
O escritório de Camilo Castelo Branco, em Seide (Famalicão)
Porta de entrada para o Minho - para quem vem de Sul -, Famalicão é um concelho que tem mais que futebol. Há literatura, arte, natureza, história, clássicos, indústria, gastronomia...
Famalicão é, por estes dias, terra de consolação e de júbilo pelos extraordinários feitos alcançados no regresso à I Liga, 25 anos depois. Mas este é um concelho - com as suas 49 freguesias - onde o amor é a palavra-chave. E isso não é de agora, é de sempre. Camilo Castelo Branco soube-o e viveu-o.
Desanexou-se de Barcelos e tornou-se concelho autónomo em 1835, ascendendo à condição de vila por Carta de Foral de D. Maria II
O romancista, cuja obra mais célebre é "Amor de Perdição", veio aqui conhecer Ana Plácido. O arrebatamento levou os dois a enfrentar a prisão e um julgamento que os ilibaria e foi no cárcere que Camilo escreveu a obra que é usada como slogan do clube: #amordeperdicao.
Conhecer a identidade do Famalicão, clube, implica conhecer a cidade (elevada a esse estatuto em 1985) e o concelho que emprestam nome ao clube. Ponto de passagem obrigatório é a Casa-Museu de Camilo. A ligação que o líder do campeonato fez ao escritor é a mesma que se vive na cidade, que sentem os seus adeptos. Em S. Miguel de Seide, Camilo viveu 26 anos com Ana Plácido e os filhos, e aqui escreveu e se inspirou para muitas das suas obras. A
casa amarela acolhe-nos como uma portal do tempo, levando-nos para o século XIX. Ana toca piano, o filho Jorge toca flauta e Camilo, no andar de cima, escreve na sua secretária de duas frentes, meio sentado, meio em pé - como os autores da época -, molhando o aparo no tinteiro, rodeado de livros (tinha cerca de cinco mil livros). A cena é apenas visível na imaginação dos visitantes porque a passagem do tempo, que continua a ser contado pelo relógio de corda na parede, levou as personagens desta história. Na casa, o escritório de Camilo é ponto de passagem obrigatória, tal como é a sala do suicídio.
Percebe-se, pois, que quem aqui vier puxado pelo futebol - e são muitos, tendo em conta que a lotação do Estádio Municipal em média é superior aos 92% - pode ver muito mais.
O concelho, com cerca de 140 mil habitantes, subiu, por aprovação da Assembleia da República, à categoria de cidade em 1985
"Temos escavações de arqueologia, o parque da Devesa, que é grande, e mais coisas", indica José Carlos Ferreira, enquanto faz pausa na recolha de folhas que o outono empurra para os passeios. Explica que há mais para ver do que o centro da cidade, mas compreende que os adeptos não tenham tempo para muito mais.
Para o Parque da Devesa, no centro da cidade, há sempre tempo. "É um dos maiores a nível nacional, de fruição com a natureza e com muitas atividades", aponta o vereador do turismo, Augusto Lima. Também no centro está o Museu do Surrealismo, da Fundação Cupertino de Miranda e cujo espólio bem pode ser um hino aos feitos do clube. O movimento cultural surgiu na década de 20 do último século, em Paris, "inspirado no automatismo, no sonho, no inconsciente".
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"Estamos a viver um momento quase surrealista, em que o sonho se transpõe para a realidade", reconhece a responsável pelo museu, Olívia Ribeiro. Até o tríptico "A Vida", de António Carneiro, pode ser metáfora para os feitos do FC Famalicão, já que os três quadros que compõem a obra representam a esperança, o amor e a saudade. Esperança e amor é algo que não tem faltado aos adeptos. A saudade, quiçá deste momento áureo, fica para depois...
O futebol está a puxar pela promoção local. "Todos os dias se fala de Famalicão e isso deve-se à performance do clube. Temos a sorte de o clube se chamar Famalicão", diz Augusto Lima, reconhecendo, no entanto, que muito pode ainda ser feito. "Pode-se trabalhar melhor a cidade nos dias de jogos, com oferta de atividades. Mas esta é uma realidade nova. Ainda há três anos, o clube estava no Campeonato de Portugal. Tem sido montra da cidade e ajuda a colocar Famalicão no mapa, mas temos muito a aprender. A própria cidade tem de acolher bem os visitantes e jogadores que cá passam a viver", completa. Afinal, este #amordeperdicao, pode ter também outro título camiliano, o primeiro que o autor escreveu na casa de Seide: "Amor de Salvação".
Há 13 museus no concelho à disposição de quem visita
Riopele disputou adeptos
No concelho houve outro clube a destacar-se. Fundado em 1958, o Grupo Desportivo Riopele, propriedade da empresa têxtil que lhe dá nome, chegou à I divisão na última década de 70. Daí saíram craques nacionais como Vítor Paneira. Por isso, "havia rivalidade com o Famalicão", como recorda José Carlos Ferreira, que vê o destaque do Famalicão como "bom para todos"
Camilo, o casamenteiro
Da relação com Ana Plácido nasceram dois filhos: Jorge e Nuno. Com Jorge - o "louco" - as preocupações eram ao nível da saúde. Já com Nuno, o interesse era um bom casamento. Assim, o escritor, na idade de 58 anos, escreveu cartas românticas à futura nora, Isabel, em nome do filho Nuno. O plano resultou, mas rapidamente Isabel percebeu não tinha um "D. Juan", mas um boémio.
Tudo o que é tradicional encontra-se à mesa em Famalicão. Restrições à carne não entram aqui!
Minho e Portugal numa boa mesa
"Por aqui come-se bem, menina!", avisou o senhor José Carlos. "Vitela, rojões, bacalhau, polvo... mas estamos numa zona de carne", disse, ainda na entrada da Casa-Museu de Camilo. Tinha razão. "Não temos um prato identitário", assume o chef Renato Cunha, "mas fazemos muito boa cozinha portuguesa, preferencialmente a cozinha regional minhota".
O chef sabe que, em contexto de jogo, "o adepto prefere um bom rojão e uma cerveja" e, para isso, há muitos e bons restaurantes no concelho. Ainda assim, no seu restaurante Ferrugem, aposta em "recuperar produtos nacionais, por vezes esquecidos" e dar-lhes um toque contemporâneo. Tudo é pensado ao detalhe: desde as manteigas servidas num azulejo português, os croquetes servidos numa tíbia de vaca (devidamente tratada para o efeito)...
"Servimos Portugal à mesa", afirma. A aposta justifica os vários prémios e distinções pendurados na parede e a referência ao restaurante no Guia Michelin. "Os adeptos são uma classe eclética. Aproveitam as viagens para aproveitar a boa gastronomia local. Isso já me acontecia com quem ia ver os jogos a Braga", explica, reconhecendo a vantagem de estar num concelho servido por duas autoestradas. Agora, há o Famalicão, como "embaixador".
Há 13 museus: uma oferta diversificada
Se é verdade que os pontos de interesse turístico da peça principal se destacam, não é menos verdade que há mais para ver em Famalicão. Ao todo, são 13 os museus do concelho. Entre as sugestões, o vereador do turismo aponta o Museu do Automóvel, "normalmente os adeptos de futebol também gostam de carros", brinca Augusto Lima.
A este acrescenta o núcleo do Museu Nacional Ferroviário, o edificado que integra a Rota do Românico e a nova aposta turística: o enoturismo com quintas de degustação de vinho verde. Para os interessados no passado, há vestígios arqueológicos de povoamentos antigos, do tempo da idade do ferro.
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Servido por importantes vias de comunicação - a A3, A7 e ferrovia -, o concelho beneficiou disso para aí fixar empresas, numa história recente que também tem um museu: o da indústria têxtil.
Para os apaixonados pela literatura, há uma Rota Literária de Camilo, criada para potenciar a ligação do concelho às obras do autor, que abrange histórias, lendas, paisagens e gastronomia. Ao longo deste percurso, é estabelecida uma relação entre os textos camilianos e o património das freguesias de Seide e Landim, proporcionando aos visitantes a revisitação de algumas das histórias e personagens.
