Cláudia Viana, anterior presidente da Comissão de Instrutores da Liga, professora da Escola de Direito da Universidade do Minho, falou em exclusivo a O JOGO sobre questões genéricas relacionadas com a morosidade da justiça desportiva.
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1 A demora na instrução dos processos disciplinares é uma inevitabilidade?
-Desde logo, há que ressalvar que quer a palavra "demora" quer a palavra "inevitabilidade" correspondem a conceitos relativos, o que é especialmente pertinente quando falamos de processos de natureza jurídica, onde se integram os processos disciplinares.
Um processo disciplinar que inicialmente até pode ser considerado um processo "simples" pode redundar num processo complexo, sendo que esta complexidade pode ainda revestir diferentes intensidades. Isto é o Direito! É a dinâmica, a riqueza e a singularidade da aplicação do Direito.
Falar em inevitabilidade é, por isso, inadequado. Podemos, sim, falar em imprevisibilidade.
Mas, cabe aos responsáveis garantir uma afetação de recursos adequada à instrução e decisão dos processos, de modo a mitigar uma eventual demora em determinados processos de maior complexidade jurídica.
Note-se que o que aqui está em causa não é específico dos processos disciplinares nem sequer e apenas dos processos de natureza jurídica. Já não estamos no âmbito do Direito, mas da gestão... gestão de recursos!
2 Até que ponto as sociedades desportivas podem ser um factor de demora na conclusão das diligências?
-Como jurista, só posso responder que a nenhum interessado num processo de natureza jurídica pode ser imputada qualquer responsabilidade na demora da conclusão desse processo, salvo em situações excecionais (note-se que, nestas situações, o Direito prevê ou pode prever uma adequada resposta). Trata-se aqui, na perspetiva do interessado, de exercer os direitos de defesa que a lei e os regulamentos lhe conferem, cabendo aos órgãos responsáveis decidir se e em que termos o podem fazer, também em conformidade com o previsto na lei e nesses regulamentos.
O discurso, hoje demasiado frequente, que os problemas da Justiça (em geral, e não apenas da Justiça desportiva) são, em grande medida, imputáveis aos interessados visados não é mais do que uma tentativa de desresponsabilização por parte daqueles que são os órgãos máximos responsáveis, ou seja, os órgãos responsáveis pela aprovação das leis e pela formulação e implementação de adequadas políticas públicas no âmbito (dos diversos setores) da Justiça. E a Justiça Desportiva não é uma exceção, independentemente da especificidade do modelo de justiça desportiva no âmbito do futebol profissional.
3 Os regulamentos e os meios da Liga são adequados para dar uma boa resposta?
-Relativamente aos meios da Liga e também da FPF (porquanto é o Conselho de Disciplina da FPF que tem a competência para a decisão dos processos disciplinares), não tenho, atualmente, o conhecimento necessário para poder responder a essa questão. Já no que respeita aos regulamentos, afigura-se-me que seria importante, primeiro, repensar o modelo de justiça vigente, designadamente em relação à sua organização bem como ao seu funcionamento, para, de seguida, proceder à elaboração de um quadro regulamentar sólido e consistente, quer na perspetiva da técnica jurídica quer do ponto de vista do seu conteúdo.
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