Óliver Torres numa entrevista exclusiva: "Cheguei menino ao FC Porto e saí um homem"
ENTREVISTA (parte 1) - Óliver, médio do Sevilha, em exclusivo a O JOGO: dos momentos nos Aliados que nunca conseguirá pagar, à ansiedade que a falta de golo lhe provocou e ao rótulo de 20 milhões que lhe colocaram um peso adicional.
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Óliver Torres foi instantâneo a responder à SMS de O JOGO: "Uma entrevista? Sim, claro. Gostava mesmo de mandar uma mensagem de ânimo para o Porto e Portugal". Depois da autorização do Sevilha, e por vídeoconferência, marcámos um horário. Foram 58 minutos e muito mais do que uma simples mensagem.
Agora no Sevilha, diz-se marcado para sempre por clube e cidade do Porto. Quatro anos são mais do que só uma história sobre futebol
Vamos percebendo, pelas redes sociais, que a empatia entre Óliver, FC Porto e cidade se mantém forte. Como a explica?
-Bem, fui para o Porto com 20 anos, não conhecia nada, mas desde o início que senti uma conexão muito forte com os adeptos, a cidade, o clube, a sociedade portuguesa. Era muito feliz no Porto. Depois voltei a Madrid, mas a minha intenção sempre foi regressar. Consegui e seguiram-se três anos de muitas emoções, momentos mais felizes, outros menos. Mas a relação foi sempre muito boa, dei sempre tudo de mim. Por isso os adeptos têm muito carinho e eu sempre tive muito prazer em jogar para eles com a camisola do FC Porto.
Disse numa outra entrevista que, antes de rumar a Sevilha, foi à Ponte Luís I e chorou. Ainda tens saudades do Porto?
-Foi difícil e emotivo. Quando me disseram que o FC Porto tinha aceitado a transferência pensei... bem, agora é verdade, vou deixar o Porto. Foi como voltar atrás na minha cabeça e recordar todos os momentos bonitos que vivi na cidade, os jogos incríveis no Dragão, a vitória no campeonato. Fui para a ponte refletir sobre as mudanças na minha vida, refletir sobre o que tinha feito bem ou mal.. Chorar foi normal. É algo bom...
"Tive o azar do golo, sobretudo nesta última fase. Ficava com a cabeça um bocado cheia com isso"
Foi mais dura a decisão de regressar a Espanha do que a que tomou com 20 anos ao decidir vir para Portugal?
-Foi totalmente diferente. Quando vim para o FC Porto, estava para ser emprestado ao Villarreal. Muita gente me aconselhava a ficar em Espanha, mas tinha a sensação de que as coisas iam correr bem. Agora já levava quatro anos de Porto. Mas gosto de novos desafios. Sevilha era a melhor opção por vários motivos, porque o treinador me conhece e o seu estilo encaixa bem no meu. Saí do FC Porto como um homem. Era o momento de partir, até porque só tinha memórias boas.
"O golo em Tondela foi dos momentos mais felizes da minha vida. Nos festejos percebi o quanto gostavam de mim"
Numa perspetiva mais fria, o que é que o Óliver fez de melhor e de pior no FC Porto?
-Quatro anos dá para muito. Nós, jogadores, não somos máquinas e temos melhores e piores épocas. Mas sei que, em Portugal, não olhavam para mim da mesma forma quando cheguei ao FC Porto emprestado e depois de ter custado 20 milhões. É normal. É um preço muito alto e sabia que as expectativas eram muito altas e talvez não tenha, em determinados momentos, conseguido transferir para os jogos o que fazia nos treinos. Tive o azar do golo... Sobretudo nesta última fase. Ficava com a cabeça um bocado cheia com isso.
Portanto, aquele Óliver do primeiro ano beneficiou da ausência de pressão?
-As análises têm que ser mais profundas. No primeiro ano o treinador conhecia-me, sabia que se falhasse ele falaria comigo e ajudava-me. E com 20 anos era um menino e não deixava que as coisas de fora me afetassem. Não era fácil gerir os momentos maus, mas o que me ajudou a crescer é que sempre trabalhei duro e passei pelas pedras que tinha no caminho. Penso que consegui fazer jogos de muito trabalho e qualidade. Consegui crescer como futebolista e pessoa.
Se calhar é isso que explica que, mesmo não tendo sido sempre primeira opção, tenha havido relutância do clube e do treinador em relação à saída. Entende isso como um reconhecimento?
-Sim, sim. Falo em nome do presidente, pelo qual tenho um grande respeito e admiração, como pelo mister, com o qual muitas vezes não fui primeira opção. Mas acho que ele guardou uma imagem muito boa de mim, pela forma como trabalhei. Acho que, no final, interpretava bem a sua forma de jogar. Em alguns jogos estive muito bem e ele disse-me. Para os colegas também acho que não foi fácil, porque estava sempre na brincadeira e eles sabem que tinham sempre o meu apoio. Mas a mudança faz parte do futebol. Agora que tenho a possibilidade, quero dizer obrigado aos colegas, a Sérgio Conceição, a Nuno Espírito Santo e a todos os adeptos, a todos que trabalham no clube e ao presidente, que me deu a oportunidade de representar o FC Porto durante quatro anos. Foi um período fantástico. Fui um privilegiado e sinto por isso um orgulho enorme.
"Na Ponte Luís I refleti sobre a minha vida, as mudanças, o bom e o mau. Chorei, mas isso é bom..."
"No Sevilha até de bicicleta já marquei"
A falta de golo, que sempre lhe apontaram, não é mais do que uma questão de confiança. Nem culpa do sistema, nem uma espécie de defeito pessoal. Aos números do passado, Óliver responde com os do presente.
Começou no FC Porto com Lopetegui e um sistema de três médios. Nuno ia variando. Com Conceição a equipa jogava mais vezes com apenas dois médios, sendo que Danilo e Herrera foram sempre primeira opção. Isso prejudicou-o ou puxou por si?
-Danilo e Herrera são grandes jogadores. O mister olhava para eles como os mais fortes para o duplo pivô no meio campo. Mas era uma forma de eu treinar a cada dia para poder melhorar. Nesse sentido, tenho a certeza que o mister tem de estar contente comigo, porque sabe que sempre trabalhei em prol da equipa e tentei sempre melhorar para fazer o bem o duplo pivô. Melhorei e aprendi muito. Agora posso jogar perfeitamente nesse esquema.
"Não olhavam para mim da mesma forma quando cheguei emprestado e depois de ter custado 20 M€"
Portanto, chegou ao FC Porto como 10, saiu como médio...
-[Risos] As pessoas achavam que eu era um 10, mas a minha posição natural e a que mais gosto é a de "8". Gosto de ser o criativo da equipa, estar sempre perto da bola, ter sempre dinâmica no jogo. Mas o futebol mudou um bocadinho, agora as estatísticas são muito importantes.
Faltou-lhe a estatística no segundo período no FC Porto... Com Lopetegui até marcou sete golos, mas depois isso não aparecia. Questão de confiança?
-É questão de muitas coisas, de energia, de espírito e confiança. Tem muito a ver. Sem a confiança em alta, fazia um remate e ia ao lado ou ao pau... Aqui levo 4 golos marcados e um até foi de bicicleta [risos]...
No FC Porto esteve praticamente dois anos sem marcar, mas quando isso aconteceu [em Tondela] foi um dos melhores golos da época...
-Foi um dos momentos mais felizes da minha vida, não só pelo golo, mas pela forma como os meus colegas festejaram comigo. Isso diz-me muito, diz-me que gostavam de mim, do meu trabalho. Isso é muito maior do que ganhar ou perder. O carinho dessas pessoas todas, colegas, treinadores, funcionários é a maior vitória que levo do FC Porto.