Jogador equatoriano do Sporting sofre pelos seus à distância. A família está no epicentro da crise pandémica no Equador, e a mãe liga-lhe todos os dias mal acorda para se tranquilizarem mutuamente
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O sportinguista Gonzalo Plata ganhou fôlego e uma nova vida de verde e branco nos últimos meses antes de a competição ser suspensa, mas nesta crise pandémica gerada pelo coronavírus vive inquieto e preocupado não só em manter-se saudável e livre de perigo de infeção, como também em acompanhar a sua família à distância, no Equador, e mais precisamente em Guayaquil, o epicentro da infeção naquele país (tem 71% dos casos) e de onde chegam relatos de mortos nas ruas e de insuficiência do sistema sanitário para lidar com a complicadíssima situação.
A sofrer ao longe, o avançado do Sporting contribui para colocar comida na mesa de famílias desfavorecidas de Guayaquil, não se esquecendo das suas origens pobres e das dificuldades que ele e a sua família passaram antes da carreira de futebolista lhe proporcionar uma vida melhor. O JOGO contactou, por isso, a mãe de Gonzalo Plata, Mónica Jiménez, que nos falou das boas ações do camisola 20 do Sporting, que até já perdeu um familiar (o tio) com o coronavírus, e da forma como o ajuda e aconselha apesar da ansiedade dos 8500 quilómetros que os separam.
Extremo ajuda a sua Guayaquil, onde as pessoas morrem na rua. Doença já lhe levou o tio e o crime um grande amigo
"Graças a Deus o Gonzalo está bem porque está com ele o irmão e ajuda-o. Como mãe fico tranquila", atira de pronto Mónica, salientando a presença do irmão mais velho, Bryan, espécie de figura paterna de Plata em Lisboa.
"O Gonzalo colabora com a comunidade. Incuti isso na educação deles e quero que se lembrem sempre de onde vieram. Ajuda financeiramente para nós aqui darmos mantimentos às pessoas mais necessitadas que vivem do que ganham apenas no dia a dia. É que agora não podemos nem trabalhar! Eu já vivi assim e eles não se podem esquecer. Peço ajuda, depois, para a distribuição", explica a progenitora e mãe galinha do avançado leonino, que sempre se preocupou em transmitir valores aos cinco filhos e que no passado chegou a ser empregada doméstica, em situação precária como muitos conterrâneos que agora tenta ajudar. No Natal, recorde-se, o jovem leão já tinha leiloado uma camisola sua e outra de Marcelo, do Real Madrid, para ajudar as crianças e idosos desfavorecidos dos subúrbios de Guayaquil.
Família no epicentro da crise pandémica no Equador
"Em Guayaquil estamos fechados em casa e só saio quando preciso mesmo de fazer alguma compra. Tento afastar-me do mal, até por eles que estão longe, para não ficarem mais preocupados. Todos os dias, mal acordo, a primeira coisa que faço é ligar para eles. Fazemos videochamadas e vejo como estão. Já vi tanta coisa aqui... que já não quero ver notícias. Tenho problemas de pressão alta... Morreram familiares e mataram um amigo de Gonzalo 20 minutos depois de falarem ao telefone, ele ficou a chorar quando soube. É triste quando não nos podemos nem despedir de quem gostamos. Faleceu um tio e um primo conseguiu recuperar. Isto dá para refletir. Aqui há recolher obrigatório, das duas da tarde às cinco da manhã não se pode ir a lado nenhum. Era um horror andar na rua, mas há gente que não percebe. Eu mal via uma aglomeração na rua fugia logo", descreve Mónica Jiménez, confirmando assim as chocantes imagens televisivas que chegam daquela cidade equatoriana, epicentro da pandemia no país, de corpos nas ruas e insuficiência do sistema de saúde.
Junto a isso há a criminalidade, que, como Mónica menciona, tirou a vida este mês a um amigo de infância de Gonzalo Plata: Edwin Espinoza, jogador de 20 anos do Guayaquil City, assassinado supostamente por engano, a tiro, quando treinava à porta de casa na quarentena, dia 11 de abril.
"Estou a tratar da papelada para viajar, para obter o visto. Era para ter ido agora em abril, mas ficou tudo cancelado. O Gonzalo quer que eu vá e eu quero ir, quero ver como vive"
Mãe dá recomendações de segurança e até de culinária
Quanto a conselhos, a preocupação com o distanciamento social e a higienização é a nota dominante: "Estou sempre a dizer-lhes "não saiam, só se precisarem de ir ao supermercado, levem máscara e luvas, e ao voltarem tirem logo a roupa, deixem os sapatos à porta, limpem as coisas com álcool e vão logo tomar banho". A preocupação é grande. Digo também para usarem álcool mal entram e saem do carro. Peço a Deus que os proteja. Perguntam-me o que fazer para comer. Eu pergunto o que há no frigorífico e depois digo como podem cozinhar. Mas sem fritos, sobretudo saladas, fruta, grelhados, frango...". O coronavírus impediu a reunião de Mónica com Gonzalo Plata e o irmão Bryan este mês em Lisboa, como estava previsto, e até pode impedir que se vejam presencialmente no aniversário da mãe, em junho.
"Estou a tratar da papelada para viajar, para obter o visto. Era para ter ido agora em abril, mas ficou tudo cancelado. O Gonzalo quer que eu vá e eu quero ir, quero ver como vive, com que amigos anda. Sempre o acompanhei, quero ver se os amigos são amigos de verdade, se tem boas companhias. Era suposto ele vir cá nas férias e já não deve dar, já não deve estar cá no meu aniversário, em junho. Mas Deus vai dar-nos a bênção de nos voltarmos a ver rapidamente", junta Mónica Jiménez, que recorre à fé para perspetivar dias mais felizes e com os seus ao lado. Consulte, pois, as imagens da coluna ao lado, todas captadas nos últimos dias em Guayaquil, uma cidade para lá do colapso.
Outros bons exemplos no Sporting
O mundo do futebol tem sido exemplar: a ajuda chega de todo o lado e no que ao Sporting diz respeito, para além de Gonzalo Plata há outros futebolistas que fazem questão de ajudar as suas comunidades. Jovane (na fotografia a visitar uma escola em tempos de "liberdade"), por exemplo, doou 300 cestas de alimentos básicos à Escola de Futebol Criolinhos, na cidade da Praia, do seu Cabo Verde. "Quero ver sorrisos bonitos ao longo desta quarentena", disse o extremo.
Também Wendel faz parte desta enorme onda de solidariedade: como nos comprova a foto, o médio do Sporting, internacional pelos sub-23 da canarinha, doou 200 cabazes alimentares a quatro comunidades da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, de onde veio o sonho de se tornar profissional de futebol; foi também ali que o seu tio, Cláudio Moisés dos Santos, passou os dias a trabalhar para sustentar os seus e ainda ganhar para o sobrinho poder treinar.