Para António Simões, o magriço e grande figura do passado do Benfica, o 25 de Abril arrancou antes, com a génese do Sindicato dos Jogadores, num combate pela liberdade contratual
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Sagrou-se campeão pelo Benfica na época a seguir à Revolução dos Cravos, num momento do nosso País que teve influência em todas as áreas. O futebol mudou pouco, avalia o António Simões, de 80 anos, mas há conquistas que destaca e que o envolveram, “com custos pessoais”, para bem da sua classe.
A “lei” Simões, numa parceira do antigo jogador com Jorge Sampaio, advogado que viria a ser Presidente da República, marcou o futebol de um País que, na sua visão, tem uma democracia jovem.
Onde estava no dia 25 de Abril de 1974?
-Estava em casa porque foi anunciado a uma hora que não era de treino nem de andar na rua. Vi na televisão, mas tinha treino a seguir. Fui no meu carro, morava em Linda a Velha, houve muito falatório entre nós, mas havia trabalho para realizar. Não tivemos bem noção do que tinha acontecido. O regime tinha acabado, deu-se a revolução, toda a gente na rua, mas para nós futebolistas não teve grande influência porque o jogo é o mesmo, não houve alteração de regras nem de hábitos. A nossa vida continuou. A única diferença é que o regime se alterou. Pouco tempo antes, Marcelo Caetano esteve em Alvalade, num Sporting-Benfica, e foi aplaudido de pé.
Passados 50 anos olha para trás e o que vê?
-Passados 50 anos, temos críticas a fazer. Ganhámos na democracia, na liberdade, tudo isso é muito importante, mas eu acho que ficou muito aquém das expectativas. Portugal, durante estes 50 anos, nem sempre foi bem governado, nem sempre teve qualidade nos governantes e, por isso, estamos a ser confrontados com bastantes problemas. Temos jovens a ir embora, temos problemas na saúde e na educação e na justiça. Compreendo que 50 anos não seja suficiente para as pessoas perceberem o que é democracia e liberdade, alguns dos governantes que temos hoje nem sequer tinham nascido. É preciso que todos percebam que o País, embora seja pequeno e tenha pouca gente, pode ter melhores condições para todos. Aqui sou um crítico, e lamento que o 25 de Abril tenha servido para muita coisa sem ser para a evolução e a mudança do País.
Permitiu-lhe, por exemplo, estar na génese do Sindicato dos Jogadores. Como decorreu esse processo?
-Sim, pude lutar por um sindicato, num processo que avançou antes mesmo do 25 de Abril. Em 1967 tive um custo tremendo por me bater pela liberdade contratual do jogador profissional de futebol e em 1972 conseguiu-se ter o sindicato. Durante esses cinco anos, eu fui sempre quem esteve à frente, quem lutou e, como reflexo, até me suspenderam durante um mês e fui mandado para casa, proibido de entrar nas instalações do clube. Portanto, não me venham falar em liberdade, porque eu lutei pela liberdade dos jogadores profissionais de futebol. Depois, quando fui candidato a deputado, e não fui pela esquerda porque era esse o “cavalo” adequado, muita gente ficou contra mim. Porém, eu revejo-me em pessoas e não em partidos.
O que mudou, de mais importante, no futebol como consequência do 25 de Abril?
-A primeira grande mudança, a mais importante, aconteceu três anos antes e foi os jogadores passarem a ter liberdade contratual. Mais tarde houve a lei Bosman [1995], mas em 1972 também posso dizer que houve uma lei Simões. Fui eu que provoquei uma mudança nos contratos de trabalho dos jogadores, em que se houvesse um clube interessado o clube de origem era obrigado a pagar 70 por cento do valor da proposta do interessado. Fui eu que ganhei isto com o doutor Jorge Sampaio, que viria a ser presidente da República e na altura era um jovem advogado. Foram criados os estatutos do sindicato e tudo foi feito à minha volta e também dele. Depois apareceu o Eusébio, o Pedro Gomes, o Hilário, o Artur Jorge e o Toni, essa gente toda, mas nenhum sofreu o mais pequeno reflexo de termos ajudado a criar o sindicato. Quem criou o sindicato foi um indivíduo chamado António Simões, que já fez 80 anos, tendo sido Artur Jorge depois o primeiro presidente porque lhe reconheci mais capacidade, pela licenciatura que ele tinha e eu não, para desempenhar esse cargo de liderança daquele que era na altura apenas o terceiro sindicato criado no país. Entretanto, passou-se do oito para o oitenta.
A liberdade dos futebolistas não levou também a inúmeros excessos?
-De facto. Antes não se podia quebrar nenhum contrato, fazer por um ano era o mesmo que fazer por dez, com os clubes a serem donos absolutos dos jogadores. Depois, logo a seguir ao 25 de Abril já havia jogadores que terminavam o contrato por questões psicológicas. Já não tinha nada a ver com trabalho, era por questões psicológicas. Isto porque a regulamentação era tão pobre ou inexistente, tendo em conta que a democracia tinha acabado de ser alcançada, que ocorreram estes exageros. No que diz respeito ao jogo e ao espetáculo, muito pouca coisa mudou, porque a paixão era a mesma pelo jogo, que recebeu a liberdade.