André Geraldes, antigo dirigente do Sporting, Farense, Estrela da Amadora e Varzim, deu uma entrevista no podcast "90+3 by Fora de Jogo"
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Trabalhar com Jorge Jesus: "Foi tudo uma ascensão muito rápida. Criámos o gabinete de apoio ao atleta e logo aí tivemos uma relação muito próxima do futebol profissional, inclusivamente em algumas negociações de transferências. Talvez a grande alteração administrativa e operacional foi a vinda do treinador Jorge Jesus. Aí houve alterações dentro do clube e tivemos de nos readaptar às opções dos dirigentes do Sporting na altura. Foi-me encetado o convite para assumir o futebol profissional, na altura havia o Otávio Machado, que era o diretor-geral, mas que estava um pouco longe daquilo que era a gestão de ativos da direção desportiva, e esse papel acabou por ser mais meu, do presidente e do treinador que, como se sabe, é um treinador que gosta de estar muito presente na gestão dos ativos e no planeamento da época. Eu tinha já uma experiência muito grande ao nível da gestão e organização de empresas, já tinha passado por grandes empresas nacionais, em cargos de coordenação e supervisão. Além da minha formação académica, a experiência profissional ajudou-me a preparar a minha entrada na área da gestão. Depois, na parte desportiva, tratava-se de um fenómeno que eu acompanhava desde muito cedo, mas também acabou por ser uma autoaprendizagem. Quando digo muitas vezes que, do ponto de vista do jogo, trabalhar um ano com o Jorge [Jesus] é como trabalhar 10 anos com outro treinador, com todo o respeito que todos me merecem, eu sinto que isso é mesmo verdade. Trabalhar com o Jorge Jesus é trabalhar com um manager, com um gestor de ativos, também. As preocupações com todos os pormenores. Coisas que são normais no futebol, mas que é necessário executá-las bem. Os detalhes fazem toda a diferença. Na altura, o Sporting estava um pouco aquém dos seus adversários no que concerne às infraestruturas e o Jorge Jesus acaba por trazer uma série de exigências em várias áreas, vários departamentos. Identifico-me muito com ele por isso, é obcecado por ganhar, pela vitória. Foi um mentor para mim do ponto de vista do jogo. Digo abertamente que dificilmente encontrarei alguém que perceba tanto do jogo com o Jorge Jesus. A esse nível, ele é fora da caixa e foi muito importante para mim essa convivência que tivemos. É inevitável que exista um crescimento para mim que nenhum curso ou formação teórica me traria."
Relação entre diretor desportivo, treinador e scouting no Sporting: "Funcionava bem. Na altura, também com o presidente, começou por funcionar bem. Havia a tal preparação da época, o planeamento do plantel, com as necessidades que o treinador entendia que existiam para o Sporting. Com base no que era o orçamento e o estilo do treinador, procurámos as caraterísticas ideias para cada posição. O Bryan [Ruiz] era um jogador virtuoso, que já estava identificado por nós, e que o Jorge [Jesus] quis e acabámos por conseguir trazê-lo. No campeonato português acabou por fazer muito a diferença porque o mister gostava de jogadores que tivessem esse virtuosismo."
Trabalhar com Bruno de Carvalho e Jorge Jesus: "Pessoas com personalidades fortes. O Jorge [Jesus] é uma pessoa do futebol, tem muitos anos disto, e gostava de ter a sua autonomia e liderança sobre o grupo. O presidente, na altura, como se sabe, não era uma pessoa fácil de personalidade e de feitio, mas não era melhor nem pior. Era necessário um trabalho como profissional e tinha de fazer essa mediação. Isso não quer dizer que se concorde muitas vezes com as posições tomadas. Infelizmente, para o projeto na altura, houve posições tomadas pelo presidente que não caíram bem junto do grupo e junto, como se percebeu, depois, no final, de alguma massa associativa. Se os sócios e os adeptos são o maior património do clube, é impossível não falar sobre isto. O Bruno [de Carvalho] fez muita coisa bem, mas depois, numa fase mais adiantada, as coisas não correram tão bem. Era um estilo que não se adequava às necessidades de tranquilidade permanente de uma equipa de futebol profissional. Isso ficou evidente perante todos. Essa intranquilidade que existiu revelou-se inegável. Penso que o próprio, se pudesse corrigir alguma coisa, iria corrigir. Eu não falo com o Bruno [de Carvalho] há muitos anos, mas naquela fase mais final as coisas não foram bem geridas. Na minha opinião, um presidente de um clube não deve expor-se nas redes sociais de forma a que faça praticamente uma análise dos falhanços da equipa numa eliminatória europeia. Assim como me parece precipitado, numa Assembleia Geral, atacar-se parte da Comunicação Social, para não dizer toda. Não me parece razoável. Para que fique registado, acho que houve muita coisa bem feita, mas acho que houve muita coisa que não correu bem na parte final e isso precipitou, obviamente, o fim que acabou por ter."
Sobre o processo Cashball: "Quando o Ministério Público parte para uma investigação, deve investigar, e muito bem, indícios. Porque numa fase inicial não se fala de provas, fala-se de indícios. E, por vezes, escondem-se nos tais indícios para fazerem a tal repercussão dos seus processos. Há muita gente a sofrer por isso no nosso país. É dever das entidades competentes que façam o seu trabalho sem mediatismo. E eu sofri um pouco disso. Vá-se lá saber porquê ou com que intenção, alguém que, pelos vistos, tentava abordar jogadores e árbitros de andebol, pelos vistos, segundo um print retirado de um telefone de terceiros, que foi suficiente para fazer aquele circo mediático que foi o processo Cashball. Eu digo que foi uma vergonha porque nunca o Ministério Público, e até hoje, conseguiu provar que eu tivesse enviado uma mensagem a quem quer que fosse, nem que tinham uma escuta minha a pedir o que quer que fosse. Caiu tudo à primeira, nem sequer conseguiram fazer acusação. Havia muitas pessoas do mundo do futebol que desejavam que o desfecho do processo fosse outro, mas, infelizmente para essas pessoas, não foi."
Subir de divisão no Farense: "O Farense é um histórico do nosso futebol, tem uma grande massa associativa e tem até condições para lutar por outros objetivos. Na altura, tínhamos um projeto de três ou quatro anos para subirmos à Liga. Fizemos uma boa campanha desportiva, profissionalizámos o clube, trouxemos estrutura para dentro do modelo, criámos um departamento de scouting com mais do que um elemento, desenvolvemos outras áreas e acertámos na construção do plantel. Com um investimento médio para a realidade da Liga 2, conseguimos logo a subida no segundo ano."
A experiência no Estrela da Amadora: "Creio que ninguém acreditava que era possível fazer o que todos fizemos. Não foi o André [Geraldes]. Tínhamos um grande grupo de jogadores, que construímos um bocado à pressa e com pouco dinheiro. Foi, talvez, o maior desafio da minha vida desportiva. O orçamento era muito baixo, fomos buscar jogadores medianos para a realidade em que estávamos, mas foi dos melhores grupos que tive. Ao mesmo tempo, tínhamos de fazer o tal processo administrativo, com a fusão com o Sintra Football, algo que foi aprovado em Assembleia Geral. Depois foi o processo de renovação de infraestruturas, nomeadamente o Estádio José Gomes, um dos pilares da identidade do clube. Foi um grande trabalho de toda a gente e conseguiu-se aproveitar o trabalho das pessoas que não deixaram cair a identidade do Estrela e o novo investidor ajudou a catapultar o clube através da fusão. E subimos logo de divisão. Foi uma oportunidade para o Estrela ressurgir."