Fundo do Catar na SAD do Braga levanta dúvidas: "Não quero ser campeão a todo o custo"
António Duarte, António Pedro Peixoto, Ricardo Rio e António Costa aguardam esclarecimentos. Posição minoritária do Braga no capital social da SAD preocupa António Duarte e António Pedro Peixoto. Já o presidente da Câmara Municipal aguarda que o novo parceiro se pronuncie sobre o estádio.
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A espuma do anúncio de que a Olivedesportos acertou a venda de uma participação de 21,67% do capital da SAD do Braga ao fundo Qatar Sports Investments (QSI), patrão atual do Paris Saint-Germain, desfez-se progressivamente nos últimos dias e destapou receios e até sinais de contestação entre os adeptos, como se verificou no jogo com o Saint-Gilloise, disputado na Bélgica, com a exibição de uma tarja com a seguinte mensagem: "esclavagistas cataris não são bem-vindos".
O clube tem respondido com silêncio, mas chegará o momento em que António Salvador vai explicitar, olhos nos olhos com os sócios, os contornos da futura parceria da QSI.
Ouvidos por O JOGO, António Pedro Peixoto, ex-candidato à presidência, e António Costa, moderador do site Superbraga, defendem que tudo deve ser esmiuçado numa Assembleia Geral do clube, porque as dúvidas se acumulam de dia para dia, como também expressaram António Duarte, ex-vice presidente do Braga, e Ricardo Rio, o presidente da Câmara Municipal.
Certo de que a nova parceria está em linha "com a realidade internacional do desporto atual, especialmente do futebol profissional", o autarca bracarense quer saber até que ponto os futuros financiadores árabes olham para o Estádio Municipal, apelidado há muito de "Pedreira", como o palco ideal para o renascimento de um Braga mais poderoso do que nunca.
Já António Duarte lamenta que o Qatar Sports Investments tenha aterrado em Braga numa situação de inferioridade para a sociedade desportiva dos minhotos (36,88%). "Na Alemanha, por exemplo, os clubes são obrigados, por lei, a deterem 51% do capital social das respetivas SAD. Os adeptos até cantaram isso no jogo da Taça de Portugal, em Felgueiras, manifestando o seu desagrado. Admito que o capital é necessário, mas é preciso que tudo seja regulado. Eu quero ser campeão, tenho essa ambição, mas não podemos admitir que essa ambição seja substituída pelo egoísmo", assinala.
Assumindo igualmente o receio de que o referido fundo "assuma uma posição dominante na sociedade desportiva e que o clube perca influência", António Costa vislumbra, porém, importantes vantagens, como a chegada de jogadores outrora inatingíveis, da "gama de Sarabia e Draxler" (ambos pertencentes ao PSG), e o consequente fortalecimento da equipa na corrida pelo título. "Esse é o meu maior desejo", atirou.
"Defendo a verdade desportiva"
António Duarte, ex-vice presidente do Braga
1 - É positiva a entrada do fundo Qatar Sports Investment na SAD do Braga?
-Deve existir uma legislação que enquadre este tipo de negócios: essa é uma luta antiga minha. É preciso que o Estado defina, de uma vez por todas, com independência, qual deve ser o papel dos clubes como entidades públicas. Na Alemanha, por exemplo, os clubes são obrigados, por lei, a deterem 51% do capital social das SAD. Os adeptos até cantaram isso no jogo da Taça de Portugal, em Felgueiras. Se tudo isto for cumprido, estão reunidas as condições para a entrada de capital.
2 -Não sendo esse o contexto atual, está preocupado?
-Nesta altura, vejo a entrada desse fundo com preocupação. Na minha perspetiva, o Qatar Sports Investments não está a investir no Braga pelos valores, história e grandeza do clube, mas simplesmente porque quer ter mais poder no mundo do futebol, numa perspetiva global. Compraram ações do Braga como poderiam comprar ações de outra SAD qualquer. É um negócio puro e duro que não vai de encontro com os valores e raízes do Braga e dos adeptos.
3 - A conquista do campeonato tornar-se-á mais fácil?
-Acredito que o QSI pode ajudar no recrutamento de grandes jogadores, mas não é esse o futebol que eu quero para o clube. Eu defendo a verdade desportiva, não é esse o Braga que eu defendo para os meus netos. Se estes fundos aparecerem noutros clubes, noutros países e noutras federações, vamos ter um mundo cada vez mais egoísta, com o capital a funcionar como ditadura. Os valores irão todos para o ar e eu sou contra isso.
"Não quero ser campeão a todo o custo"
António Pedro Peixoto, ex-candidato à presidência do Braga
1 - A nova parceria da SAD retira influência ao Braga?
-Sempre defendi que o clube deve ter a maioria da SAD, o que não acontece. O maior erro na gestão do Braga foi não ter comprado as ações que eram detidas pela Câmara Municipal pelo valor de cerca de 200 mil euros. Era um valor perfeitamente acessível e o Braga abdicou de dar esse passo. Perante este cenário, tendo em conta o regime das sociedades anónimas desportivas segundo o qual um privado pode fazer o que entender com as ações que detém, estamos sujeitos a entradas de fundos como o QSI. Falta ainda saber se o Braga fez alguma coisa no sentido de adquirir as ações que eram detidas pela Olivedesportos.
2 - Que tipo de esclarecimentos espera?
-Temos que estar atentos para perceber quais são as reais intenções do QSI no nosso clube, nunca esquecendo que, independentemente dos acionistas, o clube foi, é e sempre será dos associados. O conselho de administração da SAD e a direção do clube deveriam agendar assembleias gerais para explicar aos acionistas e aos associados a natureza desta parceria.
3 - A perspetiva de o Braga poder reforçar-se com grandes jogadores, à boleia do novo fundo, não o entusiasma?
-Eu não quero ser campeão nacional a todo o custo. Se o meu clube perder a sua identidade, os seus princípios e os seus valores, eu prefiro não ser campeão. Se, pelo contrário, esse investimento respeitar os sócios e os seus valores e tiver pernas para andar no futuro, qualquer um de nós apoiará esta parceria. Mas é bom que este fundo não seja um fenómeno efémero.
"Vou explorar oportunidades para o estádio"
Ricardo Rio, presidente da Câmara Municipal de Braga
1 - Perspetiva uma grande transformação no Braga à custa do investimento do Catar?
-Em primeiro lugar, a entrada desse fundo é algo alinhado com a realidade internacional do desporto, especialmente do futebol profissional. O próprio futebol estimula esse tipo de parcerias como forma de alavanca do negócio e do crescimento desportivo dos clubes. Será uma mais-valia para o Braga. Não é um investidor qualquer e o PSG é uma prova disso, não sendo um caso único. Do ponto de vista da capacidade económica do clube e das parcerias que podem advir, será algo interessante, mas o clube deve salvaguardar sempre o controlo da SAD. Já a conquista de um título à custa deste fundo não será assim tão automática. O PSG tem os recursos que tem e não tem sido bem-sucedido a nível internacional, só em Fraça.
2 - A cidade vai celebrar em breve o título nacional?
-Esse fundo é uma ajuda importante, mas nada está garantido. O Braga está num processo de crescimento que o tem aproximado dos clubes de topo nacional e, por isso, acredito que mais ano, menos ano acabará por conquistar o campeonato nacional. Esta será uma parceria interessante. Enquanto membro da estrutura acionista, parece-me que o Braga sairá mais a ganhar com este novo acionista do que com o anterior, a Olivedesportos.
3 - O Estádio Municipal agrada ao QSI?
-Não tenho ainda qualquer ideia. Até já expressei ao presidente António Salvador o interesse em reunir-me com os responsáveis desse fundo para explorar oportunidades de parceira em relação à infraestrutura do estádio.
"Desejamos uma parceria transparente"
António Costa, moderador do site Superbraga
1 - A parceria com o fundo árabe era o reforço que faltava ao Braga?
-Apanhou-me de surpresa essa notícia. Há uma transição de ações da Olivedesportos para a QSI e espero que essa mudança não fique por aí. Se o fundo elevar o patamar competitivo da equipa, muito bem; se houver intenções nefastas, não acho bem. Espero por isso que a direção preste esclarecimentos sobre essa parceria numa Assembleia Geral. Os sócios estão mal informados e, naturalmente, querem saber o que pode acontecer. Em Portugal já houve exemplos de fundos que tomaram conta de clubes e foram experiências negativas.
2 - Acha que o Braga poderá aproveitar os melhores excedentários do PSG?
-É perfeitamente possível que jogadores da gama de um Sarabia ou de um Draxler, que não caibam no plantel do PSG, sejam cedidos ao Braga. Nunca será um desprestígio para esses jogadores representarem o Braga, porque o clube já ganhou grande dimensão tanto em Portugal como na Europa.
3 - Será meio caminho andado para vencer o campeonato?
-Esse é o meu maior desejo. Acho que é um cenário perfeitamente exequível em pouco tempo se houver uma boa articulação entre as partes, com o clube a ter sempre a última palavra nas grandes decisões. Receio, porém, que esse fundo assuma uma posição dominante na SAD e que o clube perca influência. E o clube somos nós, os sócios. As pessoas estão receosas porque não dispõem de informação suficiente sobre um assunto tão importante. Desejamos que esta nova parceria seja mais transparente.