Voltou a uma casa onde foi muito feliz, é um dos campeões de 2001. Foram dez anos como futebolista profissional, ali iniciou a carreira de treinador. Deu cartas na Bolívia; agora é um ombro amigo
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Erwin Sanchez, 47 anos de vida divididos quase a meio entre Portugal e a Bolívia. É com naturalidade que se olha para ele como um estrangeiro português... Chegou a meio da época para tentar a permanência do Boavista, conseguiu-a mas admite que, como tantos outros, teve algum receio de não a conseguir. Uma derrota valeu um clique para o sucesso: foi o segundo jogo com o FC Porto. Sanchez abriu o coração ao Boavista e contou tudo a O JOGO.
Conseguir a permanência do Boavista foi o momento alto da sua carreira?
-O objetivo foi cumprido. Obviamente que atravessar estes meses na situação em que o Boavista se encontrava não foi nada fácil. Os outros clubes onde estive lutavam pelo título, mas saí com a convicção de que ia alcançar a permanência. O trabalho que todos nós fizemos, arrastando também os adeptos, foi fundamental. Aliás, a única maneira de safar o Boavista seria um envolvimento que, felizmente, aconteceu.
Houve em algum momento dúvidas de que isso seria conseguido? Você teve essas dúvidas?
-Se calhar, a seguir ao jogo com o FC Porto para o campeonato, antes de novo encontro para a Taça... Fomos goleados e tivemos três jogadores habitualmente titulares com lesões graves: o Tengarrinha, o Henrique e o Correia. Ficámos com menos alternativas e se calhar não fui apenas eu que tive algumas dúvidas, mas rapidamente percebemos que sim, que era possível. Três dias depois, também com o FC Porto, as dúvidas ficaram dissipadas - foi o clique para acreditarmos mais ainda na permanência. Fizemos um grande jogo e tirámos boas conclusões.
Foi um risco aceitar este desafio que o Boavista lhe fez?
-Sim, mas ao longo da minha vida tem sido assim. Tanto fora como dentro do campo de jogo. Quando vim com 19 anos para Portugal, foi um risco muito grande. Deixar tudo e vir para um país desconhecido, tão... não foi fácil. Neste regresso, foi igual. Quando acredito no que posso dar, não tenho qualquer receio de aceitar. Resolvi correr o risco, primeiro porque tive a oportunidade de dar um ombro amigo ao clube; passei aqui dez anos da minha vida, com mais coisas boas do que más, e entendo que temos de ser agradecidos a quem nos faz bem. Foi isso que me levou a voltar, porque não tencionava sequer sair de Santa Cruz.
Porque levou tanto tempo para renovar?
-As coisas têm o seu tempo. Conversámos e chegámos a um acordo, traçando o objetivo: a permanência, deixando de pensar noutras situações que nos poderiam levar a um caminho errado. A instituição tem de ser sempre preservada, nós estamos de passagem. Já estiveram aqui grandes pessoas, foram-se embora, e o Boavista continua. Temos de tentar dar sempre o melhor pela instituição e tem de haver um encontro de ideias, neste caso entre o treinador e a Direção, para que o clube seja protegido.
A permanência continuará a ser o objetivo. Quando voltará o Boavista de outros tempos?
-O importante é a estabilidade do clube. Não podemos passar do oito ao oitenta. Para o ano temos de dar passos seguros rumo à estabilidade, que passa por termos jogadores que a curto e a médio prazo possam ser uma base do clube, criando alicerces firmes para o Boavista não voltar a passar mal.
Rentabilizando jogadores, como no passado. Você é um bom exemplo dessa política...
-Sim, uma das soluções em termos financeiros passa por aí.
Vai então mudar muito o plantel?
-É normal haver entradas e saídas, uns jogadores que se afirmam mais do que outros. Há jogadores que são transferidos... o Boavista nunca cortou as pernas a ninguém. Temos ideias sobre quem queremos, mas também depende muito da parte financeira. Gostaria de ter os milhões do Manchester ou do Barcelona - era mais fácil.
Hoje já olham com mais respeito para o Boavista?
-Quando cheguei, coloquei-me ainda mais a par da realidade e apercebi-me rapidamente de que algumas pessoas tinham perdido esse respeito que o Boavista merece, mas no fim do campeonato isso mudou; o respeito foi ganho com muito trabalho dentro das quatro linhas.
Quando falam da força dos adeptos, é uma estratégia de comunicação ou é uma realidade?
-É um sentimento. No jogo com o Tondela, numa segunda-feira, ter toda uma bancada cheia de boavisteiros deu outra força - do género "estamos todos aqui, podem contar connosco". Isto foi a seguir às duas derrotas com o FC Porto. O futebol mexe com muita coisa e mexe com os sentimentos. Por vezes percebemos melhor algumas palavras do que outras, mas se calhar todas vão no sentido de ajudar o Boavista. Os adeptos boavisteiros são realmente o nosso jogador número 12.