomos comer a sobremesa e ele sempre a dar toques", acrescenta André Charuto. "E houve uma vez em que ele disse que ia fazer ainda melhor. Adormeci...", sorri.