Morte de Rui Nabeiro criou lastro de luto entre jogadores que vestiram a camisola do Campomaiorense nos anos áureos. Relatos de quem com ele conviveu
Corpo do artigo
É um legado fantástico, inimitável e com contornos exemplares. A passagem do Campomaiorense pela 1ª Divisão foi um ponto de frescura do futebol português, um sinal de vitalidade do interior e um bálsamo airoso, tão bem cheiroso, para o protagonismo de uma região, o Alentejo, sempre tão desabrigada do mediatismo futebolístico. Apenas o tivera com o Lusitano de Évora e o Elvas. Com a chancela da Delta, a vila de Campo Maior deu-se a conhecer de forma mais nítida para lá do império do café da família Nabeiro ou da sua tão afamada festa das flores. Foi no final da época 1994/95 que se deu algo incomparavelmente belo, o Campomaiorense venceu e timidez e fintou a pequenez geográfica e assenhoreou-se de lugar entre os grandes de Portugal, subindo com Leça, de Sérgio Conceição, e Felgueiras, de Jorge Jesus.
Escrita uma página dourada... licença dada a dias de júbilo, orgulho e fantasia com o que seria esta vivência. Veio uma descida mas vieram logo mais quatro anos na 1ª e um perpetuar da graça alentejana, do seu charme de bem receber a tantas cortesias à mesa. O projeto teve outra doçura extrema, uma presença no Jamor. Amarga no final. A grande deceção ocorreu na época 1998/99 com os alentejanos a tombarem frente ao Beira-Mar. Já em 2002/03 deixa de haver Campomaiorense na sua extensão profissional, facada na emoção em nome da gestão, os esforços passam a resumir-se à formação.
"Fomos chamados a uma sala de reunião da Delta, ele fez uma explicação muito calma sobre a história da empresa e da família. Pediu um a um para se levantar e relatar o seu currículo. De forma subtil fez-nos pôr os pés na terra"
Ainda com o País a chorar o desaparecimento aos 91 anos de Rui Nabeiro, o futebol também verte as suas lágrimas. São muitos rostos e bem conhecidos que ajudaram a engrandecer o Campomaiorense em cinco campanhas na 1ª Divisão. Renumerados com o orgulho de o fazerem no Alentejo, longe dos holofotes e das regalias citadinas, exaltavam a sua pertença ao universo Delta. Quem lá jogou, enche-se de palavras elogiosas para o tratamento recebido. Jimmy Hasselbaink foi a grande descoberta desses anos sonhadores, transformando-se num dos grandes avançados do seu tempo na Premier League.
"Lembro-me que estávamos a jogar para não descer e ele, antes dos jogos, fazia questão de ir ao autocarro antes de partirmos. Dava-nos muito moral e era incrível a sua alegria e certeza que não íamos descer de divisão! Cumprimentava um a um, desejava sorte, no final do Campeonato conseguimos a permanência e ele deu-nos um bom prémio. Era um homem alegre, fantástico, ser humano irrepreensível, preocupado com toda a gente", elogia Constantino, figura durante anos no Leça, saboreando passagem pelo Alentejo em 99/00. Hoje adjunto de Abílio Novais no Oliveira do Douro, puxa a fita de um convite do "tio Rui". "Inaugurou uma herdade em Campo Maior pouco antes de estalar o Covid e fez questão de me convidar a mim e ao Abílio para celebrar um aniversário da equipa que disputou a final da Taça. Avisei-o que não fazíamos parte dessa equipa, ele disse que sabia mas fazia questão que comparecêssemos. Foi um convívio fantástico", lembra.
Todos filhos da terra
Notável na Briosa, Mickey foi um médio engenhoso na 1ª Divisão, de pensamento ágil e rasgo fácil. Passou por Campo Maior igualmente em 99/00, saindo preenchido por uma época de valores nobres. "O comendador Rui era presença assídua no balneário antes e depois do jogos e, sobretudo, em períodos mais difíceis. Ele aparecia e o seu sorriso era muito apaziguador e tranquilizador. Sem qualquer atitude castigadora", documenta, taxativo no sentido educativo do olhar e das palavras que tanto sensibilizaram. "Fomos chamados a uma sala de reunião da Delta, ele fez uma explicação muito calma sobre a história da empresa e da família. Pediu um a um para se levantar e relatar o seu currículo. De forma subtil fez-nos pôr os pés na terra. Tivemos de perceber que nada de extraordinário tínhamos feito nas nossas vidas. Devíamos dar um bocadinho mais pelo Campomaiorense", recorda Mickey, desenvolvendo o grau de admiração. "Há outra altura em que nos leva a um congresso da Delta com presença de todos os comerciais na herdade das Argamassas. Fomos entender a importância dos nossos resultados no sucesso da marca. Guardo-o com saudade, éramos tratados ali como se fôssemos filhos da terra", sustenta, rendido a Rui Nabeiro.
"O que posso fazer agora como empresário, por ironia do destino, a gerir uma empresa agrícola no Alentejo, é seguir ao máximo o exemplo de respeito e companheirismo. Nunca com sobranceria perante pessoas com menos formação, mas importância fulcral no melhoramento da empresa", confessa.
""Sempre que privava connosco tinha um discurso motivador, de conquista e de valores. Aparecia poucas vezes mas sempre nos momentos delicados, quando era necessário levantar o moral. Era muito racional"
Jorginho foi figura do ataque dos raianos nas divisões profissionais, conhecendo muitos dos alicerces do projeto. "Cheguei com 19 anos num dia de sol e um intenso odor a café no ar. As sensações foram ótimas numa vila alegre e bem composta, as pessoas afáveis e generosas e o impacto muito positivo num clube estruturado e acolhedor", ressalva, pintando o contexto.
"Era um projeto ambicioso, com todas as condições e ambiente descontraído. Fazíamos parte da família Delta, e como tal o objetivo era elevar o nome da empresa, do Campomaioreinse e da vila a um patamar de excelência", evidencia, pondo ênfase na figura cimeira
"Sempre que privava connosco tinha um discurso motivador, de conquista e de valores. Aparecia poucas vezes mas sempre nos momentos delicados, quando era necessário levantar o moral. Era muito racional e com um grau de exigência peculiar. Era um homem maior, de emoções e convicções", atesta, partilhando a paixão de Rui Nabeiro pelo jogo.
"Era fervoroso, festejava com uma alegria contagiante e lidava com as derrotas de forma reflexiva. O fim do futebol profissional foi um choque e uma decisão difícil de tomar. A envolvência que o futebol levava à população desvaneceu-se", justifica.
"Acho que o senhor Rui era apologista de um caminho diferente do que foi tomado mas não podemos esquecer que o presidente era o filho João. Era ele que decidia! Ficou uma grande nostalgia sobre as alegrias que podia ter continuado a dar aos campomaiorenses e ao senhor Rui", reforça.
16092778
16094740