Em entrevista a O JOGO, o superintendente Luís Elias, diretor do Departamento de Operações da Direção Nacional da PSP, defende pedagogia da sanção, diz que clubes e dirigentes são "os principais responsáveis pela segurança" nos estádios e que não podem "empurrar para o Estado as responsabilidades de punição".
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O diretor do Departamento de Operações da Direção Nacional da PSP, Luís Elias, de 50 anos, tem uma vasta experiência na prevenção e combate à violência no desporto, no futebol em particular (Mundial"2018, vários anos a dirigir grandes operações de futebol na área Metropolitana de Lisboa, etc.) e contraria a versão manifestada a O JOGO pelo presidente do IPDJ, de que estará a haver mais processos em 2018 porque antes a PSP "não comunicou infrações". "Levantámos autos durante todas as épocas, desde o primeiro jogo", garante.
Os agentes desportivos e administrativos apontam o dedo à PSP quando algo falha. Têm razão?
Não trabalhamos sozinhos, mas com as Direções dos clubes/SAD, diretores de segurança dos clubes/SAD, os Assistentes de Recinto Desportivo, Proteção Civil, emergência médica, federações, ligas, comunicação social e adeptos. O Estado, com a Lei 39/2009 [que regula a luta contra a violência, o racismo e a intolerância no desporto], manifestou legalmente que sejam os promotores e organizadores a assumir a segurança. Na I Liga, o organizador é a Liga Portugal e os promotores são os clubes/SAD visitados. São os principais responsáveis pela segurança do recinto desportivo. Com a nova Lei, e o projeto já está em discussão na Assembleia da República depois de ser aprovado na Presidência do Conselho de Ministros, continuará assim. Obviamente, a PSP estará lá, sempre, para contribuir para o reforço da segurança, em parceria com as SAD e os clubes.
A nova Lei proposta melhora o controlo da violência no desporto?
A PSP foi uma parte interveniente no processo legislativo das alterações à Lei 39/2009. E é importante haver uma maior eficácia das sanções e medidas acessórias aplicadas aos clubes. Se já estão previstas algumas sanções acessórias mais fortes, é importante que nas alterações a aprovar sejam fortalecidas estas sanções, designadamente quando o clube não cumprir as regras ou quando os grupos organizados de adeptos prevaricarem.
"É muito importante que haja celeridade processual. Um dos problemas é o expediente dilatório, com os advogados a arrastarem processos"
A PSP está satisfeita com a proposta da nova Lei?
Concordámos com a criação da Autoridade, que substituirá o IPDJ, e revemo-nos. É muito importante que haja celeridade processual. Um dos problemas é o expediente dilatório, com os advogados a arrastarem processos, que em alguns casos acabam arquivados. Víamos com bons olhos, para delitos contraordenacionais mais graves, a coima ser paga na hora. À semelhança do Código de Estrada.
Quais são as sanções mais importantes para o combate à violência?
Uma das que consideramos importante é a sanção acessória de realização de espetáculos desportivos à porta fechada.
Qual é a raiz pedagógica desta sanção?
A raiz pedagógica é, no fundo, penalizar os adeptos e eventualmente os clubes que apoiem grupos ilegais ou que sejam reiteradamente infratores e levar a que haja uma pacificação do ambiente nos estádios. Nas competições da UEFA, esta medida [porta fechada] tem sido muito aplicada e com muita regularidade. Na última jornada, o Lyon jogou à porta fechada com o Shakhtar, por mau comportamento dos adeptos. A UEFA, enquanto organizadora das competições europeias, tem desenvolvido uma ação pedagógica e punitiva muito forte para prevenir e reprimir a violência no desporto.
E em Portugal?
Os adeptos portugueses, sabendo da eficácia da UEFA, tendem a comportar-se melhor nos jogos europeus do que na Liga Portuguesa. Isso devia fazer-nos refletir. O exemplo da UEFA devia fazer refletir as entidades organizadoras, FPF e Liga, e os promotores, clubes e SAD, a serem eles próprios a assumirem mecanismos de autorregulação e de sancionamento mais eficazes no quadro da justiça desportiva.
"As entidades do desporto não podem nem devem empurrar para o Estado as responsabilidades de punição, porque elas próprias têm competência"
Os clubes têm competências para exercer autoridade?
A nossa opinião é que as entidades do desporto não podem nem devem empurrar para o Estado as responsabilidades de punição, porque no quadro da Lei elas próprias têm competências de sancionamento em termos de justiça desportiva. Como a interdição individual de adeptos, que a liga devia executar.
Há clubes a criticar a PSP pela ineficácia da interdição de adeptos.
Isso é uma demissão das responsabilidades por parte dos clubes, quando a Lei lhes deu responsabilidades para atuarem sobre adeptos infratores. Eles são os principais interessados nos estádios cheios, com crianças, idosos e famílias. A violência no desporto pode ser um dos fatores que levam as pessoas a não irem aos estádios. Como o sentimento de insegurança, mesmo de quem nunca foi importunado ou agredido, por causa dos discursos dos dirigentes na comunicação social, de radicalização e incendiários. Os dirigentes não estão acima da lei. Atiram-se à polícia porque a justiça desportiva baseia-se nos relatórios da polícia. Vemos com bons olhos jogos à porta fechada, torcida única [ver outra peça] e interdições individuais. Por isso é que é importante que clubes/SAD invistam em tecnologia, em videovigilância, é uma ferramenta fundamental para detetar infratores. É isto que tem de acontecer se os clubes/SAD querem erradicar indivíduos - por vezes trata-se mesmo de indivíduos - que estragam o ambiente.
"Muitas vezes, a pedido do IPDJ, ouvimos testemunhas e arguidos porque o instituto não tem recursos suficientes"
Os clubes queixam-se da impossibilidade de controlar a entrada com bilhete geral de um sócio que possam interditar...
Controlo de interdições? É os adeptos serem obrigados a apresentarem-se na esquadra, uma hora antes e até uma hora depois do jogo. Se não forem, será dilatada a sanção. Em vez de seis meses, um ano. Ou aumenta-se a sanção pecuniária. Mas uma coisa é constar da Lei, outra é ser aplicada de forma sistemática. Essa é a melhor forma de controlar e mecanismo dissuasor do infrator, porque este não se vai sentir bem a ter de se apresentar numa esquadra.
Por que é que este ano começou a haver mais sanções a clubes?
Levantámos autos durante toda a época, todas as épocas, desde o primeiro jogo. Não há, nem houve, qualquer indicação para levantar autos apenas em determinado período. Enviámos os relatórios policiais sistematicamente para a Federação e para a Liga e levantámos autos e enviámo-los para as entidades competentes. Muitas vezes, a pedido do IPDJ, ouvimos testemunhas e arguidos porque o instituto não tem recursos suficientes. Em 90 e tal por cento dos casos, somos nós que ouvimos os intervenientes. Temos todos os autos e relatórios sistematizados. Fazemos a contabilidade do arremesso de artefactos pirotécnicos por jogo e sempre que é possível identificar os autores enviámos os autos às autoridades competentes, que para já ainda é o IPDJ, mas passará a ser a nova Autoridade.