E ainda a história do célebre jogo em Parma entre as equipas de 120 Dias de Sodoma e Novecento
Corpo do artigo
A visita do Bolonha a Alvalade, a segunda a Lisboa em curto espaço de tempo, após empate arrancado na Luz, remete para um certo renascimento dos rossoblú, premiados com uma presença na Champions, depois de época fantástica. A grandeza do clube italiano expressa-se por sete títulos conquistados na Serie A, último deles em 63/64. Pagliuca, Roberto Baggio ou Signori foram estrelas ainda duradouras na memória de gerações mais recentes, mas é Giacomo Bulgarelli a grande lenda, o nome icónico que esteve no último Scudetto, detentor de máximo de jogos, mais de 400, participando de 1958 a 1974 com a bonita camisola bolonhesa. E o médio é exatamente um catalisador da paixão conhecida de Pier Paolo Pasolini pelo emblema de Emilia-Romagna.
O controverso cineasta italiano, autor de 120 Dias de Sodoma, Mamma Roma ou Teorema, multifacetado nas artes, complexo e cru na sétima arte, nasceu em Bolonha, apaixonando-se por uma equipa que lhe deu inúmeros títulos na sua juventude. Teve como primeiro ídolo Amedeo Biavati, campeão do mundo em 1938, mas Giacomo Bulgarelli, internacional italiano, campeão da Europa em 1968, despertou-lhe um encanto sem precedentes. "No dia em que conheci Bulgarelli, foi como se tivesse visto Jesus Cristo". Esta definição de Pasolini apoia-se nos seus criativos conceitos de jogo, identificando o médio como um prosador realista, já que o cineasta distinguia os prosadores dos poéticos, colocando nesta prateleira os brasileiros pelo aroma do golo e da finta, e no mundo da prosa os italianos pela mais cuidada e espartana interpretação de um sistema de jogo.
A febre futebolística do realizador também se notabilizou através de um encontro que sugeria uma rivalidade artística, e duas equipas saltaram para o campo em Parma, em 1975, uma celebrando o lançamento de 120 Dias de Sodoma, de Pasolini, e outra a estreia de Novecento, de Bernardo Bertolucci. Rezam as crônicas que a vitória sorriu à equipa de Bertolucci por 5-2, este na pele de treinador, e que terá incluído no seu conjunto, dissimulando-os como elementos da produção alguns juniores do Parma. E Carlo Ancelotti até pode ter sido um deles. Já Pasolini, amante do jogo, fanático do Bolonha e do velho capitão Bulgarelli, foi a jogo, sem reservas, como capitão e terá saído irritado mais cedo gritando contra o comportamento do adversário.
Num retrato mais concreto, simbolizando posturas e posicionamentos, foi um jogo de proletários contra burgueses, já que Pasolini contou com atores e eletricistas do seu filme, adotou um equipamento do Bolonha, ao passo que Bertolucci encomendou um equipamento psicadélico com a inscrição do nome do filme nas respetivas camisolas. Apesar do recíproco respeito, havia polémica às portas do encontro, já que Pasolini havia arrasado publicamente O Último Tango em Paris, obra de Bertolucci, de 1972, considerando o filme do antigo assistente como medíocre.