<strong>TEMA - </strong>A ideia de que o futebol é um mundo de homens está condenada, dentro e fora do terreno de jogo. Há cada vez mais mulheres a jogar à bola e, quanto a cargos diretivos, chegam ao futebol de elite com a lei que impõe quotas no topo da hierarquia dos clubes cotados em bolsa. Os três grandes terão de dar o exemplo.
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Numa era em que o futebol feminino está em franca expansão, também os gabinetes onde se tomam as decisões ao mais alto nível abrem as portas às mulheres. O ano de 2020 será aquele em que o futebol profissional português cotado em bolsa as recebe, por imposição legal.
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O regime legal de representação equilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de administração e de fiscalização fixa num mínimo de 33,3 por cento a proporção de pessoas do mesmo sexo, designadas pelas "competências, aptidões, experiência e qualificações legalmente exigíveis". As quotas fixadas pela Lei 62/2017 - que visam também o sector público empresarial - serão aplicadas a partir da primeira assembleia geral eletiva que tenha lugar após o início do ano. Ou seja, FC Porto e Benfica, que vão a votos em 2020 - os mandatos dos órgãos sociais dos clubes coincidem com os das SAD (sociedades anónimas desportivas) - terão de passar a incluir mulheres nos conselhos de administração e fiscais, novidade relativamente aos elencos atuais.
FC Porto e Benfica terão de incluir 33 por cento de mulheres nos órgãos de administração e fiscalização das respetivas SAD após os atos eleitorais de 2020. Os do Sporting, que remontam a 2018, procederam a essa inclusão em outubro: duas no CA e uma no CF
Neste caminho no combate à desigualdade gritante no acesso aos cargos de administração, o Sporting vai na frente, porque se atrasou a cumprir a lei: em 2018, no ano em que Frederico Varandas foi eleito, já era suposto as empresas cotadas em bolsa terem 20 por cento de mulheres naqueles órgãos específicos.
Um ano mais tarde, essa lacuna foi preenchida, uma vez que os estatutos preveem o alargamento do número de membros do CA no decurso do mandato. Maria Serrano Sancho, vice-presidente do Conselho Diretivo, e Sara Sequeira, suplente do Conselho Fiscal do clube, passaram a vogais do Conselho de Administração (CA). O Conselho Fiscal da SAD ganhou Catarina Cunha como vogal. Nenhuma das três, porém, aparece na listagem dos órgãos sociais disponibilizada no site do clube.
Nos próximos meses, também FC Porto e Benfica terão de eleger órgãos sociais para as respetivas SAD, depois de os clubes irem a votos, e a imposição legal da quota de 33,3 por cento para o género menos representado conduzirá a mudanças.
62/2017 - Depois de décadas a tentar mudar mentalidades, o equilíbrio na representação de géneros ganhou força de lei
Atualmente, o CA dos dragões, presidido por Pinto da Costa, tem seis elementos (Antero Henrique saiu e não foi substituído). Os estatutos admitem três, cinco, sete ou nove membros. Para cumprir as quotas, o elenco não deve aumentar; o mais provável é que haja saídas. No caso dos campeões nacionais, Luís Filipe Vieira lidera uma equipa de cinco administradores e que pode ir até aos 11 (o mínimo são três), ou seja, há margem mais do que suficiente para cumprir a lei ainda que queira manter o elenco atual; no entanto, essa é uma questão para abordar no final do mandato.
Até lá, nem por isso os encarnados deixam de ter rostos femininos no futebol profissional. Nas assembleias gerais da Liga, é habitual a SAD fazer-se representar pela advogada Célia Falé. De resto, tal como sucede com o Sporting: a advogada Patrícia Silva Lopes é quem ocupa o lugar dos leões no executivo de Pedro Proença.
Leões exemplares no Plano para a Igualdade
O Sporting adiantou-se aos rivais na apresentação do Plano para a Igualdade"2020 e foi o primeiro a remetê-lo à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género e Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego. Pouco mais de metade das empresas cotadas em bolsa cumpriu a data-limite para o efeito, e a SAD leonina foi uma delas.
O FC Porto fê-lo poucos dias depois. Do Benfica, não há registo no site da CMVM. O documento obedece a um guião cujas coordenadas foram fixadas em despacho normativo de junho deste ano; define áreas de intervenção - igualdade no acesso ao emprego, remuneratória e nas condições de trabalho; proteção na parentalidade e conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal - e as respetivas matrizes de diagnóstico, execução e verificação das metas assumidas.
Rostos
Sílvia Carvalho - Foi presidente do CA da SAD do Leixões em 2013/14. Atualmente preside à AG da sociedade
Sónia Carneiro, Helena Pires e Susana Rodas - O ex-árbitro Pedro Proença escolheu três diretoras executivas para a Liga. Sónia Carneiro é advogada, Helena Pires é perita na organização dos campeonatos e Susana Rodas especialista em marketing.
Adelina Trindade Guedes - Advogada, a diretora-geral da SAD do Boavista foi do primeiro ao terceiro escalão e voltou ao ponto de partida com vitórias na secretaria e nos tribunais.
Quotas para quê? Para mudar, diz a União Europeia
A definição de quotas para combater a discriminação de género não é uma medida consensual, no entanto é uma ferramenta eficaz. Disso mesmo dão conta as conclusões da reunião de 10 de dezembro do Conselho da União Europeia (UE) e dos representantes dos governos dos estados-membros.
Quase 25 anos depois da implementação da IV Conferência Mundial da ONU sobre as Mulheres, de que resultou a Plataforma de Ação de Pequim, uma espécie de guia estratégico para mudar mentalidades, constata-se que "as mulheres continuam a estar sub-representadas em todas as áreas de tomada de decisão, (...) inclusive nos domínios empresarial e da política". "Embora a percentagem de mulheres nos processos decisórios tenha aumentado desde 2013, especialmente nos casos em que houve uma ação legislativa", sublinha-se, os progressos globais têm sido lentos" e "persistem na UE importantes disparidades salariais e de pensões entre mulheres e homens".
Impor percentagens de género nos cargos decisórios é uma medida que gera discussão. Os números dizem que tem resultado e que o caminho tem sido feito muito lentamente
Estas conclusões vão ao encontro dos dados difundidos pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho e Segurança Social a 8 de novembro, no âmbito do Dia Nacional da Igualdade Salarial. Em Portugal, a disparidade situava-se nos 16,3 por cento em 2017, três pontos percentuais acima da média europeia (16 por cento) e abaixo dos 17,8 por cento de 2015. Os dados analisados mostram que a diferença salarial entre homens e mulheres aumenta quando se sobe e estreita a pirâmide de rendimentos, e também à medida que aumenta o nível de qualificação profissional. É precisamente esta a esfera da Lei 62/2017, que está a conduzir as mulheres aos lugares de decisão do futebol de elite.