Amorim e Jesus: "discípulo" e "mestre" numa espécie de frente a frente distante
Covid-19 impossibilita reencontro de Amorim e Jesus, que estiveram do mesmo lado em 173 jogos - recorde de sete épocas -, mas que nunca criaram uma relação próxima
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A covid-19 vai adiar para a segunda volta do campeonato o reencontro entre Rúben Amorim e Jorge Jesus, o segundo impedido de regressar fisicamente ao José Alvalade devido ao isolamento que cumpre por estes dias, precisamente devido à infeção pelo novo coronavírus.
A história que O JOGO lhe propõe lembrar, pincelada com os números de um saboroso dérbi, só fica a dever ao cerrar de punho que os técnicos iriam protagonizar antes do apito inicial, sinal de respeito por uma longa história juntos, com 173 embates do mesmo lado e um recorde de sete temporadas, entre o Belenenses e o Benfica - nunca JJ treinou outro atleta em tantos anos diferentes, muito menos o agora treinador dos leões teve, enquanto futebolista, outro comandante em tamanha dimensão.
É, no entanto, curioso que o isolamento de Jesus nos possa transportar para a figuração da relação entre ambos, distante e com vários episódios que alimentaram diferenças, não pelo conhecimento do "mestre", mas pela forma como o "discípulo" sempre considerou que este comandava as tropas, um lado humano que considerou demasiado ausente e que na sua ainda curta carreira a liderar homens do futebol tenta que seja uma das suas imagens de marca; frente a frente - ou no banco e em casa - estão, assim, duas escolas distintas, a de JJ já com doutrina cimentada a nível das ideias, treino e discurso e a de Amorim a crescer em todas estas vertentes. Certo é que se o Sporting ganha esta segunda-feira, deixa a águia a nove, algo nunca visto desde 2001/02 (11 pontos).
Sonho, títulos e pesadelo
Amorim e Jesus cruzaram-se do mesmo lado da barricada pela primeira vez em 2006, então no Belenenses, onde o antigo médio foi lançado em campo em 54 jogos, antes de rumar à Luz, no verão de 2008, mas não sem antes ver o técnico travar em janeiro uma transferência que, admitiu Rúben, teve o coração a negociar, pois da Alemanha havia uma proposta financeira muito mais... atraente. Cumpriu, finalmente, o sonho de representar o clube que aprendeu a amar desde pequeno e onde viria a ser (bastante) feliz.
Eis, então, que em 2009, diretamente de Braga, chega Jorge Jesus para fazer a águia voar ao primeiro título de campeão nacional em cinco anos, dando ao médio a oportunidade de aparecer em 38 jogos do seu rolo compressor. Tudo parecia correr bem, mas já aí as tendinites constantes nos joelhos obrigaram a uma intervenção, que acabou por precipitar o seu empréstimo a meio da época seguinte, para o Braga, onde passou ano e meio. Aí, admitira pela primeira vez que não voltaria à Luz enquanto JJ fosse treinador, mas convencido por Luís Filipe Vieira de que se regressasse não sairia mais - não era prioridade de Jesus - acabou por ceder. Cedeu e fez uma temporada 2013/14 "limpinha", onde só não venceu final da Liga Europa contra o Sevilha. Estava lançado, tinha ido ao Mundial, mas acabou por surgir uma lesão grave no joelho direito, que o empurrou de novo para fora do Benfica no pós-recuperação - termina, aos 31 anos, a carreira no Al Wakrah, Catar.
Evandro Roncatto e o "lado humano"
O ano passado, Jesus lembrou que nunca teve um jogador que passasse tanto tempo a treinar consigo, mas na mesma entrevista à Sport TV, então no Flamengo, assumiu "problemas" com Amorim. Recordamos, com a ajuda de Evandro Roncatto, ex-colega de Rúben e treinado por ambos, no Belenenses e Casa Pia, que esta não é uma celeuma de conhecimento, mas de diferenças em termos de trato.
"Tinham uma relação normal - o Jesus sempre teve o feitio dele. Talvez o que os separe seja o lado humano, porque taticamente são ambos excelentes", explicou o futebolista que atua hoje no Oriental ao nosso jornal, concretizando: "Por ser mais novo, de outra geração, o Rúben consegue criar um grande ambiente nos seus grupos. Sentimos isso no Casa Pia e dá para ver, de fora, que é o que acontece no Sporting. O discurso também é diferente: o Jesus já pode dizer o que quiser, pelos anos que tem disto, pois ninguém o leva a mal; o Rúben é mais controlado, está a crescer, mas também vai lá chegar, pois tem uma personalidade forte. Se fosse menos controlado publicamente, talvez pudesse passar uma errada imagem de um treinador arrogante."