Pepijn Lijnders, o número 2 do campeão europeu, tem raízes no FC Porto. A obsessão pelo ataque e por um jogo de qualidade encantou quem lhe passou pelas mãos, levou-o ao Liverpool e encontrou a outra metade em Jurgen Klopp. Agora não se largam.
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Moldou a qualidade de vários craques do futebol português e desenhou, com Jurgen Klopp, o novo campeão europeu. Da técnica à tática, uma viagem do FC Porto ao Liverpool pelo próprio Pepijn Lijnders e por quem o conhece.
"Competência, entusiasmo, profissionalismo e ambição. É assim que se define. Nunca houve desconfiança sobre o seu trabalho" - Luís Castro, treinador do Shakhtar Donetsk
Em 2007, Pepijn Lijnders foi entrevistado pelo FC Porto. "Queríamos um departamento para o desenvolvimento das capacidades individuais e o método de Coerver (holandês) interessava-nos. Encontrámos uma pessoa muito entusiasmada com o lado individual do jogo. Dominava-o de forma total e mostrou-se muito interessado". Luís Castro, agora treinador do Shakhtar, resume os primeiros passos do agora número 2 de Jurgen Klopp.
Após três meses à experiência, assinou um contrato e pegou em miúdos como Rúben Neves, André Silva, Gonçalo Paciência, André Gomes, Dalot, João Félix, Tozé ou Fábio Martins e ficou responsável por desenvolver as aptidões individuais de cada um. "Nunca houve desconfiança", garante Castro, contra a tese que chegou a correr de que Pepijn nem sempre foi unânime.
"Os jogadores adoravam-no", justifica Fábio Martins, atualmente no Braga. "E a evolução de cada um justificava o plano. Vejam-se, aliás, quantos miúdos chegaram a outro nível", pede Luís Castro. "Era uma das melhores partes da semana. Era o dia em que treinávamos com liberdade, a poder ir para cima, a testar coisas novas, sem estarmos amarrados a questões táticas", prossegue Fábio Martins.
"Era diferente, mas a ousadia agradava a todos. O domínio da qualidade técnica dava-nos confiança para os jogos" - Tozé. jogador do V. Guimarães
No FC Porto chegaram a chamar-lhe "o Fintas". Um erro grande. "Extremos driblavam, médios treinavam passe, defesas experimentavam os tackles...", explicou o extremo. "Colocava os médios na linha de meio-campo e duas balizas na zona do pontapé de canto. Tinham de marcar golo e, no fundo, só estavam a treinar o passe longo", exemplifica Tozé, do V. Guimarães. "Era realmente diferente. Sempre com a preocupação técnica, até no cabeceamento ou nos carrinhos e não só no que mais se nota", completa Tozé.
O processo fez sucesso no mundo do futebol e, num instante, Pepijn era requisitado para palestras em todos os cantos da Europa. Por essa altura, o treinador já tinha percebido que a técnica era complementar da tática. "Vítor Frade e Luís Castro foram grandes inspiradores", confirmou. "Acima de tudo, incentivámos e ajudámos o Pepijn a refletir além do individual, com a tática ao fundo", resume Castro. E assim Pepijn virou treinador.
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Um dia foi a Inglaterra dar uma conferência e não saiu da sala sem ser contratado pelo Liverpool. Da formação subiu à equipa principal com Brendan Rodgers porque "o clube gostava e queria uma identidade técnica". Quando entrou Klopp, a identificação foi imediata. O alemão puxou-o para treinador assistente e juntos planeiam todo o futebol do Liverpool, que passou a obedecer a um único princípio: ataque agressivo, com e sem bola. "Pressionar lá em cima de forma intensa é atacar", aponta o holandês.
"Técnica era a base de tudo. Os avançados treinavam fintas e remates, os médios insistiam no passe, os defesas trabalhavam os carrinhos" - Fábio Martins, jogador do Braga
A conspiração do futebol bonito levou-o do Olival à conquista da Liga dos Campeões. "As coisas boas são uma questão de tempo", brincou, quando desafiado por O JOGO a contar parte da experiência deste ano, que ao abaixo reproduzimos, sem cortes nem edição, em discurso direto. Desfrutem.
O trabalho com Jurgen Klopp - "Penso como ele:
vamos criar o caos no adversário e depois controlá-lo"
"Se olharem para os vencedores, quem quer que eles sejam, podem ter a certeza de que há muitos detalhes por trás. Jurgen e eu acreditamos que o processo é tão importante como o jogo, acreditamos que todos os detalhes contam. É por isso que acreditamos tanto no nosso processo de treino, na consistência e na repetição dos exercícios. Como treinador assistente, esse é o meu foco. Essa é a minha responsabilidade e volto sempre ao mesmo, repetindo e repetindo o processo de treino. Eu amo o meu trabalho, especialmente ao lado de Jurgen. É a primeira época que temos juntos nesta configuração. E estou muito orgulhoso do nosso esforço. Fizemos 97 pontos na Premier League. Pensamos da mesma forma e só com ele eu poderia fazer este trabalho. Temos a mesma ideia: queremos atacar cada adversário com e sem a bola. Ser contra o Barcelona ou num amigável de pré-temporada, para nós é igual. O objetivo em todos os jogos é o mesmo: ditar a forma como ele decorre, criar o caos no adversário e, a seguir, controlá-lo."
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Os jogadores e o treino - "Odiamos quem se
lamenta e aprendi a esperar mais erros"
"Nunca é um erro treinar com tudo o que podemos dar. Dou um exemplo: Milner, Henderson e Firmino treinam sempre com tudo o que têm, mas quando digo tudo, quero mesmo dizer tudo. E é isso que torna esta equipa tão especial, a determinação de melhorar sempre. Nós amamos aqueles que odeiam quem se lamenta. Queremos ter a iniciativa em todos os momentos de jogo e ter esses jogadores que tomam a iniciativa constante no treino torna tudo muito mais fácil. Tornei-me um treinador muito mais paciente, aprendi a esperar mais erros, lido melhor com isso, principalmente porque pedimos-lhes para jogarem com iniciativa constante, para tentarem mais e mais. No final das contas, é isto que nos deixa mais realizados. E eu acredito muito nisso, ter iniciativa, assumir riscos, criar para marcar... Esta ideia de jogo melhora os jogadores por si só. As coisas boas só demoram algum tempo..."
Liverpool e a filosofia - "Lutámos juntos por cada centímetro
de campo e fizemos do jogo algo melhor"
"O melhor deste clube é revelado com humildade, no desejo de melhorar todos os dias. O melhor deste clube vê-se também na paixão das pessoas que trabalham no clube e na paixão dos adeptos. A esse nível, vejo muitas se semelhanças entre FC Porto e Liverpool FC para ser honesto. Ganhar a Liga dos Campeões foi muito especial, mas regressar ao Dragão foi uma vitória emocional para mim. O que mostrámos esta temporada, resultou de um trabalho muito duro. Fomos uma equipa pressionante, que lutou junta por cada centímetro do campo e fez do jogo algo muito melhor. Neste momento, nós sabemos ter a bola da melhor forma. Foi a nossa maior evolução."
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Preparação da final - "O Benfica B deu-nos o que precisávamos,
mas também podia ter sido o V. Guimarães"
"Ir para a Espanha tão cedo foi importante para nos adaptarmos ao clima e permitir que os jogadores estivessem longe da agitação da cidade de Liverpool. Ao fim de três dias, trouxemos as famílias dos jogadores também. Então, além da final, já havia algo diferente para pensar. Depois procurámos levar para Marbelha um adversário que fosse taticamente flexível para se poder adaptar facilmente ao estilo do Tottenham. Precisávamos de uma equipa ofensiva, com capacidade para construir o jogo também. Tentámos o V.Guimarães de Luís Castro e o Benfica B de Renato Paiva. Foi o Benfica B e funcionou de forma brilhante. Primeiro tivemos várias reuniões e treinos com eles, para se adaptarem ao que nós precisávamos. Depois eles conseguiram adaptar-se, tal como prevíamos, ofereceram-nos exatamente os mesmos problemas que enfrentámos na final."
A final com o Tottenham - "A forma como batemos
o Barcelona vale bem as orelhas daquela Taça"
"Não podemos olhar para a final apenas como o jogo contra o Tottenham em si mesmo. A forma como chegámos à final, batendo daquela forma o Barcelona, vale as orelhas da Taça.Foi impressionante. Sempre que pegamos naquelas orelhas com as nossas mãos, devemos pensar sobre esse jogo e recordar o que fizemos. Foi isso que Paulo Coelho disse: quando você realmente sabe o que quer, o universo conspira a seu favor. Queríamos impressionar o Tottenham desde o primeiro segundo com a nossa identidade, energia e paixão. Sabíamos que teríamos de ser organizados, compactos e agressivos para poder criar distúrbios no jogo posicional do Tottenham, que é muito forte nos espaços interiores. Mas queríamos muito que todo o mundo percebesse porque competimos, porque somos Liverpool. As pessoas tinham de perceber quem nós somos e essa era a oportunidade perfeita."
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Festa e regresso a casa - "Festejamos sempre como jogamos:
a 100% e naquela noite bebemos muito..."
"Estou tão, mas tão orgulhoso da equipa, dos adeptos, de Jurgen. Temos a Taça das orelhas grandes. Um dos maiores prémios do mundo do futebol é nosso. Tivemos 750 mil adeptos apaixonados à nossa espera. Os olhos deles mostram-nos o quanto isto significou. É por isso que o Liverpool é o Liverpool. Esses momentos estarão no meu coração para sempre. No final do jogo, a única coisa de que me lembro foi de ver a minha mulher e os meus filhos. Fui até aos camarotes para os encontrar. Senti-me orgulhoso quando olhei para eles e foi um momento também muito emocionante. O facto de eles estarem lá a ver a conquista da Liga dos Campeões deu-lhe um sabor muito mais doce. De volta ao balneário, cantámos, dançámos e bebemos muito. Nós dizemos sempre: jogar a 100% e depois festejar a 100%. Foi o que fizemos naquela noite."