Da invencibilidade e resistência à força e valentia, estes dragões e leões têm mais em comum com as raízes do que se imagina. Dois pontos marcam distâncias num desafio que tem sido emocionante.
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Dragões e leões abrem este sábado as hostilidades dos clássicos, e uma viagem às origens dessas alcunhas dá-nos mais referências ao presente do que seria de imaginar.
FC Porto e Sporting reacenderam a rivalidade e são dignos representantes das virtudes que levam ao peito
Com uma rivalidade que se reacendeu nos últimos tempos e potenciou momentos bem escaldantes, FC Porto e Sporting, nas versões afinadas ao detalhe pelos seus treinadores, Sérgio Conceição e Rúben Amorim, são dignos representantes dos ideais e virtudes que emanam dos respetivos símbolos. As histórias são contadas ao pormenor nos textos em baixo, mas até se dá a coincidência de ambos os clubes terem tido antigos jogadores a influenciar os emblemas.
O recorde de invencibilidade do futebol português (58 jogos) foi fixado, recentemente, pelos portistas, e Invicta foi a designação atribuída à cidade pelo rei D. Pedro IV, em homenagem à resistência e heroísmo durante o Cerco do Porto, na vitória do Liberalismo contra o Absolutismo. O brasão e as armas, sem esquecer o dragão, representam muito dessa luta e foram adicionados ao emblema do FC Porto, com o clube a recusar modificá-los, como ditava o Estado Novo. Antes quebrar do que torcer e o mote que o clube escolheu para esta época é uma boa síntese: "Indomáveis por Natureza."
Sporting não vence no Dragão há oito jogos, desde 2015/16
O Dragão recebe uma equipa que se reergueu com Rúben Amorim e que deve deixar orgulhoso o fundador do Sporting, José Alvalade. Representação de virtudes como força, destreza e valentia, o leão rampante está no símbolo do clube desde o início. Veio diretamente do brasão dos Condes do Pombeiro, mas com uma condição curiosa: não podia estar sobreposto a um fundo azul, como o brasão da família. O verde já estava escolhido pelos fundadores, por representar a esperança, a mesma que certamente orientará esta noite os leões. Se quiser evitar a predominância azul, que pode chegar aos cinco pontos de diferença, o Sporting precisa de fazer o que já não consegue há oito jogos: ganhar no palco azul e branco. Nesse caso, o leão retirará o trono da liderança ao dragão. Seja como for, não restam dúvidas que este duelo histórico está mais apetecível do que nunca.
Dragão
"Reconhecimento da resistência"
Em 1922, Augusto Baptista Ferreira, mais conhecido por Simplício, futebolista do FC Porto e artista gráfico, pensou em juntar ao símbolo do clube as armas da cidade.
O "brasão abençoado" que se canta no hino está carregado de simbolismo, como nos conta o historiador Hélder Pacheco. "No centro está o coração de D. Pedro IV e tem a Virgem da Vandoma, padroeira da cidade, e o escudo da Casa Real Portuguesa. A cidade recebeu a Grã Cruz da Ordem de Torre e Espada pela resistência no Cerco do Porto. Por cima tem a coroa ducal atribuída por D. Pedro IV, que decidiu que o segundo filho ou filha dos reis de Portugal teria o título de Duque do Porto. E, por cima da coroa, com a palavra "invicta", surge então dragão, pensa-se que simboliza os antigos reis de Portugal", descreve o historiador a O JOGO.
Estas armas, como "reconhecimento pelo papel decisivo na cidade no triunfo do liberalismo", remontam a 14 de janeiro de 1837 pela mão do Governo Setembrista e da rainha D. Maria II. "Em abril de 1940, o salazarismo aboliu este símbolo heráldico liberal e o FC Porto foi a única instituição portuense que teve a coragem e o desassombro de o manter, num grande motivo de orgulho para o clube", sublinha Hélder Pacheco.
Portanto, como se vê, o dragão já estava ligado à cidade muito antes do FC Porto nascer, mas foi Pinto da Costa quem, desde os primeiros tempos da presidência, cunhou o termo "dragões" como representação do clube. Está na revista, no estádio, no pavilhão e no imaginário de todos os adeptos.
O dragão, à boleia das armas da cidade, chegou ao símbolo do FC Porto em 1922. O leão rampante está desde o início no emblema do Sporting, "cedido" por uma família da nobreza
Leão
"Símbolo de força desde o início"
A associação do leão ao Sporting "surge desde a primeira hora na escolha dos fundadores do clube", conta a O JOGO José Goulão, autor dos livros "ABC do Sporting" e Enciclopédia Fundamental do Sporting".
"A posição do leão no símbolo, o chamado Leão Rampante, é uma história curiosa porque está no brasão dos Condes de Pombeiro e foi o então conde, D. Fernando de Castelo-Branco, que autorizou que o leão fosse utilizado no símbolo, mas apenas na condição de que não estivesse sobre um fundo azul, como sucede com o brasão da família", explica o historiador, numa situação que nunca foi um problema. "Os fundadores do Sporting tinham escolhido o verde, que simbolizava a esperança. O emblema era um círculo a verde com o leão em branco. Em 1908 estreou o equipamento com a camisola metade verde, metade branca, conhecido por Stromp. Tinha o leão a amarelo com as letras SCP por cima", detalha.
Representação de "força, destreza, valentia, nobreza, coragem e liderança", o leão rampante jamais saiu do emblema do clube de Alvalade, mesmo com inspirações germânicas pela mão de um guarda-redes, por volta de 1913. "Hugo Morais Sarmento encomendou na Alemanha um novo símbolo, com o leão em branco num fundo a verde e o nome à volta. Foi um emblema que atravessou quase todo o século, com ligeiras atualizações", acrescenta José Goulão.
Numa dessas mudanças, em 1945, a sigla SCP ganhou destaque por cima do leão até à viragem do século: "Em 2001, aconteceu a renovação que perdura até aos dias de hoje."
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