"Ele foi vendido ao Sporting sem escolha e, mais tarde, tramado pelos diretores"
As tramas e as vidas ousadas antes do 25 de Abril
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Aproveitando o carisma de Carlos Gomes, saudado como um grande antifascista, o sociólogo João Nuno Coelho discorre a viagem tenebrosa do antigo guarda-redes. “Ele foi vendido ao Sporting sem escolha. Mais tarde tramado pelos diretores, numa conivência com o regime, ia ser acusado de violação e teve de fugir para Marrocos, onde também jogou. Mais que um estado salazarista era uma sociedade salazarista”, marca, sem deixar fora de jogo a devida justificação.
“Diz-se que não havia clube do regime, mas há factos contrários. Era um aproveitamento amador, mas existia. Salazar desprezava o futebol e até devia considerar certas emoções abjetas, mas a década de 60 foi sopa no mel para o regime”, sustenta, identificando laivos propagandistas. “Num jogo da Seleção em 1945 contra a Espanha, após fim da 2.ª Guerra, são lançados milhares de panfletos no Estádio Nacional com a frase ‘Queremos futebol. Enquanto por essa Europa fora morrem milhares em guerras, nós estamos aqui num belo dia de primavera a ver futebol’”, desfia, saltando para outra vítima, amarrada pelo regime a uma teia de conspirações.
“É inevitável falar do Cândido de Oliveira, que pagou o preço de contestar e esteve ano e meio preso no Tarrafal, acusado de espionagem. Provavelmente foi preso por António Roquete, antigo guarda-redes de Portugal nos Jogos Olímpicos de 1928, que se fez inspetor da PIDE. Prendeu-o e agrediu-o”, recorda. “Era muito inteligente, criativo, politicamente interessado e foi estudar futebol a Inglaterra, foi selecionador vários anos e conseguiu manter-se mesmo como preso político”, invoca.
Sobra ainda Santana, grande extremo do Benfica, vindo de Angola, que teve o seu auge antes da chegada de Eusébio, comemorando as duas Taças de Campeões Europeus pelos encarnados. “Não conheço em profundidade, baseio-me no que escreveu o Afonso de Melo, mas ele terá sido preso cinco anos por ser acusado de colaborar com movimentos independentistas em África.”