Nascido na cidade mais perigosa do Brasil, Cebolinha superou todas as dificuldades.
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O talento para o futebol, expresso por uma velocidade invulgar, um drible fácil e finalizações mortíferas, permite a Everton Sousa Soares, conhecido por Cebolinha, chegar ao Benfica, pelo menos até ao momento presente, com o rótulo de contratação mais sonante das águias para 2020/21.
Mas a história de vida do extremo de 24 anos, internacional canarinho, até o podia ter levado para outras rotas, bem menos saudáveis, ele que nasceu e viveu a infância na cidade de Maracanaú, no Estado do Ceará e na zona metropolitana de Fortaleza. Rodeado de violência e criminalidade, naquela que é a cidade brasileira com maior taxa de homicídios - um estudo de 2017 apontava para 145 vítimas mortais por cada cem mil habitantes - Cebolinha driblou os caminhos mais fáceis e apostou tudo na bola, a sua companheira de uma vida.
O reforço que é esperado em Portugal, para assinar por cinco temporadas a troco de 20 milhões de euros, pagos em três anos (mais 15% de mais-valia futura), teve na família, pais e avós principalmente, os grandes pilares de uma infância onde o tráfico de droga, o crime e a morte espreitavam os jovens a cada esquina. Mas, para Everton Cebolinha, a rua era apenas uma extensão dos campos de futebol. A caminho da escola, onde só se destacava dos outros quando, nos intervalos, destruía os defesas da equipa contrária, aquele miúdo definido como muito tímido, já ia trocando passes com os amigos. Quem o conheceu desses tempos, lembra a alegria do rapaz que, na Rua 36 do Bairro Jereissati 1, ficava até ao final da tarde a chutar uma "redondinha" contra o portão da garagem da vizinha mais próxima da casa dos pais.
A música ainda o tentou mas só a família o ouvia
Nessa fase da juventude, Cebolinha também queria ser músico, algo para o qual não teria tido o necessário talento para singrar. A família conta que o jovem chegava a cantar em casa, mas a sua timidez nunca lhe permitiu "exibir-se" para uma audiência para lá das quatro paredes que lhe davam conforto. Magrinho, Cebolinha começou a brilhar no futsal, plantando aí as sementes da fama que tem vindo a colher: ainda hoje há quem se lembre das fintas e golos do "puto" de 10 anos. Num dia normal, ou seja, de passar pela escola, Everton acordava às 6h00 e tinha de se arriscar nos transportes públicos, sozinho e sujeito a ser apanhado no fogo cruzado da criminalidade.
Aí, Everton teve em Francisco Gleisson, responsável pelo projeto Novo Horizonte, um verdadeiro amigo: recebeu dele uma bicicleta para poder pedalar diariamente os mais de 20 quilómetros de distância. De Gleisson, levou ainda a sua primeira alcunha. "Chamava-lhe "rato da areia" porque não parava de correr e de se mexer", contou numa reportagem da "GauchaZH". "Cabeça" e "Cebolinha", neste caso devido às parecenças com o personagem criado por Maurício de Sousa, nos anos 60.
Mais tarde, nos pelados, mostrou-se no campo do Novo Oriente, antes de se lançar em competição no Maracanã Esporte Clube. Seria o início de uma caminhada até ao Benfica, marcada por golos e títulos, com passagem pelo Fortaleza antes de rumar ao Grémio, com 16 anos.
Drama vivido com o avô e indireta a Bolsonaro
Muito ligado à família, Cebolinha confessou em entrevistas as saudades sentidas em vários momentos da carreira e que quase o fizeram voltar para casa. Como, por exemplo, quando foi chumbado num teste no modesto São Bernardo. "Fiquei cabisbaixo e pensei se deveria continuar a jogar", admitiu Cebolinha ao "Esporte Espectacular". A resiliência do extremo prevaleceu e, com a ajuda do pai Carlos Alberto, entrou no Fortaleza, onde despontaria para o Grémio, mais tarde.
Entre as pessoas mais importantes na vida de Everton Cebolinha estão a avó, Marpisa Cândida, o pai Carlos Alberto, a mãe Elenira, os irmãos João Victor e Bia, além da mulher Isa Ranieri e os seus filhos, Sofia e Pedro, este nascido em outubro. Nesta cadeia familiar, no entanto, já falta o avô, falecido em maio passado devido à Covid-19. Francisco era uma das pessoas que mais apoiou o jovem nos seus primeiros passos. "A sua partida quebrou o meu coração, nunca tinha sentido nada assim e parece que o mundo desabou. Isto não é uma gripezinha e está mais perto do que imaginamos", escreveu Cebolinha no seu "Instagram", também numa alusão às palavras de desvalorização da pandemia que Jair Bolsonaro, presidente do Brasil, havia tido antes.