João Diogo Manteigas: "Benfica já devia ter um naming para o estádio há muito tempo"
João Diogo Manteigas, candidato à presidência do Benfica, deu uma entrevista à Rádio Renascença, esta terça-feira
Corpo do artigo
Críticas à presidência de Rui Costa: "A avaliação é negativa, como é óbvio, caso contrário não me tinha candidatado. Candidato-me por duas razões: porque o mandato desta direção, nos últimos quatro anos, falhou; e, por outro lado, porque só agora é que me pude candidatar ao Benfica porque o Benfica, até 8 de março de 2025, tinha uns estatutos que me proibiam de me candidatar. Só com 43 anos e 25 anos de sócio efetivo. Cumprido esse pressuposto, graças a Deus os estatutos também mudaram, o que permite a todos os candidatos se poderem candidatar também. O falhanço deste mandato de Rui Costa, com a sua direção, é evidente, porque falhou desportivamente, institucionalmente e até em termos de política interna. Bom, desportivamente é fácil, não é? Um campeonato, duas Supertaças e uma Taça da Liga. Isto é muito pouco para 435 milhões de euros investidos em jogadores, não obstante terem sido vendidos 705 milhões de euros. Depois, o institucional é algo que nos diz muito. Acho que o Benfica se posicionou e apoiou quem não devia ter apoiado, nem que seja por mero respeito àquilo que é a visão dos benfiquistas. Não é nenhum segredo ou, pelo menos, é o segredo mais mal guardado, se quisermos. Os benfiquistas, na sua generalidade, focam-se em pessoas e a pessoa de Pedro Proença, na Liga Portuguesa e que depois transitou para a Federação Portuguesa de Futebol, não é uma pessoa que os benfiquistas entendem ser um bom líder para qualquer entidade desportiva em Portugal e o Benfica solidarizou-se com o projeto Pedro Proença, como diz Rui Costa. Eu acho que o Benfica podia, obviamente, relacionar-se e deve relacionar-se, isso é que eu quero quando for presidente do Benfica, com a Federação Portuguesa de Futebol na pessoa do Pedro Proença. Acho que não deve ser promotor das ideias de Pedro Proença por respeito aos benfiquistas. E então o que é que tem de fazer? Tem de exigir, tem de assacar, ideias, projeto e visão, posicionamentos, à federação e à Liga Portuguesa, agora na pessoa do doutor Reinaldo [Teixeira]. E, depois, uma política interna quando, durante o mandato de quatro anos, tivemos n pessoas que saíram do Sport Lisboa e Benfica, mas em particular duas pessoas que gosto sempre de relembrar, porque Domingos Soares de Oliveira era inevitável que saísse. Miguel Moreira não fazia parte da candidatura, mas era um administrador com muito peso, a par do Domingos Soares de Oliveira, na SAD do Benfica. Falo, obviamente, de Luís Mendes, que era uma pessoa próxima, era alguém que saiu fora da caixa da candidatura de Rui Costa, era um amigo muito pessoal de Rui Costa, uma aposta de Rui Costa. E também de Jaime Antunes. São duas saídas cujas declarações levantaram muitas dúvidas e muita celeuma para o Benfica."
Como segurar jogadores do Benfica cobiçados? "Não vamos confundir as coisas, uma coisa é o Benfica ter necessidade de vender, outra coisa é como é que se agarram jogadores. São coisas diferentes. O Benfica não tem caixa, o Benfica tem um problema de caixa, um problema de tesouraria, não é um problema contabilístico. O Benfica apresentou agora contas positivas, em setembro, quer na SAD e depois através do MEP [método de equivalência patrimonial] para o clube. O problema é que as pessoas e os sócios, na sua generalidade, não têm conhecimento suficiente para poderem aferir porque é que as contas foram positivas ou, por outro lado, quando chegam à assembleia geral, perguntam aos dirigentes e os dirigentes não respondem. Eu, por exemplo, fiz cinco perguntas na assembleia geral na prestação de contas e responderam-me a meio a duas, a metade de duas. Portanto, uma coisa é como é que nós apostamos e retemos talento; outra é a necessidade de termos de vender. A necessidade de termos vender respondo simplesmente: o Benfica não tem tesouraria, não tem caixa, tem custos acima das suas receitas e portanto tem de vender jogadores que são as receitas extraordinárias, porque os direitos audiovisuais estão consumados, os patrocínios são muito poucos, o Benfica tem na SAD à volta 24 ponto qualquer coisa milhões de euros para esse efeito. Não tem naming no estádio. E, portanto, é inevitável que tenha de apostar nas vendas de jogadores para poder manter-se à tona da água. Outra coisa que me diz muito é a aposta na formação e a retenção desse talento. Esse é um processo que demora tempo, porque tenho de provar não só ao jogador que ele pode chegar lá, como tenho de provar à família e aos agentes dele. Como é que faço isso? Apostando neles. Se o João Neves tivesse visto o seu salário ser aumentado, se lhe tivesse sido entregue a braçadeira de capitão, logo naquele ano em que apareceu e assim se fixou, em que se tinha percebido que era um jogador diferenciado. Quando falo em João Neves, posso falar de Gonçalo Ramos porque sei que, e Roger Schmidt até já disse isto publicamente, ele não queria que o jogador tivesse sido vendido, como posso falar de outro jogador qualquer da formação. Eu tenho de fazer esse trabalho antecipado, eu tenho de lhes dar a confirmação e a certeza de que vão chegar à equipa A, vão ter sucesso desportivo na equipa A e que eu vou fazer de tudo para os poder reter. Obviamente que, excecionalmente, posso ter de vender necessariamente algum jogador destes por causa da mais-valia. Um jogador da formação tem uma mais-valia que qualquer outro jogador que eu contrate não tem. Quando contrato um Kokçu ou um Ríos por 27 milhões e 25 milhões, eu não vou ter uma mais-valia superior porque tenho de vendê-lo por mais do dobro para poder ter uma mais-valia considerável. Os jogadores de formação têm essa mais-valia, é custo zero. O Benfica vende estes jogadores por uma questão de ordem financeira, como é óbvio. Não há projeto desportivo para jovens. Temos quatro jovens no plantel principal, neste momento, e só João Rego é que vai jogando de vez em quando. Não estou a contar com o António Silva, porque é um jogador que já está cimentado na equipa já há alguns anos."
Bom exemplo da formação do Benfica: "Eles têm saído muito cedo por uma questão financeira, isso é evidente. Não há aqui nenhum segredo, está à vista desarmada de todos. O Rúben Dias é um exemplo muito bom, tal como o João Neves, que é campeão e depois é campeão europeu, não é uma brincadeira. O Rúben Dias sai do Benfica, chega à Premier League e, no ano a seguir, é o melhor defesa e um dos melhores jogadores da Premier League. O Benfica forma bem, o Benfica não beneficia desportivamente dos jogadores. O que o Benfica tem de fazer é reter esse talento até uma determinada idade. Entendemos que é até aos 24 anos. É um produto finalizado de um jogador, um jogador completo, um homem completo. Ou, se quisermos aplicar no futebol feminino, temos uma mulher completa em termos formativos, de casa, desportivamente preparada para sair e jogar em qualquer liga. O que o Benfica não conseguiu fazer foi exatamente isso, reter esse talento e só depois vender o produto finalizado, lamento estar a utilizar esta expressão mas é de facto a melhor que posso para tentar que as pessoas percebam, porque repare: quando é que Rúben Dias foi vendido? Foi em 2020, no ano da covid, quando havia eleições, quando Luís Filipe Vieira entendeu que tinha de gastar 100 milhões de euros em jogadores. Tinha de vender também para ter dinheiro, como é óbvio, e no negócio de Rúben Dias tentou trazer alguém com experiência, mas que não tem a rentabilidade, que neste caso foi Otamendi. Nada contra Otamendi, é um jogador altamente profissional, é dos poucos que ficou ao longo de cinco anos, é um bom exemplo de profissionalismo, é um excelente capitão... mas depois trouxe também esses problemas, não é? Mal chegou, o Jorge Jesus, o treinador contratado para essa época, também lhe entregou de bandeja a braçadeira de capitão. Quer dizer, há um desvio daquilo que são os padrões, valores, princípios e história do Sport Lisboa e Benfica, é o mercantilismo puro a funcionar. E o Benfica, nestes 25 anos, não olhou para o que é o Benfica, olhou para as necessidades financeiras, para o mercantilismo puro. Este é o princípio com o que o Benfica se rege, hoje em dia, que vai acabar em outubro, estou convicto disso."
Se um jogador sai da formação do Benfica e não tem sucesso, é má publicidade para o clube? "É, mas repare: o risco está sempre lá. O nosso modelo desportivo assenta em três vetores, um deles é a formação, a aposta no risco que é a formação. Temos de estar conscientes que os jogadores podem falhar, mas uma contratação de 27 milhões de euros também não pode falhar? Uma de 30 não pode falhar? Kokçu não falhou, por 25 milhões de euros? Arthur Cabral não falhou? Jurasek não falhou? Posso estar aqui a tarde toda a dar exemplos. Há aqui questões que as pessoas têm de olhar e pensar assim: qual é a margem de risco que prefiro adotar e defender entre um jogador que custa 25 milhões e um jogador que me custou quase nada e com quem eu tenho de ser mais condescendente, mais pedagógico? É o jogador da formação. Tenho de assumir o risco e prepará-lo psicologicamente: não é fácil jogar no Estádio da Luz, não é fácil jogar no Benfica. Um jogador que vem, uma contratação cara, significa que é um jogador já experimentado, tem futuro mas vem com alguma tração. Pode chegar aqui e está preparado para grandes palcos, supostamente. Um jogador da formação não, o maior trabalho que temos de garantir com jogadores da formação é prepará-los psicologicamente para jogarem pelo Benfica, esse é que é o grande segredo que temos de combater."
Defende a suspensão do processo para a centralização dos direitos televisivos: "Porque, neste preciso momento, não sabemos qual é a chave do modelo que a liga e a federação querem. Veja-se rapidamente: a liga apresentou um modelo à Autoridade da Concorrência sem o apoio da Federação. Portanto, eu desconheço hoje se a Federação debateu com a liga este modelo que foi apresentado. Eu tive acesso ao modelo, confesso-lhe, trabalhando na área há 18 anos, e não consigo perceber qual é o modelo. Tem ali algumas semelhanças com o modelo espanhol, mas não consigo perceber. Depois, digo-lhe outra coisa: qual é a lógica de apresentar um modelo sem saber qual é o interesse em comprar o produto do futebol português? Começa-se a casa pelo telhado. Eu tenho de ir auscultar o mercado para saber, primeiro, quem é que tem interesse em comprar a primeira e, já agora, a segunda liga portuguesa. Não sei se faz parte deste modelo a segunda liga portuguesa. Repare: se a segunda liga fizer parte deste modelo, então temos aqui um problema. A segunda liga é uma liga amadora, não é profissional. É profissional para efeitos de quadros da liga e do ecossistema onde vive, mas eu digo que é uma liga amadora porquê? Porque as receitas dos clubes, das sociedades desportivos da segunda liga, são inferiores aos custos que têm. Não é sustentável a segunda liga. Tenho de perceber se isto está dentro da centralização ou não. Não sabemos qual é o modelo que está a ser apresentado. O Benfica ainda teve o problema, a agravante, de ter saído da mesa de negociações, não participou na reunião final que ratificou aquele modelo para ser apresentado na Autoridade de Concorrência. Eu digo isto, que deve ser suspenso, com três justificações: não sabemos a chave do modelo, não é uma questão só de dinheiro, é uma questão de sustentabilidade do futebol português. Ouvi António Silva agora recentemente, no Football Summit, a dizer que o Braga fez um grande trabalho sob a presidência dele, para ter condições para tentar combater com os outros três grandes e também outra coisa que foi: os três grandes têm de perceber que os outros têm de ganhar mais dinheiro. Reconheço o trabalho de António Salvador no Braga, é um bom exemplo de quem com pouco conseguiu fazer muito, não obstante de discordar por completo com o tipo de presidência de António Salvador, não concordo com ele relativamente ao 'sistema robin hood", que é "temos de tirar dinheiro aos grandes para termos mais dinheiro". Não é assim que funciona, até me parece antagónico nas palavras de António Salvador. Tanto trabalho que fez com o Braga e ainda está a pedir dinheiro aos maiores para receber. Não é assim que deve funcionar."
Reduzir o número de clubes na I Liga: "Não digo até 14, defendo a redução imediatamente até 16 clubes já, porque foi isto que aconteceu em 2007. Entre 2007 e 2014, o objetivo da federação e da liga era sempre reduzir o número de clubes, para tornar a liga mais sustentável. Isto não é nenhum segredo, está no protocolo entre federação e liga, e o objetivo político era este, sob a presidência de Gilberto Madail, depois prosseguida por Fernando Gomes. O problema deu-se com Gil Vicente e Boavista, casos judiciais, tiveram de ser reintegrados na primeira liga e nunca mais se voltou a reduzir o número de clubes, portanto eu defendo a redução para 16 clubes imediatamente. Não resolve o problema, mas a médio prazo podemos pensar numa segunda volta em que um X número de clubes combatem por ganhar o título de campeão. Outra coisa: retirar o formato da Taça da Liga como está hoje, não é acabar com a Taça da Liga, é recolocar na agenda desportiva noutro local. Entendo que a Taça da Liga pode ser o primeiro evento desportivo. Falta dizer uma coisa importante: qual é o objetivo, para além do financeiro, da centralização dos direitos audiovisuais? Deve ser ter um produto, aqui sim a expressão produto, que seja interessante, competitivo, transparente e coeso. Como é que isso se obtém? Aumentando a competitividade. Os três grandes são competitivos entre eles. Mas o Vitória, o Braga, o Famalicão agora e o Santa Clara, etc, não são competitivos entre eles. O objetivo aqui é que os três clubes grandes que vão, cronicamente, às competições europeias se mantenham competitivos. Daí estar a retirar a Taça da Liga de janeiro, porque novo o formato da Liga dos Campeões meteu mais dois jogos em janeiro. Por outro lado, e aqui é que está o busílis da questão e com isto termino, os clubes intermédios em Portugal têm de se tornar mais competitivos, não é uma questão de dinheiro. O Braga recebe tanto como o PSV, que é campeão nos Países Baixos. Portanto, a questão financeira é falsa. É uma falsa questão. Querem ganhar mais dinheiro? Certo, têm direito, mas o Benfica, e já agora o Porto e o Sporting, não têm de perder o que recebem hoje. Lamento. Não é a tirar dinheiro aos três grandes que os outros devem receber mais dinheiro."
Naming do Estádio da Luz: "Claro que há sempre linhas vermelhas no aspeto cultural. Repare, o Benfica não vai fazer um naming do estádio, hoje em dia, com uma empresa russa, uma Gazprom, por mais dinheiro que tenha, por uma questão evidente, ou com uma empresa israelita ou de outro país qualquer que esteja, neste momento, em convulsão social e com uma imagem social que não se adequa aos princípios do Benfica. Acho que o caminho não é por aí. Tenho de fazer a destrinça entre dois tópicos muito importantes: o Benfica já devia ter um naming para o estádio há muito tempo. É uma questão de receita adicional, até podia ter começado com um valor baixo, porque ao longo dos anos todos já tinha ganho alguma receita. O naming divide-se em dois porquê? Ou o Benfica alcança já alguém, um parceiro estratégico, e os valores andam sempre, com o estádio que o Benfica tem sem atualização, à volta de no máximo 10 milhões de euros. Já falei com uma grande empresa americana que atua no setor de desporto, nomeadamente na Fórmula 1, é uma empresa muito conhecida, enfim, investe muitos milhões de euros no desporto. O valor que está sempre em cima da mesa é esse valor, entre 5 a 10 milhões por ano. Depois, temos aqui uma outra parte que é muito importante as pessoas perceberem: o que os estudos revelam, teoricamente, para que seja um naming mais proveitoso, acima desse valor, é necessário construir um estádio novo. Foi isto que aconteceu com o Real Madrid, para captar patrocinadores, foi isto que aconteceu com o Barcelona com a Spotify e é isto que acontece em qualquer lado do mundo, porque estamos a construir algo novo e o parceiro estratégico vai criar uma parceria nova a começar do zero e está a investir também na reconstrução deste estádio. Há um estudo de uma consultora, que fez a segunda auditoria forense ao Barcelona quando o Laporta venceu as últimas eleições, que diz claramente: o naming do estádio é uma oportunidade única no mercado mas, para isso, convém que seja feita uma infraestrutura nova, ou seja, um estádio novo. O Benfica pode começar a pensar nisso, até a caminho do Mundial de 2030, mas tem de se sentar com o governo, FIFA e UEFA, e perceber qual dos dois caminhos deve seguir, se é um estádio novo ou uma atualização. E uma atualização, já sabe, vai receber menos do que se fosse um estádio novo."
Benfica não tem ciclismo: "Não é uma questão de parecer bem, o ciclismo é um tema muito sensível. Temos vindo a falar muito nisso este ano. O ciclismo sofreu danos reputacionais nos últimos anos, como tal o Benfica não pode entrar no ciclismo só porque sim. O Benfica deve entrar no ciclismo com um projeto sustentável, olhar também para a formação e a promover a ética e o fair-play. Só que o ciclismo, como o boxe, é das modalidades mais controladas pela WADA, pela agência antidopagem, e é uma modalidade que o Benfica tem de ser meter, para voltar a voltar a imagem, marca e emblema na estrada, porque diz muito aos benfiquistas fora de Lisboa, mas os benfiquistas também percebem e sabem que não pode ser de qualquer maneira. O risco que existe no ciclismo é muito elevado, portanto é deixar passar mais algum tempo. Nós temos um projeto que é o "Projeto José Maria Nicolau" para esse efeito, acho que vou conseguir."