Fim das "unhas dos pés ou narizes" fora de jogo agrada a treinadores e ex-árbitros portugueses
Ingleses seguiram o exemplo dos Países Baixos e introduziram alterações nas tecnologias de auxílio à arbitragem, procurando beneficiar quem ataca. Não querem foras de jogo por poucos centímetros nem penáltis forçados. Todos concordam que o VAR é uma ferramenta preciosa, mas que precisa de ajustes.
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Lembra-se do golo anulado, na época passada, a Pedro Gonçalves, por um fora de jogo de dois centímetros? E do festejo de Marega, diante do Rio Ave, há duas temporadas, que seria invalidado por três centímetros? Pois bem, os foras de jogo porque "alguém não cortou as unhas dos pés", como comentou Carlos Carvalhal, em janeiro de 2020, quando ainda era treinador do Rio Ave e acabara de perder ante o Marítimo (1-0), terminaram em Inglaterra.
No início do mês, a Premier League, seguindo o exemplo dos Países Baixos, que já na época passada aplicava uma margem máxima de 10 centímetros, anunciou alterações no videoárbitro, para erradicar "os foras de jogo milimétricos" e os "penáltis forçados".
Como? Linhas mais grossas consultadas pelo VAR, que coloquem fim aos offsides "por causa da ponta do nariz ou das unhas dos pés". "O que devolvemos ao jogo são 20 golos que foram anulados na última época por causa de um escrutínio bastante forense. São as unhas dos pés ou o nariz dos jogadores que no ano anterior estavam fora de jogo. Nesta temporada, estarão em posição legal", explicou Mike Riley, chefe da arbitragem em terras de Sua Majestade.
Quanto aos penáltis, Riley só quer castigos máximos que "não deixem dúvidas". "Não queremos uma situação em que um jogador aproveite um leve contacto", criticou.
Esta época, na Premier League foram definidas linhas mestras para autonomizar os árbitros em relação aos VAR no ajuizamento dos penáltis, designadamente no que respeita ao contacto entre jogadores na área. "Aferir se o contacto foi potencialmente causador de motivo para penálti está dependente da interpretação e sensibilidade do árbitro. O VAR é e será auxiliador para bem clarificar", defende Jorge Coroado que, relativamente a Portugal, considera que "em situações destas, o benefício para o jogo ocorrerá quando os árbitros tiverem conhecimento do jogo e sensibilidade para o mesmo, o que atualmente nem sempre acontece". Os critérios da arbitragem inglesa, liderada por Mike Riley, determinam que o árbitro deve ter a certeza que houve um contacto claro, se foi o contacto que provocou a queda ou se, pelo contrário, o atacante que tentou aproveitar-se do contacto para cair na área.
Em Portugal, a ideia unânime de um painel consultado por O JOGO é que o VAR precisa de alterações. Nuno Espírito Santo, treinador do Tottenham, está do outro lado da barricada e refere que, acima de tudo, a ideia das mudanças entre os britânicos é dar ao jogo "mais normalidade", tese corroborada por Jorge Coroado. "Reencaminham o futebol no seu todo para a sua génese. Necessário é os árbitros perceberem e compreenderem que o VAR é um auxiliar e eles (árbitros) são os decisores", lembrou. José Leirós encontra, no entanto, resistência à mudança no ADN do futebol luso. "Estas alterações eram fundamentais, mas temos que perceber que nos últimos 40 anos, nas várias gerações da arbitragem portuguesa, poucos foram considerados árbitros que dirigem jogos à inglesa", comentou.
De um modo sintético, Daniel Ramos, treinador do Santa Clara, é "favorável" ao "engrossar" das linhas de fora de jogo. "Também defender que deve ser o árbitro a tomar as decisões de dúvida e não o VAR. O árbitro deve recorrer à análise das imagens", opinou. José Mota, técnico do Leixões, acha que há "demasiadas paragens" desde que a nova tecnologia foi introduzida e, sobre o offside, entende que o IFAB, órgão que regulamenta as regras do futebol desde 1883, devia encontrar a "solução para uma linha alargada em todos os campeonatos". Já Fortunato Azevedo dá razão a Mike Riley. "Olhar para uma câmara de um ângulo é uma coisa, mas olhar para 15, procurando encontrar algo que estará ou não ali... essa não era a ideia original. As alterações virão acrescentar mais golos e melhor jogo", resumiu.
Todavia, o debate não é novo. Em março de 2020, Aleksander Ceferin, presidente da UEFA, manifestou, em entrevista ao canal britânico Sky Sports, que o organismo pretendia introduzir linhas mais "largas" na análise às posições irregulares. "Um centímetro fora de jogo não é fora de jogo. Não é esse o significado da regra. Tem que ser um erro óbvio e decisivo para o VAR intervir. Um centímetro pode arruinar a época de um clube. A mão na bola também é problemática", atirou.
Não há, no entanto, nenhuma regulamentação acerca da largura da linha de fora de jogo porque o IFAB permite que cada competição determine o nível de precisão do seu sistema de videoárbitro.
As sugestões para um futebol melhor com VAR
Foram várias as sugestões apresentadas pelos experientes técnicos ouvidos por O JOGO. Daniel Ramos, por exemplo, deixa uma proposta muito clara aos árbitros da I Liga: "Se o VAR considera que existe grande dúvida em relação à análise, deve passar essa dúvida para o árbitro e este deve consultar as câmaras", defende o treinador do Santa Clara, que entende que "a responsabilidade da dúvida não deve ser do VAR, mas do árbitro". A outra sugestão de Daniel Ramos é, no mínimo, interessante. "Um jogador que é expulso com duplo cartão amarelo de forma injusta deveria ser despenalizado pelo VAR. Em caso de grande dúvida, este deve poder avisar o árbitro que o lance merece ser avaliado para uma eventual despenalização do amarelo e da consequente expulsão", sugere.
José Mota, treinador do Leixões, não tem dúvidas de que "a II Liga já merecia ter o VAR", que existe em Portugal desde 2017/18. "Muitos dos árbitros que apitam na II Liga dirigem jogos da I Liga e muitas vezes o que acontece é que deixam a jogada desenrolar-se, não assinalam os foras de jogo por estarem à espera da avaliação do VAR! Numa decisão de fração de segundos, muitas vezes não sabem se estão a apitar um jogo de I ou de II Liga. E não tendo VAR há vários jogos em que há golos que deveriam ser anulados e outros validados, com responsabilidade clara dos árbitros", aponta Mota.
Outra curiosa ideia é avançada por José Leirós. "As decisões do videoárbitro podem e devem ser conhecidas pelos adeptos no estádio e pelos espectadores na televisão, para que a equipa do VAR possa ganhar credibilidade que tarda a aparecer", defende o especialista em arbitragem.
Nuno Espírito Santo, treinador do Tottenham
"A ideia é o jogo ter mais normalidade"
"Tivemos uma reunião muito recente com os árbitros, em que esse conceito foi abordado para tentar voltar à normalidade e ao espírito do futebol britânico. Vamos ver se ganhamos mais com o jogo, na altura todos apoiaram o VAR e começaram a ver que não era tão necessário. Queremos ver se voltamos ao que tínhamos antes. Acho que trabalhando vamos, eventualmente, chegar à melhor situação. A ideia é essa, a de o jogo ter mais normalidade."
Daniel Ramos, treinador do Santa Clara
"Sou favorável ao engrossar da linha do fora de jogo"
"Sou favorável à alteração de engrossar a linha de fora de jogo. Os foras de jogo de um, dois, três ou quatro centímetros deixavam de existir, aumentávamos a margem e a pequeníssima distância não seria penalizadora para um momento importante do jogo, como é o golo. Sou defensor que se deve deixar fluir o jogo, mas também defendo que deve ser o árbitro a tomar as decisões de dúvida e não o VAR. Em caso de dúvida, se o VAR tiver que passar a bola ao árbitro, deve fazê-lo e este recorrer à análise das imagens."
José Mota, treinador do Leixões
"Cinco minutos de tempo de espera é matar um jogo"
"Há demasiadas paragens por causa do VAR. Temos um grande exemplo, o Europeu, que funcionou em pleno e onde o VAR só interveio em situações de grande dúvida e mesmo essas foram rapidamente decididas. Por vezes, acontecem cinco minutos de tempo de espera e isso é matar um jogo; são quebras importantíssimas para uma e outra equipa e não são benéficas para o espetáculo. Quanto ao fora de jogo também há muitas dúvidas. Há situações de três ou quatro centímetros que podiam ter a linha mais alargada, mas a solução teria que abranger todos os campeonatos por intermédio do International Board. As decisões do VAR teriam que ser bem mais rápidas para não prejudicar o espetáculo".
Jorge Coroado, comentador de arbitragem de O JOGO
"Árbitro tem que entender que o VAR é só o auxiliar"
"As alterações operadas em Inglaterra seriam importantes e relevantes para o futebol português e para todo o futebol. Humanizam, reencaminham o futebol no seu todo à sua génese. No que tange o que está protocolado poucas ou nenhumas alterações serão necessárias. Necessário é os árbitros perceberem e compreenderem que o VAR é um auxiliar e eles, sim, são os decisores. Melhorar o entendimento entre árbitro e VAR passa pela assunção de responsabilidades e pela intrínseca autoridade dos árbitros reconhecida na LEI V, algo de que, por conforto, também falta de determinação e personalidade, os árbitros se eximem."
José Leirós, comentador de arbitragem de O JOGO
"CA e árbitros que estudem Europeu e a Champions"
"O futebol inglês jogado e a atitude de fair-play e de competitividade nada têm a ver com a formação dos clubes portugueses e do seu profissionalismo. Estas alterações eram fundamentais, mas nos últimos 40 anos poucos foram considerados árbitros que arbitram à inglesa. O Conselho de Arbitragem e os os árbitros deviam estudar o "modus operandi" do que aconteceu no último Europeu e na Liga dos Campeões e passaríamos a ter mais futebol, mais decisões rápidas do VAR, mais coerência e abrangência para todos os clubes, mais justiça e decisões revertidas e acertadas em todos os jogos. Todos."
Fortunato Azevedo, comentador de arbitragem de O JOGO
"O VAR só deve intervir em situações claras"
"Alteração acrescentará mais golos e melhor jogo. Sempre defendi que o VAR só deve intervir em situações claras e óbvias. Há uma margem de tolerância que deve prevalecer em caso de dúvida. Se uma situação não é clara à primeira vista, não deve ser considerada. Uma das minhas sugestões é fazer uma seleção rigorosa dos técnicos de imagem, por serem fundamentais para a qualidade e celeridade da decisão. Outra seria um quadro com árbitros no ativo que abdiquem de dirigir temporária ou definitivamente ou árbitros que tenham abandonado a carreira recentemente sem ser por despromoção."