Carlos Cardoso é uma das principais figuras da história do Vitória de Setúbal. Jogou ao lado do famoso Jacinto João no período áureo (anos 70) e, já como treinador, foi várias vezes chamado para endireitar o barco.
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Quantos anos esteve no Vitória?
Como jogador estive 20 anos: comecei com 14 e acabei com 34. Como treinador estive 15 anos. Por inteiro, residente, como adjunto, fiz esses papéis todos.
Quando deixou o clube?
Em 2010. Era adjunto nessa altura. O presidente dizia que eu tinha contrato vitalício, mas eu acabei-o em 31 de agosto de 2010. Foi no ano em que fiz 65 anos e depois passei a estar reformado da Segurança Social.
E era cá da cidade?
Sim e a minha família também. A minha mãe e o meu pai eram operários na indústria das conservas. Era a indústria que movia esta cidade. Setúbal tinha 100 fábricas essa altura e hoje não tem nenhuma. Era o Marques Neves, o Zé Viegas, a Estrela do Sul, etc.
Entre a carreira de jogador e a de treinador esteve alguns anos fora. Por onde andou?
17 anos fora do clube. Estive no Elvas, Lusitano de Évora, Juventude, Nacional, União da Madeira, Barreirense, Benfica de Castelo Branco e depois regressei a Setúbal a convite do Quinito, para formar uma equipa técnica que tirasse o Vitória da II Divisão em 1994/95. E foi isso que fiz.
E depois ficou conhecido como "bombeiro", porque o chamavam sempre para vir apagar os fogos, entre aspas?
Quando havia qualquer problema chamavam-me. Como normalmente era adjunto, ia vendo o que se passava. Ia analisando o trabalho dos outros treinadores. Tive um relacionamento espetacular com Carlos Carvalhal, José Couceiro, Daúto Faquirá, António Conceição. Fui sempre cumpridor e recebi elogios deles todos. Depois, quando as coisas corriam mal, o Vitória não tinha dinheiro para ir buscar outros treinadores e diziam: "Olha lá, vai ali buscar o Cardoso, que é capaz de fazer qualquer coisinha." E fiz muitas vezes. Salvei muitas vezes o Vitória. De descer de divisão foram seis as vezes em que eu salvei o Vitória. O clube estava a abanar, em risco de descer e eu aguentei-o. E não me fiz valer disso, nem me fui gabar para as televisões e para os jornais.
Continua sadino de alma e coração...
O Vitória de Setúbal é um estado de alma. Quem nasce nesta terra fica agarrado para toda a vida ao Vitória. Ainda me lembro da altura em que o Vitória tinha potes de barro na praça e em várias lojas para os adeptos irem lá meter a sua notazinha e a sua moedinha, para depois se construir o estádio. E fez-se um estádio que agora está talvez ultrapassado, mas que na altura foi a grande obra feita em Setúbal, pelos vitorianos e pelos setubalenses. E já nos anos 90, por exemplo, houve uma altura em que, num plantel de 26 jogadores, 19 eram de Setúbal. Agora olho para a equipa e não vejo um único.
Como foi possível a um clube como o Vitória ter estado tantos anos entre os grandes da Europa?
Porque na altura vivia com as possibilidades que tinha. Não queria calçar um sapato que não fosse à medida. Na altura os presidentes eram homens daqui, pessoas com grandes responsabilidades na cidade e as pessoas acreditavam neles. Acreditavam que eles gerissem o clube de forma a que se projetasse mais e melhor na Europa. O que depois deixou de acontecer. Depois começámos com ideias megalómanas, quisemos abraçar o mundo, ser campeões nacionais, ganhar a Liga Europa e não estávamos preparados para isso.
Quem teve esse projeto de levar o Vitória ao título nacional?
O Fernando Oliveira teve-o em 1991. Foi buscar treinador e jogadores a grandes equipas, já com alguma idade, com a ideia de ser campeão, só que tivemos azar e descemos logo de divisão nesse ano. Esse projeto deu em descida e a partir daí... Vão ler os jornais da altura e vejam. É o princípio do desaire.
Mas porquê?
Porque é aí que começam os problemas financeiros. Com os sócios e as receitas que tínhamos, não podíamos pagar o que pagávamos aos jogadores que vieram para cá. Antigamente, os presidentes não gastavam mais do que aquilo que tinham, depois deixou de ser assim.
Também terão havido outros problemas...
Sim, claro, outro problema foi a grande quebra da zona industrial de Setúbal. Era uma região rica e havia dinheiro para o futebol, mas depois as coisas mudaram. Entretanto houve a história dos terrenos, também.