Na I Liga há treinadores estão limitados a dar instruções aos jogadores durante os jogos. O processo pode levar anos a concluir-se, mas existem cerca de 4000 certificados com o nível máximo
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Por uma questão legal, a implementação do Programa Nacional de Formação de Treinadores (PNFT) pelo IPDJ, a FPF esteve impossibilitada de dar formação entre 2010 e 2013, o que atrasou a vida de muitos novos treinadores, à procura o Nível IV, aquele que lhes dá a possibilidade de treinarem na I Liga. Um hiato temporal que condicionou as etapas formativas de muitos treinadores, que poderiam apresentar já todas as credenciais necessárias. Isto e mais as imposições da UEFA, como se explica neste texto.
A última multa aplicada pelo Conselho de Disciplina (CD) da FPF, de 1205 euros, desencadeou o protesto de Pepa, que se considerou "perseguido" pelas sucessivas penalizações de que tem sido alvo, pelo facto de dar instruções na área técnica, exclusiva aos treinadores principais. A situação pode parecer paradoxal, uma vez que Pepa foi publicamente apresentado como técnico do Tondela, porém, não cumpre a totalidade dos requisitos exigidos para o exercício da atividade na I Liga. E é nesta tecla que a Associação Nacional de Treinadores de Futebol (ANTF) tem carregado insistentemente e visado outros casos semelhantes.
Petit vai voltar a ser um dos repetentes nos comunicados do CD pelas mesmas razões em que se incluem Pepa, Silas no Belenenses, e, até há pouco tempo, Sérgio Vieira, no Moreirense. Na II Liga, Carlos Pinto (só tem o Nível II), no Santa Clara, completa a lista de irregularidades denunciadas pelo presidente da ANTF, José Pereira, fazendo valer "o que está na Lei 40, de 2012, que estabelece a regulamentação da formação dos treinadores de todas as modalidades". Além deste imperativo legal, há as diretrizes emanadas da Convenção da UEFA para o Reconhecimento Mútuo das Qualificações dos Treinadores, subscrita pela FPF, em 2004. "Se não fizéssemos parte desta convenção, os nossos treinadores não tinham a liberdade para treinar nos países da Europa, por isso temos de cumprir todos os critérios e o nível IV é um deles para a I Liga. Não há qualquer tipo de perseguição, é o cumprimento do regulamento", argumenta. O nível de competências aumentou, de modo que os treinadores adquiram "valências mais específicas, no sentido de saberem coordenar e apreciar o trabalho dos seus diretos colaboradores, ter competência para abordar e discutir determinadas situações". Qualidades que só no curso de formação de Nível IV ou UEFA Pro garante e satisfazem os lemas da Convenção da UEFA.
Pepa concluiu a formação de Nível III e Sérgio Vieira está em vias de o completar. O processo é longo, e consome quase dois anos (entre curso, estágio de uma época desportiva e respetivo relatório), e têm de ter experiência, no mínimo, de três épocas na liderança de equipas nos campeonatos ou ligas nacionais para assegurar o principal pressuposto de desempate em caso de candidaturas excedentes ao tão necessário curso UEFA Pro. "Temos cerca de quatro mil treinadores com o IV nível e devemos ser dos países com mais treinadores com este nível, portanto não deve ser assim tão difícil aceder ao curso", nota José Pereira.
No ano passado, a FPF promoveu dois momentos de formação e encontra-se a "avaliar, em conjunto com a ANTF, a possibilidade" de criar novas datas para a corrente temporada. Cabe, no entanto, ao Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) atribuir a cédula profissional, estipulando o Nível I, II, III e IV como processo hierárquico de competências e adverte no artigo 18.º, da Lei 40, para a ilegalidade do exercício da atividade de treinador "por quem não seja titular do respetivo título profissional", sujeitando-se a "ser interditado de exercer em território nacional pelo período máximo de dois anos".
LEI 40
Competências do treinador de Nível I
a) A condução direta das atividades técnicas elementares associadas às fases iniciais da atividade ou carreira dos praticantes ou a níveis elementares de participação competitiva, sob coordenação de treinadores de desporto de nível superior;
b) A coadjuvação na condução do treino e orientação competitiva de praticantes nas etapas subsequentes de formação desportiva.
Competências do treinador de Nível II
a) A condução do treino e orientação competitiva de praticantes nas etapas subsequentes de formação desportiva;
b) A coordenação e supervisão de uma equipa de treinadores de Nível I ou II, sendo responsável pela implementação de planos e ordenamentos estratégicos definidos por profissionais de nível superior;
c) O exercício, de forma autónoma, de tarefas de conceção, planeamento, condução e avaliação do processo de treino e de participação competitiva;
d) A coadjuvação de titulares de nível superior no planeamento, condução e avaliação do treino e participação competitiva
Competências do treinador de Nível III
Confere ao seu titular competências para o planeamento do exercício e avaliação do desempenho de um coletivo de treinadores com nível igual ou inferior, coordenando, supervisionando, integrando e harmonizando as diferentes tarefas associadas ao treino e à participação competitiva.
Competências do treinador de Nível IV
Confere competências no âmbito de funções de coordenação, direção, planeamento e avaliação, cabendo-lhe as funções mais destacadas no domínio da inovação e empreendedorismo, direção de equipas técnicas pluridisciplinares, direções técnicas regionais e nacionais, coordenação técnica de seleções regionais e nacionais e coordenação de ações tutorais.
Pepa ficou a dias de dar o último passo
"A Associação Nacional de Treinadores não gosta desta situação e acho que tem razão", disse Silas, no dia da apresentação como treinador do Belenenses e lembrou ter-lhe sido negada a candidatura ao Nível III, por incumprimento do pressuposto principal: experiência de dois anos como treinador. Ora, Silas colocou um ponto final de 22 anos como jogador na época passada.
O rigor do prazos-limites foi o obstáculo encontrado por Pepa, apesar do "cuidado em enviar uma exposição à FPF" a explicar as razões do atraso da conclusão do relatório de estágio, na expectativa de poder formalizar o pedido de ingresso no curso entre 22 de maio e 30 de junho de 2017. A Pepa faltou este último pormenor para obter o diploma de Nível III, cujas bases teórico-práticas foram aprendidas quando estava no Feirense, em 2015/16. Por isso, tem de ser inscrito na qualidade de treinador adjunto, de resto, um critério secundário no processo de seleção.
O treinador do Tondela ainda fez uma exposição à FPF, mas sem efeito. Já no caso de Sérgio Vieira, o percurso no Brasil, onde fez mais de 50 jogos, não chegou para dar o estágio como cumprido
A Sérgio Vieira "só falta o estágio", apesar de contar "com mais de 50 jogos como técnico principal" nos campeonatos brasileiros e "um background adquirido a coadjuvar Jesualdo Ferreira, Domingos Paciência, Sá Pinto e Manuel Machado". A FFP, explica, "não aceitou" este currículo como compensação do estágio, pelo facto de se tratar "de tempos de trabalho curtos, quando exigem sete meses seguidos". A porta que se abriu no Moreirense, em outubro, constituía para Sérgio Vieira "a oportunidade para completar esta etapa da regulamentação", que, entretanto, gorou-se, sendo substituído por Petit, outro dos treinadores a quem falta a cédula de Nível IV. Os três anos passados no Brasil "foram penalizadores" para Sérgio Vieira, porém, entende que "há algum radicalismo" e recorda casos do passado tratados como exceção. "Tivemos o Costinha na Liga dos Campeões, pelo Paços de Ferreira, sem o UEFA Pro, ainda assim o organismo europeu e a FPF autorizaram a que fosse o técnico principal".
No verão de 2013, oito treinadores frequentaram o curso UEFA Pro, sem, contudo, terem feito o Nível III. Marco Silva, Pedro Emanuel foram um dos treinadores, na altura, citados pela FPF, na confirmação da atribuição das equivalências.