A manter-se a regra de testes a cada jogo, em 96 clubes, no total das oito séries do Campeonato de Portugal, são cerca de três mil testes a custar 1500 euros por jornada. Associações dizem que distritais não aguentam.
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"Não iremos participar no CdP com 95 por cento de certeza, a não ser que apareça um investidor ou um patrocinador que nos arranje dinheiro para os testes covid. Falo pelo Castro Daire e por 90 por cento dos clubes da prova." O alerta foi dado pelo presidente do Castro Daire, Gonçalo Matos, na semana passada, quando ainda não havia sequer data para o arranque do Campeonato de Portugal, cujo calendário saiu entretanto, com início agendado para 20 de setembro.
A realidade mostra que essa preocupação une clubes e não só.
O motivo é o desconhecimento das regras que vão estar em vigor na temporada prestes a arrancar. Ainda a braços com a pandemia de covid-19, o comunicado de dia 13 de agosto da Federação Portuguesa de Futebol - sobre o calendário das provas nacionais - é explícito no aviso de que "o formato das competições organizadas pela FPF e as atividades das Seleções Nacionais podem ser alterados, em consequência de circunstâncias excecionais que ditem a eventual paragem da competição". Mais do que isso, à data desta publicação, "a prática da atividade física e desportiva em contexto de treino e em contexto competitivo está autorizada, desde que no cumprimento das Orientações da DGS, nomeadamente, da Orientação 30 publicada a 29/05 e atualizada a 20/07". E é aqui que reside a preocupação dos clubes. Esta norma não contempla competição de modalidades de grupo e de contacto, que devem ser incluídas. As últimas jornadas da I Liga foram realizadas mediante o estipulado num código de conduta assinado pela DGS, FPF e Liga, que incluía a realização de testes à covid-19 24 horas antes dos jogos.
Durante toda a semana, Direção-Geral de Saúde, Ministério e FPF reuniram-se para ultimar a revisão da norma 30, mas cinco dias de trabalho intenso não geraram acordo, que vai ser tentado outra vez durante esta semana. De acordo com fonte da DGS, é certo que a norma será revista, os moldes é que não são ainda exatos, até porque ela terá de ser abrangente, para poder ter aplicabilidade em todas as modalidades.
Enquanto isso, aumentam as vozes de preocupação. "Não temos capacidade financeira para fazer os testes a cada jogo. Isso rondaria mais de metade do nosso orçamento. Fica mais caro do que o plantel sénior na sua totalidade", diz Jorge Neves, presidente do Benfica e Castelo Branco.
1500 euros em testes todas as semanas
Os dirigentes fazem um cálculo a 50 euros por teste. A aceitar este montante, que nenhum laboratório confirmou a O JOGO, e aplicado a 30 elementos por equipa (jogadores, equipa técnica e elementos diretivos indispensáveis ao jogo), o total andaria à volta dos 1500 euros por jornada, ou seja, cerca de 42 mil euros somadas as 28 jornadas. Sendo que este valor teria de ser multiplicado pelos 96 clubes das oito séries do Campeonato de Portugal, cerca de três mil testes por semana. Se aplicado igualmente aos campeonatos distritais e de formação... serão dezenas de milhares de testes por semana, o que implicaria também uma capacidade de resposta dos laboratórios para esta quantidade de testes só na área desportiva.
António Joaquim, do Sernache, garante que o clube não tem condições de suportar essa despesa extra. "Nem nós, nem ninguém", confia. "Caso venha a ser decretada essa obrigatoriedade e decidido que o custo da realização dos testes recairá sobre os clubes, tal não será possível suportar pelo Sernache. Se a DGS obrigar a testes aos intervenientes do futebol amador possivelmente nem haverá competições, pois não haverá base de suporte financeiro para os testes", explica, indicando a falta de público nos estádios como outra das preocupações; sem espectadores não há quem queira investir em publicidade nos recintos desportivos.
"Estamos à espera que digam que apoios e suporte vão dar aos clubes, mediante estes requisitos. É um mundo novo para todos, tem de haver um apoio extraordinário", acrescenta Noel Gomes, presidente da SAD do Fátima.
Também os empresários de futebol estão expectantes. Nuno Correia, um dos principais empresários neste escalão competitivo, reconhece que num campeonato amador - "embora haja equipas a jogar como profissionais" - há quem "possa ter dificuldades". "Acredito que a Federação e as entidades desportivas vão apoiar", diz.
Associações temem ficar sem competições
"Tenho 22 mil pessoas envolvidas, entre atletas e dirigentes, e tenho 16 funcionários. O que lhes vou fazer?", questiona Arménio Pinho, presidente da AF Aveiro. "Como é que os clubes vão angariar publicidade e apoios se não têm visibilidade para oferecer? Permitem público nos teatros, nos cinemas... para o futebol não há. A palavra certa é apreensão, e tristeza por não se olhar para a base, onde nasce o futebol, e que vive de carolice. Se o futebol for à porta fechada, os clubes não sobrevivem. Se não for permitido, nem vale a pena começar os campeonatos e o Governo tem de se responsabilizar pelo trabalho desportivo, formativo e de saúde e bem-estar que prestamos a estes atletas", aponta o dirigente, que teme não conseguir realizar os seus campeonatos. Rui Marote, da AF Madeira, não é tão definitivo, essa é uma resolução a tomar depois de se reunir com os clubes - na próxima terça e quarta-feira - e com o Governo Regional e entidade regional de saúde. No entanto, considera que, a manter-se a obrigatoriedade de testes antes de todas as jornadas, "o futebol pára em Portugal, a menos que alguém os subsidie". E esta é, de resto, uma preocupação partilhada por todos os presidentes de associações de futebol num grupo comum de WhatsApp, até porque o número de infetados com o coronavírus está a disparar outra vez na Europa, nomeadamente em países como a Espanha e Alemanha, e a situação internacional pode levar os decisores nacionais a manter todas as cautelas. Amanhã, recomeçam as reuniões entre DGS e FPF.