"É difícil repetir o penta, mas num clube orientado por Pinto da Costa tudo é possível"
De uma receção hostil em Feyenoord à estabilidade de um plantel que treinava como jogava, o antigo capitão reviu a década que catapultou o FC Porto, com a rivalidade norte-sul ao rubro.
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Na segunda década da presidência de Pinto da Costa, o crescimento do FC Porto acentuou-se no domínio interno com a conquista de um inédito pentacampeonato, à boleia de treinadores que pareciam estar sempre no lugar certo e de uma geração de líderes. Um deles era João Pinto.
Eterno n.º 2 do FC Porto exemplifica a forma como Pinto da Costa fazia a diferença só por estar presente
O recordista de jogos pelo clube (587) recorda a mão cirúrgica do presidente e a mentalidade de um grupo que surpreendida quem chegava de novo: nas Antas os treinos eram como os jogos.
Os anos 1990 levaram o FC Porto para outro nível?
- O salto que o FC Porto deu nessa década foi o complemento do que vinha a fazer desde que o senhor Pedroto pegou na equipa e que o presidente Pinto da Costa tomou conta do clube. Criaram alicerces fortes para que uma equipa portuguesa conseguisse ganhar coisas cá dentro e lá fora. Foi com isso que durante a época de 1980 se ganhou e que se continuou a ganhar na década seguinte. Foi a passagem de um clube da província para um clube de nível europeu.
"Pinto da Costa mostrou que não tínhamos de ter medo de nada"
Pinto da Costa falava com frequência com os jogadores ou nem era preciso?
- Só se houvesse algum problema, porque quem tinha de falar connosco era a equipa técnica. Como nessa altura rara era a vez em que havia problemas, nem me lembro de grande coisa até. Quando a equipa estava menos bem, ele ia incentivar-nos e dizer algumas coisas ao balneário e, mais frequente, era ir cumprimentar-nos pelos jogos que fazíamos. Ainda assim, lembro-me que, numa eliminatória em casa do Feyenoord [1993], o presidente foi ao balneário porque tivemos muitos problemas ao entrar no campo. Foi o primeiro a ir à frente da equipa no túnel, para nos mostrar que não tínhamos de ter medo de nada. Ia ter connosco quando sentia que a sua presença era importante, portanto, não ia muitas vezes ao balneário, mas quando ia, fazia a diferença.
A estabilidade no plantel, ter sempre jogadores com vários anos de clube, foi o segredo para tanto sucesso nesta década?
- Isso e porque o presidente contratava bons jogadores. O FC Porto ganhava, porque tinha melhores equipas do que os adversários. Íamos jogar a qualquer lado e éramos mal recebidos. A guerra norte-sul vivia-se nessa altura como hoje não se vive, por isso, se ganhávamos, era por sermos melhores.
"Criou alicerces fortes para que o clube pudesse ganhar títulos cá dentro e lá fora"
Quão difícil será repetir um pentacampeonato?
- É difícil de voltar a alcançar, até por aquilo que o futebol é hoje. Mas num clube como o FC Porto e orientado por Pinto da Costa, tudo é possível.
Bobby Robson foi um dos treinadores mais carismáticos do clube, como foi trabalhar com ele?
- Antes de falar de Bobby Robson tenho de falar do senhor Pedroto, que, com Pinto da Costa, foi o obreiro para que o FC Porto conseguisse ganhar títulos. Depois dele passaram imensos treinadores com valor e claro que o Robson foi um sujeito de quem toda a gente gostava. Ganhou dois campeonatos, trouxe métodos de trabalho e de treino que naquela altura eram novos. Passaram grandes treinadores pelo clube, cada um com os seus métodos e Robson não fugiu à regra. Tinha um caráter excecional, era frontal com as pessoas e treinávamos como já vínhamos a treinar.
Os treinos eram como jogos?
- Sim, mas já estava enraizado desde o senhor Pedroto. É a tal mística de que muito se fala.
Ainda hoje se diz que o FC Porto de Robson praticava um futebol do melhor que se viu no clube. Concorda?
- O importante não era jogar bem ou jogar mal, era chegar ao final dos jogos e conseguir os três pontos. Havia algo incutido nos jogadores mais novos, nos que saíam das camadas jovens e nos que vinham de outros clubes ou do estrangeiro: até nos treinos era a valer. Lembro-me perfeitamente do primeiro treino do Zahovic, quando veio do V. Guimarães. Apareceu de botas com pitões de borracha e não tinha caneleiras. Ia atrás dele e disse-lhe que naquele clube não era assim. Ficou admirado pela forma como nos equipávamos. Íamos para um treino como se fosse um jogo, mas percebeu que tinha de ser assim, também para nos salvaguardarmos.
Ter um plantel com jogadores tão experientes tornou o trabalho de Augusto Inácio mais fácil quando Robson adoeceu?
- Robson falava com frequência com a equipa técnica, Inácio e José Mourinho iam algumas vezes a Inglaterra para falar com ele. Nunca deixámos que o rumo se desviasse. No FC Porto aprendemos a respeitar todos, desde o roupeiro até ao presidente. Sabemos o papel importante de cada um. Não é só por uma ou duas pessoas que se consegue ganhar.
Rui Filipe partiu, ficou o vazio e a vontade de levar tudo à frente
A 28 de agosto de 1994, o FC Porto perdeu Rui Filipe num acidente de viação. Era dia de jogo, mas o autor do primeiro golo do pentacampeonato estava de folga porque tinha sido expulso na Luz no desafio anterior. Mesmo assim, os dragões tiveram de ir a Aveiro defrontar o Beira-Mar e venceram por 2-0.
"Também foi um estímulo, porque se havia coisa que queríamos era vencer tudo o que nos aparecesse pela frente para lhe dedicar. Sentimos que a nossa obrigação era ganhar. Se havia jogo que tínhamos de ganhar era aquele", recordou João Pinto, que ali viveu o "dia mais triste da carreira" e nem precisou de falar aos colegas antes do apito inicial.
"Nessas alturas não é preciso dizer nada. Todos sabíamos o que queríamos e o que tínhamos de fazer", vincou o antigo capitão, com saudades de um "rapaz exemplar": "Dizíamos-lhe para ele fazer isto ou aquilo e nunca dizia que não. Uma perda enorme que sentimos imenso."
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