Baía, Scolari, o não à camisola 69 e uma frase forte: "Guardiola tinha de ganhar mais do que eu"
<strong>ENTREVISTA (PARTE 2) - </strong>Na altura, 1996, foi a transferência mais cara de um guarda-redes. Barcelona foi a única experiência de Baía no estrangeiro; esteve muito perto do AC Milan, mas, entretanto, surgiu o FC Porto.
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Transferiu-se em 1996 para Barcelona por uma verba que quebrou recordes a nível de guarda-redes; as coisas começaram bem, mas descambaram e Baía, que tinha o Milan interessado, preferiu voltar ao seu FC Porto.
"Nunca irei esquecer o carinho dos adeptos do FC Porto no dia do meu regresso"
Arrependeu-se em algum momento de ter aceitado o convite do Barcelona?
-Não me arrependo de ter ido para o Barcelona, arrependo-me apenas de não ter experimentado outros clubes e outras realidades, outras culturas. Barcelona foi extraordinário para mim. Uma experiência maravilhosa. Chegar a um clube com aquela dimensão e em pouco tempo vender mais camisolas do que todos os outros craques, e eram grandes nomes do futebol mundial, foi excecional e deixou-me muito orgulhoso. Era ainda muito jovem e passei a ser o mais acarinhado.
Custou-lhe muito a adaptação?
-Adaptei-me bem, porque sou português e os portugueses têm uma grande facilidade de adaptação. Não é apenas uma frase para fazer bem ao nosso ego, é a realidade. O meu principal problema ali foi o meu empresário, Luciano D"Onofrio, ter delegado tudo noutro empresário, o sr. Minguella, toda a documentação.
"O sr. Minguella teve acesso a todos os documentos e ficou a saber quanto eu ganhava"
Conte lá essa história...
-O Minguella era o empresário do Guardiola e de outros valores do Barcelona. A meio da época, ele teve a noção de quanto eu ganhava e fez a comparação com os jogadores que representava. Houve uma campanha tremenda contra mim, não por causa das minhas exibições, mas por causa do que eu ganhava. Guardiola tinha de ganhar mais do que eu...
Foi difícil ultrapassar esse momento?
-Bem, foi numa altura complicada, em março, e tivemos um jogo com o Atlético Madrid (5-4) que não me favoreceu. As minhas exibições acabaram por calar aqueles que tanto tentaram denegrir-me e acabei por vencer essa campanha. Em quatro competições, ganhámos três, perdemos o título na penúltima jornada
A segunda época foi mais difícil...
-No segundo ano, tive outros problemas, aí sim. O sr. Robson, que era fantástico como pessoa e como treinador, saiu, veio outro, no caso, o Van Gaal. No início da época, ele teve uma conversa comigo e com os outros dois guarda-redes, o Ruud Hesp e o Arnau. Disse-nos que eu seria o número um. Uma semana antes de o campeonato começar, tive uma lesão grave. Estive oito meses a recuperar da lesão e foram tempos muito complicados, de grande esforço e de grande necessidade de superação. Quando voltei a jogar, ainda não estava totalmente recuperado... São coisas que não se explicam. Ainda não estava bem, mas tinha uma vontade de jogar, contra as próprias limitações físicas. Acho que era o ADN do FC Porto, de antes quebrar que torcer.
Mas o seu regresso nessa época não correu muito bem...
Como lhe disse, não estava bem fisicamente, fui para um jogo com o Dínamo de Kiev, da Champions, e estive mal. Ganharam-me uma bola de cabeça onde eu devia chegar com as mãos, que foi uma coisa que não me lembro de outra igual. E o resto do jogo correu muito mal. Perdemos 4-1, foi mau.
E acabou por aí a temporada?...
-Ainda fiz dois jogos no campeonato e fui campeão. Achámos melhor procurar outras alternativas. Surgiu o AC Milan, mas surgiu também o FC Porto e, aí, não hesitei, regressar passou a ser a minha palavra de ordem.
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UMA AVENIDA CHEIA PARA RECEBER O FILHO PRÓDIGO
Vítor Baía foi desafiado nesta entrevista a recordar momentos mais marcantes da sua carreira. E este não podia falhar: janeiro de 1999.
"Nunca irei esquecer esse dia em que regressei ao FC Porto, nunca o poderei esquecer. Ver aquela avenida junto à SAD cheia de gente, numa manifestação de carinho fantástica... São momentos que marcam uma vida e marcou-me, claramente. Naquele momento, com tamanho carinho dos adeptos, senti-me recompensado pela opção que tomei, e que me encheu de alegria. Foi o regresso do filho pródigo. As coisas voltaram a correr-me bem, tanto que o Van Gaal, pouco tempo depois, queria que eu regressasse", mas Vítor Baía ficou mesmo pelo FC Porto, primeiro por empréstimo e, a partir de 2000, a título definitivo. Mais anos de ouro ainda estavam para vir, como foram 2003 e 2004, com as conquistas da Liga Europa e da Champions.
"O 69 NEM PENSAR!"
Vítor Baía bem pode dizer que foi o primeiro 99 no futebol mundial.
O seu regresso ao FC Porto coincidiu com o ano em que os números das camisolas deixaram de ser obrigatoriamente de 1 a 11. "No regresso para o Porto, vinha no avião com o presidente a falar de alguns pormenores e surgiu a questão do número que eu iria usar. O 1, o 12 e o 24 já estavam ocupados pelo Kralj, o Rui Correia e o Costinha. Surgiram depois várias possibilidades. Atirei-lhe com o ano do meu nascimento, 1969, ou seja, seria o 69, mas o presidente foi perentório. "Não, o 69 nem pensar"! Pronto, depois de mais algumas sugestões, falei no 99, que era o ano em que estávamos, o ano do meu regresso ao FC Porto. E ele achou muito bem, 99 seria! E nasceu assim a história do 99. Ao longo dos anos, vi surgirem vários jogadores a alinharem com o 99, particularmente pequenos futebolistas, pequenos guarda-redes, o que muito me honra. Continuo a vê-los por aí, porque essa é também uma forma de perpetuarem o meu nome e a minha carreira. Posso dizer, com alguma vaidade, que fui o primeiro 99 do mundo do futebol, apenas por se ter dado a coincidência de o meu regresso ter acontecido nesse ano."
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"EURO 2004? SE CALHAR NEM SCOLARI SABE..."
No ano em que foi eleito o melhor guarda-redes da Europa, pouco depois de ter conquistado a Champions ao serviço do FC Porto, Vítor Baía estava esperançado em fazer parte das escolhas de Scolari para o Euro"2004. Com grande espanto do mundo de futebol, Scolari não o convocou nem disse os motivos. Até hoje, continua a ser um mistério...
"Scolari até talvez esteja arrependido, mas não sou pessoa de guardar rancores"
"Já falei com ele e tive o privilégio de o entrevistar recentemente; já tinha estado com ele noutros momentos. Não sou pessoa de rancores. Se calhar, nem ele sabe e talvez até esteja arrependido", diz Vítor Baía, que continua no escuro em relação aos motivos desse polémico afastamento. De uma coisa o antigo guarda-redes tem a certeza. "Todos saímos prejudicados, eu, o sr. Scolari e, acima de tudo, Portugal. Claro que foi muito difícil para mim entender. Já disseram tanta coisa. Que foi o sr. Pinto da Costa e o Mourinho, que foi António Oliveira, que foram os meus colegas. Sinceramente, acho que não vale a pena perder tempo com isso."