Carlos Lima conhece a dimensão do dérbi desde os oito anos. E é claro sobre a troca feita em 2001/02: "Romantismo não paga contas". A dura saída de Guimarães explicada por Lima, com cíticas a Pimenta Machado, e o surpreendente acolhimento em Braga, vivendo estreia pelo novo clube numa visita ao D. Afonso Henriques.
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Um vira-casacas? Nada disso, um vira minhoto, muito mais real, pela inevitável dança de camisola. Hoje com 46 anos, vitoriano confesso, na estrutura de formação do clube, Lima escapou a qualquer censura por ter equipado à Vitória e à Braga, totalizando duas épocas em cada.
“Foram e serão jogos com uma atmosfera e adrenalina diferentes, dentro e fora das quatro linhas, fruto dos anos de rivalidade entre clubes de enormíssima história em Portugal”, relata o antigo médio, percorrendo singularidades.
“A partir dos oito anos tive o privilégio de vivenciá-los, prolongando-se até ao mais alto patamar do nosso futebol”, atesta Lima, recuperando as emoções, ora paralisantes, ora mais deslumbrantes. “Eram jogos tremendamente apaixonantes, de pequenos detalhes a fazerem muitas vezes a diferença, e em que, independentemente do estado anímico ou financeiro e desportivo de cada clube, o desfecho final é completamente imprevisível”, observa, recuando ao peso das palavras e à gestão dos dias na aproximação ao efervescente clássico. “Ainda tentamos dizer que é uma semana igual às outras, mas devido à atmosfera que se vive entre os adeptos e nas cidades é impossível fazê-lo. A cada local que nos desloquemos, há sempre quem nos relembre e incentive para o jogo. E vamos bebendo essa febre até a transportarmos para o campo”, pontua.
“A paixão dos vitorianos sempre foi mais vincada. Mas, fruto do trabalho meritório do presidente do Braga, que entrou no ano em que lá estava, os adeptos aproximaram-se muito mais do clube e são cada vez mais jovens. Em Guimarães nunca se dependeu do momento. Esteja o clube melhor ou pior há um apoio massivo”, enaltece Lima.
Mergulhando nos seus dérbis, recorda tempos apaixonantes. “Ambiente escaldante, muito aparato e trocas de trajetos de autocarro para não sermos agredidos. E pensava, isto sim, é um Vitória-Braga! Adorava esse ambiente, a atmosfera do estádio e a paixão dos adeptos”, precisa, não fugindo do mundo novo e da ampla confusão de sentimentos gerada pela troca de casa em 2001/02. “Foi algo complicado, pois para quem cresceu em Guimarães e a representar o Vitória desde bebé, nunca imaginei fazer essa mudança. O Vitória achou que eu não teria espaço, mesmo após bons registos individuais. E não fossem as exigências de última hora do Pimenta Machado, eu tinha sido vendido para Espanha. Como os negócios caíram por essas intransigências, apareceu o Moreirense, da II Liga, com quem havia relações cortadas, e o Braga”, recorda.
“Foi uma opção lógica. Acabei por ter uma boa experiência e fui muito bem recebido. Coloquei de lado o coração, fui profissional ao máximo. Que adianta estares no clube do coração e não te quererem lá? O romantismo e sentimentalismo não pagam contas. Se assim fosse, éramos mais felizes”, vinca, recordando a onda de apoio recebida. “Os adeptos do Vitória ficaram revoltados com a minha dispensa. Por ironia do destino, a minha estreia pelo Braga foi no D. Afonso Henriques. Quando entrei, vestindo a camisola do maior rival, recebi enorme ovação do estádio. Até me arrepio de recordar e falar sobre isso. Honestamente, não o esperava!”.
Eternizados estão alguns dérbis e um clima hostil de tenra idade. “Era infantil, foi em Braga, no velhinho campo da Ponte. Precisávamos de um empate mas perdíamos por 1-0 nos descontos. Dá-se um penálti sobre mim e conseguimos ser campeões de série. Há uma invasão de campo, o caos, tivemos de fugir para os balneários. Ficamos barricados cerca de duas horas até haver reforço policial. As famílias estavam cá fora e ninguém sabia nada, pois não havia telemóveis. Acabou tudo bem, mas é fácil imaginar a aflição de uma criança de 12 anos.”
Lembranças de Artur Jorge: “Que queres, marroquino?”
Lima recorda picardias na troca de camisola. “Quando cheguei ao Braga tratavam-me carinhosamente por espanhol, ao que respondia: ‘O que queres, marroquino?’ Um deles era o Artur Jorge, com quem mantenho ótima relação”, sublinha Lima. “As equipas estão bem entregues, sou amigo pessoal dos dois técnicos. Estão nos lugares certos, com ideias bem vincadas, profissionais de alto nível e apaixonados pelos clubes que representam.”